Eu faço essa pergunta há alguns meses aos amigos mais próximos? A maioria responde que sim e cita exemplos, informando ainda que isso independe das redes que utilizam. Internet fixa ou móvel. Com ou sem uso de wi-fi. Em diferentes pontos do Brasil e/ou no exterior.
Uma das explicações para isso é que os fluxos de internet
aumentaram muito e isso se dá não apenas pelo aumento do nº de usuários, agora
mais residual, mas pela ampliação de uso da internet (tempo de tela) ao longo
do dia, quando são utilizados para mais finalidades e em diferentes países.
Grosso modo, a sensação é que o crescimento mais expressivo desses fluxos de dados se dão com a intensificação do uso da IA, seus chatbots ou LLM (modelo de linguagem, tipo Chat GPT, Gemini, DeepSeek, etc). O treinamento de máquina (deep learning, treinamento profundo) também para uso da IA ocupa enorme banda com captura de dados mais conteúdos para acesso aos dados armazenados e processados.
Já há alguns estudos que identificam e trazem evidências de que o uso da IA traz prejuízos para a navegação e para a internet como um todo. Entre outros exemplos empíricos, eu identifiquei um pessoal dessa enorme captura de dados através dos acessos diários e vindos do exterior a esse blog.
Os usos das diferentes IAs, mais gerais e/ou específicas, com perguntas (prompts) e diálogos geram enorme fluxo entre os usuários e os datacenters usados pela plataformas de IA. Ao contrário do que normalmente se pensa, os datacenters não são iguais e não diferem apenas pelo porte ou tamanho.
Existem os datacenters que servem basicamente para
armazenagem de dados (clouds, as famosas nuvens) e outros que
servem para treinamento de máquinas que atendem às IAs (aprendizagem profunda ou deep learning, etc.) e seus chatbots. Eles trabalham com processadores e máquinas com altas capacidades de
computacionais, porém, ambos, trabalham movimentando altos fluxos de dados que dialogam com programadores de algoritmos e com usuários de serviços digitais de diversos tipos, incluindo os chatbots de IA.
Atualmente, o ChatGPT da OpenAI tem cerca de 800 milhões de usuários no mundo (cerca de 50 milhões no Brasil, 3º maior usuário do mundo), enquanto o Gemini da Google (Alphabet) já alcançou cerca de 650 milhões. Centenas de milhões de usuários desses chatbots processam mais de 1 bilhão de consultas todos os dias. Assim, eles seguem crescendo, junto com outras IAs, tanto em número de usuários, quanto no tempo utilização, movimentando fluxos crescentes destes valiosos dados.
Os dados seguem sendo capturados em diferentes atividades humanas, da natureza, das coisas, máquinas, etc. A dataficação é um processo que se situa numa camada acima da digitalização, onde os dados além de serem extraídos, são tratados, armazenados, treinados e circulam entre os usuários da tecnologia digital e os locais onde são armazenados e buscados para serem utilizados.
É nesse contexto que os dados se transformaram em
commodities, em ativo e em capital. Dados como capital digital e como tal sua acumulação precisa sempre ser ampliada (assim como o capital), em seguidos ciclos de reprodução que leva a mais inovações
e novos mercados. Daí a IA avança para IA Generativa (Gen AI), Super AI, etc. e esse processo ajuda a explicar o gigantismo de muitas corporações de tecnologia e também a intensificação dos fluxos de dados entre os datacenters e os usuários.
Cada vez mais infraestruturas digitais são exigidas. Mais datacenters, mais cabos submarinos, mais torres para internet móvel, redes para integrar as telecomunicações e assim manter a conectividade que é questão chave nesse processo. Porém, a velocidade de instalação dessas infraestruturas se dá em tempo bem menor do que a ampliação de uso delas cada vez com maiores fluxos.
Esse link (aqui da HE 3D Network Map) mostra um mapa em 3D com o fluxo de dados entre os datacenters circulando através dos cabos submarinos em todo o planeta. Não se trata de um mapa planificado e sim o próprio globo que pode ser girado para se ver os movimentos deles entre os países e os continentes, com destaques para as redes que são espinhas dorsais (back-bone) com maiores e mais densos fluxos. Clicando nos pontos é possível identificar os datacenters, sua localização, nome, propriedade e imagem do prédio físico, assim como as informações sobre os cabos submarinos ao redor do mundo.
São imagens que ajudam a superar a visão abstrata (chamada de virtual) sobre esses fluxos que estão instaladas no território, no mundo real e não nas nuvens (clouds). As imagens dão uma boa dimensão sobre esse frenético fluxo de dados em termos dos gargalos das infraestruturas digitais, intensificado com um maior uso da IA em todo o mundo.
