terça-feira, dezembro 26, 2017

O problema não é a China e sim a forma subordinada com que o Brasil, pós-golpe, se colocou diante do mundo

O jornal Valor traz hoje, em matéria de capa, informações sobre os investimentos chineses no Brasil. A reportagem central é do jornalista Daniel Rittner com o título: “China flerta com projetos novos no Brasil” e pode ser lido na íntegra aqui.

Tenho comentado aqui no blog, com alguma frequência, sobre este processo. Veja aqui, aqui e aqui em algumas das muitas notas e textos deste blog sobre o tema. E aquiaquiaqui e aqui em matérias de outras mídias.


Chineses têm especial interesse em alimentos, energia e infraestrutura. Por quê?
Os investimentos têm dois grandes interesses ligados à segurança alimentar e energia (ambos ligados à importação indireta de recursos hídricos) que também é outro limitante para o crescimento chinês.

Ambos os interesses estão vinculados às infraestruturas logísticas como a dos portos, ferrovias e rodovias que possam garantir a fluidez material para levar produtos da produção para o seu consumo e vice-versa. Além disso, o controle da produção ao consumo de forma integrada permite aos chineses ter ganhos de escala ampliados.

Os chineses optam sempre por investir, ganhar em toda a cadeia da produção à importação para o seu consumo, o que aumenta a sua garantia de fornecimento futuro. Porque uma coisa é trocar o importador a outra é perder toda uma cadeia.

Em 2014, eu fiz uma análise de investimentos chineses durante minha pesquisa sobre portos em algumas regiões da Europa. A realidade observada e pesquisa em documentos, especialmente os ligados aos sistemas portuários me permitiram compreender parte desta estratégia chinesa.

Os chineses ganham com o transporte com os grandes navios contêineros, possuem a concessão dos terminais portuários, montaram grandes áreas retroportuárias com os galpões chamados de ZAL (Zona de Apoio Logístico).


A inteligência estratégica embutida na infraestrutura logística
Nas ZALs são recebidos os contêineres e se torna o local onde costumam concluir a montagem de vários produtos, que a seguir entregam em pontos de consumos. No caso espanhol um destes pontos são da grande lojas de departamentos, El Corte Ingles.

Além disso, os chineses montaram estruturas logísticas e de comércio que está reproduzido em centenas pontos de consumo, instalados nos quarteirões centrais das grandes cidades espanholas, etc.

Assim, os chineses colocam em prática a ideia de atuar na exportação, desde a produção, passando pela circulação, indo até à distribuição e venda direta para o consumo. Tudo de forma legal e cumprindo as legislações locais, mas tendo à frente cidadãos chineses com uma estrutura e uma lógica ainda pouco estudadas. São poucos que conseguem enxergar a lógica envolvida nestes movimentos.

A partir disto e observando os investimentos que os chineses estão fazendo no Brasil é possível identificar similaridades de ações e movimentos. Só que mais no sentido inverso, já que por aqui os chineses possuem mais interesses nas importação de alimentos e em projetos ligados à energia.

A China pensa num forma de garantir e ter segurança sobre atendimento de suas demandas, mas estão cada vez mais aprendendo e atentos às regiões do nosso grande mercado consumidor. Assim, os chineses sabem que os investimentos em infraestruturas (rodovias, ferrovias e portos) também poderão atender à distribuição dos produtos que eles possam exportar.  

A China preferia um Brasil mais forte regionalmente
Vale lembrar que hoje, o Brasil tem de certa forma, uma economia complementar com a China. Desta forma, em termos políticos, a China ignora a mudança dos governos por aqui. Aliás, eu entendo que a China até preferiria um Brasil com governo mais forte e menos alinhado aos EUA e exercendo liderança regional.

Nesta linha, a China sabe que o governo golpista Temerário chegou ao poder com apoio americano e até agora não recebeu nada dos EUA, embora tenha entregado a contrapartida exigida, que foi acesso quase irrestrito ao setor petróleo, já entregue em boa parte e outra em processo.

