sexta-feira, maio 05, 2023

O caos na acessibilidade, trânsito e transporte público de Campos,RJ tem história

Fiquei cerca de três meses fora de Campos, RJ e voltei há uma semana. Ao retornar encontrei o trânsito nas ruas da cidade ainda bem mais tumultuado que antes. A origem não parece simplesmente os problemas de recapeamento de algumas ruas principais, incluindo 28 de março e da interrupção prolongada do trecho da avenida 15 de novembro ou Beira-Rio. Vai também bem para além dos horários de pico e de regiões da área central. Há claramente questões estruturais acumuladas ao longo de décadas na questão urbana que cada vez produzem mais desgastes e cobram uma conta maior.

Avenida 28 de Março. Crédito: PMCG.

Tudo isso me fez recordar o longo ano de 2005. Na ocasião, estive por um período como vice-presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (CMMAU) do município, como representante da sociedade civil. Nessa condição os membros do CMMAU foi conversar com o prefeito, recém-eleito, Carlos Alberto Campista em seu gabinete.

A pauta envolvia várias questões de planejamento urbano e ambiental, preocupações de curto e médio prazo e necessidades, tanto de revisar alguns arcabouços legais que cabem ao município, quanto propor uma intervenção mais corajosa do Executivo usando recursos dos royalties, para dar conta daquilo que parecia não estar sendo percebido pelas autoridades.

Um desses pontos apresentados era sob o fato que no município de Campos dos Goytacazes, naquele distante ano de 2005, já sofria um aumento anual no número de carros registrados da ordem de 5 mil novos veículos e tinha acabado de superar a marca dos 100 mil licenciados junto ao Detran para transitar. Os números espantavam. Eu já havia tratado dessa estatística num dos artigos que escrevia semanalmente em jornal local.

O prefeito Campista, como era de seu costume, sempre muito direto e objetivo, me indagou de chofre: Roberto, de onde você tira esses números? Eu respondi, ora, prefeito se tratam de dados oficiais do Detran-RJ que, já naquela época, como órgão público estadual, tinha começado a disponibilizar suas estatísticas, a despeito de outros problemas. Era um período, em que a economia do país começava a crescer e deslanchar, o que indicava que o problema tendia a aumentar.

Na ocasião falei que esses números de veículos registrados em Campos não conseguiam alcançar os carros novos vendidos nas concessionárias e que saíam emplacados (na maioria das vezes de forma irregular) no estado vizinho do Espírito Santo, por conta da alíquota menor do IPVA. Na época, em pesquisa informal, em algumas concessionárias, gerentes me diziam que quase 70% dos carros novos eram emplacados no ES.

No diálogo com o prefeito Campista, falamos de forma geral e numa espécie de tempestade cerebral de várias alternativas possíveis. Aberturas de vias de escoamento nos entornos (perimetrais do núcleo urbano mais central), a necessidade de aperfeiçoar o transporte coletivo e público que não era bom, mas estava longe do caos que vem tombando nesses últimos anos no município e ainda a abertura de ciclofaixas nas avenidas urbanas, para além daquela primeira e única - infelizmente no canteiro central - da avenida 28 de março.

Campos, já vivia uma espécie de dupla centralidade comercial e bancária: a área histórica e outra na região da Pelinca. Assim, já se intuía que elas se interligariam, tendo a rodoviária e o antigo mercado municipal ao meio. Áreas ligadas por ruas estreitas e difícil de serem ampliadas. A nova ponte para Guarus, já tinha começado e jogar o trânsito de boa parte de Guarus também nesse centro nevrálgico e como imaginado o atravancamento do tráfego foi se adensando.

Duas décadas depois perdemos oportunidades e ampliou-se o problema  

Pois bem, muitas coisas se passaram nesse ínterim de quase duas décadas. O prefeito Campista, se mostrou disposto a tentar avançar em alguns destes desafios, mas logo depois foi retirado do cargo. Deu tempo de dar início à revisão do Plano Diretor, com debates públicos, mas o plano foi depois muito retalhado, a partir de instruções do Executivo da época e acabou bastante alterado na Câmara Municipal.

Nesse período o município recebeu mais de R$ 30 bilhões de royalties do petróleo. Algumas iniciativas saíram das intenções, como a da ligação da perimetral da avenida Artur Bernardes entre o trevo do índio, cruzando a avenida 28 de março e indo até à Uenf. Os prolongamentos das ruas Saldanha Marinho (Caldas Viana) e Formosa – Tte. Cel. Cardoso – Raul Escobar que ligaram os bairros do Turfe e Jóquei como alternativas paralelas à estratégica 28 de março. Uma nova ponte foi construída sobre o Rio Paraíba do Sul. Novas demarcações de ciclovias para além do centro urbano, mesmo que algumas limitadas e estreitas.