As IAs, mobilizam mais algoritmo e dados que uma simples busca. Para ilustrar apostagem postarei abaixo um breve vídeo dessa página do Mapa 3D para passar ao leitor uma ideia daquilo que o link oferece em termos de informações e de compreensão do fenômeno a que se está referindo.
Em síntese, nossa internet está ficando bem mais lenta. Não adianta ou adianta pouco pagar mais às operadoras por maiores velocidades de internet. O problema é mais geral. Aplicativos de bancos são um exemplo dessa lentidão e praticamente independe dos bancos. Os acessos a alguns sites jornalísticos também. Uns mais outros menos, porém na média, todos estão um pouco mais lento e parece que tendem a piorar, considerando que a implantação de novas infraestruturas se dão em velocidades menores do que a ampliação do uso. Até mesmo as redes (mídias sociais) aparecem mais lentas no carregamento de imagens e vídeos.
“Merdificação” da internet?
Essa realidade me fez lembrar o autor canadense Cory
Doctorow, em seu recente livro: “Enshittification: Whyevething Suddenly Got Worse
and What to Do About It” (Merdificação: por que tudo piorou de repente e o que
fazer a respeito). Doctorw fala que tudo na internet em especial, as redes
sociais, está ficando pior, em alguns casos bem pior. Os serviços por
plataformas digitais, os mecanismos de buscas, etc.
O autor argumenta que as grandes corporações de tecnologia se tornaram cada vez mais poderosas, assim se aproveitam do crescente número de usuários que dependem de suas plataformas (plataformização de quase tudo) e passam a aumentar suas taxas de lucros e assim arrocham clientes e parceiros na busca por mais lucros, num universo oligopolizado e quase sem competição. O resultado é a merdificação, sic. O livro do Doctorw vale ser lido e seus argumentos analisados.
O fato é que cada e-mail aberto ou enviado, um clique de
joinha, um breve comentário, foto ou vídeo postado, em sites, blogs, ou qualquer perfil das
redes sociais, um download, etc. tudo isso gera fluxo no ritmo 24/7 (horas e
dias por semana) e entopem as atuais infraestruturas digitais. Uma busca ou uma pergunta num chatbot de IA aflora o fluxo de dados.
Os investidores, capital de riscos e fundos junto com as Big
Techs cada vez se mostram dispostas a colocar mais dinheiro, mesmo diante da
ameaça do estouro da bolha de IA na construção de novos datacenters. Porém, apenas se transfere o gargalo que sai
da infraestrutura digital e tem passado para a infraestrutura de energia elétrica que
é necessária para alimentar esses Big Datas. As usinas geradoras de energia e
linhas de transmissão não têm como ser construídas de uma hora para outra,
mesmo que instaladas em quaisquer lugares do mundo onde possam, eventualmente, existirem “sobras energéticas”.
Tudo isso sem falar que onde há energia, mesmo que renovável,
pode não haver água em volume suficiente para refrigerar esses gigantes parques
de máquinas de computação (para programação algorítmica) e armazenagem de memória
de dados, sem que as comunidades nativas sejam impactadas. Assim, parece que a
merdificação vai se espalhando pelo território de forma integrada para além da internet,
através dos sistemas interligados, que muitos se acostumaram (e mal) a chamar
de ecossistema.
A digitalização, a dataficação e o avanço da tecnologia não são
um problema per si. A tecnologia digital tem trazido inúmeras vantagens que a
sociedade e as nações não querem perder, mesmo considerando que pouquíssimos
países desenvolvem as tecnologias, controlam e disputam a liderança da IA nas
fronteiras de seu desenvolvimento. Enquanto isso, outras nações têm se situado como
contumazes consumidoras digitais, colonizadas e sem soberania.
Nessa ótica, imagino que vale observar que as duas nações líderes
desse processo não se portam de maneira exatamente igual dentro do atual contexto.
[Porém, isso exige análise mais ampla]. Assim, penso que nos interstícios
desses sistemas, existem oportunidades e desafios para o Brasil e demais nações
do Sul Global.
A questão é o nível de uso, as desigualdades de acesso e, principalmente,
o controle desse sistema digital integrado, pelos maiores oligopólios da história
da humanidade, que seguem exigindo liberdade para fazer o que querem, sem nenhuma
regulação e/ou controle.
O avanço e o ciclo de desenvolvimento dessa nova onda
tecnológica não são o problema per si. O nó górdio é o velho sistema desigual e
combinado que merdificam as coisas, a natureza e as nossas relações sociais e
políticas. O que se necessita para superar essa merdificação é bem mais que
regulação, mas a luta por essa é o mapa do caminho digital, para usar outra
expressão da moda e fechar esse artigo-análise.

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