Além disso, eu tenho falado que no atual federalismo brasileiro, os governos estaduais são os quem articulam, estes movimentos de buscas de investimentos. Os exemplos mais recentes do Ceará, Maranhão entre outros comprovam isto. A reportagem do valor cita inúmeros outros exemplos.

O governo federal só é procurado depois que as articulações estão avançadas para investimentos em projetos de infraestruturas e industriais nos estados. A União é buscada para facilitar os licenciamentos, ajudar com renúncias e isenções fiscais (exemplo as ZPEs) e com algum financiamento. Os exemplos são claros.

Assim, por falta de opções e tendo a mobilização de governos estaduais, o governo golpista não teve como evitar as relações com a China, mesmo que de forma subordinada e dependente.

No âmbito da geopolítica vale ainda observar as relações crescentes da China com a Rússia sobre a garantia de fornecimento de energia com moedas locais. A relação crescente da China com vários países do Oriente Médio. E também da Rússia com a Opep para garantir o acorde de preços mostra uma capacidade de articulação cada vez mais vinculada à geopolítica.


Soberania é um ato de cada Estado-nação que também pode assumir a dependência e a subordinação
Assim, eu entendo que compete ao país que se relaciona com os chineses traçarem estratégias de forma a auferir ganhos e correr menos riscos como a da desindustrialização.

É um jogo complexo porque envolve interesses cruzados intercapitalistas. Uns ganham numa direção, outros em outra. Aí entram os riscos de nossa elite econômica rentista. Eles querem só um percentual dos negócios chineses pouco, ou nada se importando com a nação.

Os chineses com um Estado centralizado fazem investimentos estratégicos. Os investimentos no exterior, mesmo que da parte privatizada do seu capitalismo de Estado, só acontece com planejamentos bem definidos em estratégias de concorrência de mercado e simultaneamente com interesses da geopolítica.

Os chineses ao longo da última década recolheram enormes excedentes econômicos frutos da superprodução e da inclusão social-material de boa parte dos chineses que antes viviam no interior.

Desta forma, os chineses foram se articulando com a expansão do comércio global. Parte para atender seu enorme apetite por matérias primas e outra, em contrapartida, para suprir demandas de outros países, por produtos e por investimentos sob a capital fixo, especialmente no setor de infraestrutura e logística. Setor que pouco tem atraído os americanos que têm mostrado interesses apenas em comprar barato, através de fundos financeiros, o que aqui já estava pronto e construído.


O papel dos "think-thanks" chineses na formulação de suas estratégias
Assim, os chineses foram vinculando seus interesses e suas demandas por áreas. Desta forma, depende do Estado-nação, foram exigindo contrapartidas e traçando suas estratégias.

Os chineses há algum tempo com o avanço da economia global passaram a ampliar o valor dados aos grupos de “think-thanks” para pensar suas estratégias. Assim, observando os movimentos globais das nações onde possuem interesses, foram aprendendo a fazer garantias para os seus investimentos, além de garantir maiores rentabilidades. Na Petrobras, por exemplo, os chineses possuem uma sala - só deles - para acompanhar os investimentos no campo de Libra no Pré-sal.

Um país como o Brasil que busca investidores teria que pensar as garantia de contrapartidas. O Brasil tem muito a aprender nesta área e precisava organizar estruturas de “think-thanks” ligados ao Estado e não aos departamentos econômicos de bancos e fundos financeiros que hoje usam as estruturas da máquina estatal para os seus objetivos rentistas, sem nenhuma relação com os interesses da Nação.

Enfim, apresentamos aqui apenas algumas considerações sobre o movimento da China no mundo. É preciso fugir do dilema que alguns tentam impor a este movimento como sendo, ora de parceiro, ora de vilão dentro do sistema-mundo vigente.

Entender o fenômeno parece mais urgente do que qualificá-lo e o carimbarmos, diante de um mundo complexo e em constante movimento em diferentes dimensões na geopolítica. 

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