Porém, nada disso, está dando e dará conta, diante do crescimento do número de carros que circulam no município e que não para de crescer. Em abril de 2023, esse número em Campos já passou dos 254 mil, embora quase 30% disso sejam de motocicletas, o que reduz um pouco os impactos. Mas, de outro lado, o transporte público piorou demais ao longo desse tempo em Campos. Se formos considerar só o número de automóveis, exceto, ônibus, vans e caminhões, esse número é de cerca de 1 para cada 3 moradores do município.

Além disso, cresceu muito o número de vans, que se por um lado atende à demanda de transporte público, nas ausências absurdas e criminosa dos ônibus (um assunto que há muito vem sendo apontado). As vans também circulam de forma desordenada e em número crescente, assim como surgiram e circulam por todo o canto da cidade, os carros de aplicativos que também não param de crescer e entopem as vias centrais, reproduzindo demandas não atendidas do transporte público, mas também drenando uma renda local para uma empresa-aplicativo fora do país.

Quem sofre mais com tudo isso é a população mais pobre que precisa chegar às áreas centrais. Esses moradores foram sendo empurrados para morar em lugares cada vez mais distantes do trabalho e do estudo, que geralmente está localizado no miolo central da cidade.

Se, em 2005, esses trabalhadores, estudantes e moradores levavam 30 minutos para chegar ao centro dessa cidade de médio porte, hoje levam em torno de uma hora. Se moram nos distritos, muitos chegam a gastar uma hora e meia ou mais para vir e outra tanta para voltar. Sofrem também os moradores dos bairros mais próximos a essa região central caótica que deixam no trânsito o tempo que seria dedicado ao convívio da família, ao estudo, ao lazer, etc.

A melhoria do recapeamento nessas vias centrais e estratégicas, pode ser necessária, mas não enfrenta o problema crucial que depende de várias ações que ao longo do tempo - e ainda hoje -, vai sendo empurrada, a despeito do novo crescimento das receitas dos royalties do petróleo nesse município petrorrentista.

A Pandemia, escondeu durante dois ou três anos esses problemas. Porém, o desejado fim da Pandemia trouxe à tona - de forma ampliada e com mais vigor - o nosso grave problema da acessibilidade, do transporte público e do quase insuficiente planejamento urbano num município situado em região de planície e com uma longa história de vida na urbe.

Não sou e nem nunca fui técnico e especialista na área, mas ouvia sugestões de quem estudava o assunto e gostava de acompanhar soluções de políticas e planejamento urbano em outros municípios. Com o tempo, passei a me dedicar a estudos sobre outros temas, menos locais e/ou regionais, mas mesmo em que apenas nesse texto e no contexto de uma sociedade muito fragmentada (mais que polarizada), como cidadão resolvi provocar o assunto.  

Penso que a sociedade em sua totalidade precisa pressionar com maior veemência o poder público, para produzir ações estruturais e também aquelas mais urgentes. Essas devem atender prioritariamente à população que mais precisa dos governos, ou seja, às populações de baixa renda.

Não sei se o Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo ainda funciona. Há outras institucionalidades, organizações e movimentos sociais que poderiam atuar e se aprofundar nesse tema, saindo apenas da atuação em suas áreas de interesse, na medida que esse é um tema que, mesmo que de forma assimétrica, atinge a todos os setores e moradores do município.

Trata-se de um problema que afeta a economia, o ambiente e a sempre falada e relegada “qualidade de vida”, sendo, portanto, um problema de todos. O que faz também me recordar das duas conferências da cidade, realizadas com grande energia, debates e ainda um quê de utopia, no município de Campos dos Goytacazes em 2003 e 2005, sob o slogan “Uma cidade para todos” estipulado pelo Ministério das Cidades que tinha à frente Olívio Dutra e a professora Ermínia Maricato. Há que se enfrentar esse o desafio. Com a bola, os movimentos da sociedade, as universidades e as autoridades do município.

Um comentário:

Manoel Ribeiro disse...

Como sempre uma excelente e bem fundamentada reflexão.

Não poderia deixar de comentar sobre o que vemos no dia-a-dia:
- Pedestres caminhando ou correndo na coclovia (tenho um irmão que inclusive se acidentou e ficou encostado pelo INSS por esse motivo);
- Ciclistas no meio das carros mesmo onde há ciclivia/ciclofaixa;
- Motociclistas trafegando pela calçada;
- Motoristas que avançan sinal ou param o carro em qualquer lugar (vide em frente ao colégio ao lado do Sesc na Gil de Goes).

Pra piorar, ainda temos um prefeito covarde, que não teve coragem fazer a ciclofaixa na Ten Cel Cardoso, pra não desagradar os que deixam seus carros estacionados o dia inteiro naquela rua, expondo os ciclistas ao risco perto do mercado.