quinta-feira, dezembro 26, 2013

Tragédia nunca é natural e prevenção deve ser sinônimo de planejamento

Em janeiro de 2011, eu escrevi o texto abaixo que gerou boa repercussão. Na ocasião me referia, no calor dos acontecimentos, à tragédia da Região Serrana fluminense.

Quase depois anos depois vivemos no estado do Espírito Santo uma situação similar, felizmente com menos vítimas fatais. Porém, a causa é a mesma fortes chuvas provocando inundações e destruição. Muito dinheiro será necessário para reduzir o sofrimento das pessoas e reconstruir as cidades. Seria interessante para isto que alguns cuidados fossem seguidos.

Enfim, o blog entende que vale relembrar o artigo:

Tragédia nunca é natural e prevenção deve ser sinônimo de planejamento

Particularmente, repudio a expressão "tragédia natural". É indiscutível o fato de que o volume de chuvas, em pouco tempo, concentrada em uma área, que além de tudo é de serra e encostas, transformam o caso da Região Serrana na tragédia, sem precedentes no país, que alguns especialistas já calculam, numa análise estatística, o fenômeno teria recorrência estimada em 350 anos. Ainda assim, não há que se falar em tragédia natural.

Nos estudos de segurança do trabalho, a gente diz que a prevenção é basicamente aplicada na prática, ao planejamento. Pensar, planejar e organizar, estruturalmente, o quê fazer, antes da ocorrência do sinistro, qualquer que seja o seu tipo: um acidente do trabalho, incêndio, enchente, deslizamentos, etc.

De uma forma geral, o ser humano tem dificuldades em enxergar de forma abstrata, o que se passará numa situação futura, projetar os possíveis desdobramentos de uma ocorrência que você não viu e que muitas vezes não tem nenhuma referência. Sendo assim, o momento presente, mesmo que de forma cruel, tem uma importância significativa no aprendizado coletivo do que se deve ou não fazer em ocorrências similares.

Não apenas os profissionais da Defesa Civil devem absorver, analisar e prescrever os procedimentos necessários à prevenção e, especialmente, sistema de alerta para salvar as vidas e depois, complementarmente, resgatar bens e patrimônios.

Bom que os debates e as entrevistas com os especialistas fossem amplificados neste momento, não para abusivamente explorar as tragédias pessoais em troca da "audiência" exploradora das desgraças alheias, mas, para entender a ocorrência e a necessidade de prevenção e planejamento.

É também indiscutível que o uso e a ocupação irregular do solo é o problema recorrente nos municípios brasileiros e a causa básica das graves consequências. Porém, não adianta pensar unicamente em punir os prefeitos por este fato. Qual o município brasileiro que poderia se dizer imune a estes problemas? Além do mais, só no município isto poderia acontecer, porque é nele que as pessoas reais moram.

Os estados e a União são entes abstratos que reúnem o coletivo dos municípios, numa porção maior no estado e noutra maior ainda, na unidade da federação que é a União. Os municípios brasileiros e suas áreas urbanas foram crescendo de forma para lá de acelerada e consequentemente, desordenada nos últimos 50 anos.

A ideia do direito universal à educação, saúde e habitação, data da nova Constituição em 1988. O Estatuto da Cidade, seus conselhos com participação popular, estudos de impactos, etc. são figuras jurídicas recentes. Porém a juventude destes conceitos não deve servir de permissão para que as cidades continuem a crescer do jeito que acontece atualmente. Pelo menos, para isto, a lamentável ocorrência da região Serrana tem que servir. Os puxadinhos de casas, bairros e das cidades têm que ser planejados. Não adianta apenas buscar culpados nos moradores ou nos gestores, ambos têm responsabilidade, mas a solução dos problemas é mais ampla.

O planejamento da cidade deveria ser sempre participativa porque mais do que dividir as decisões, o planejamento conjunto permite o aprendizado informal das técnicas de prevenção, de construção e, ainda, de forma complementar, o controle social dos custos das intervenções públicas.

É tempo de estimular, cobrar que as prefeituras tenham corpo técnico de engenheiros, geólogos, biólogos, sociólogos que ajudem nestes programas de planejamento. Não me refiro à visão de alguns de colocá-los como fiscais e sim, como auxiliares da expansão da cidade, seja nos projetos governamentais, sejam no apoio ao projeto e planejamento dos chamados puxadinhos da habitação dos moradores, no debate sobre a praça que desejam, etc.

Os municípios que pelo porte, não puderem fazer estas contratações, deveriam sem consorciar com seus vizinhos para construir uma câmara técnica com este viés. O desenho, o apoio, inclusive o financeiro, além do técnico para esta finalidade poder sair dos governos estaduais que aí sim, cumpririam a sua atribuição para integrar os municípios com soluções que sejam intermunicipais.

Mesmo com a trágica e lamentável ocorrência da Região Serrana, há muito a ser aprendido para que as nossas cidades sejam melhores e mais agradáveis do que são hoje. O momento é oportuno até pela pujança da economia do país e do crescimento sem igual do nível do emprego nas diferentes regiões do país. Não apenas as cidades da Região Serrana do Rio de Janeiro terão que ser reconstruídas. A grande maioria das cinco mil cidades brasileiras terá que ser replanejada e não há momento mais oportuno para este recomeço que o atual, que inclusive coincide com o início de uma nova gestão na União e nos estados brasileiros.

Planejamento é a palavra de ordem. Ela, porém, não deve ser entendida de forma tecnocrática e hierárquica, mas, sim participativa e integrada aliada à população. Além de transferir as pessoas e construções das áreas de risco, o trabalho a ser feito é o de se evitar que novas moradias se instalem nestas áreas. Diante do desafio apoiemos a reconstrução da Região Serrana do Rio de Janeiro, mas recomecemos todos, a fazer o que tem que ser feito em cada um dos nossos municípios brasileiros.

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