segunda-feira, fevereiro 03, 2020

As taxas de juros mais baixos têm causas e efeitos, mas devem ser melhor observadas pelas questões estruturais do capitalismo contemporâneo

Há várias causas e efeitos sobre a redução da taxa de juros no mundo e agora, até no Brasil. Quem diria? Uma interessante exposição sobre esse processo foi descrita numa boa matéria do Valor, caderno Eu & Fim de Semana, 31 de janeiro de 2020, P.4-8. "Pistas para decifraro enigma dos juros baixos - Mudança demográfica, aumento da desigualdade eredução na produtividade dão pistas para decifrar fenômeno que traz váriasconsequências"
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Faço abaixo um breve complemento e uma crítica sobre a reportagem. Insisto para que se aprofunde uma pouco menos sobre as questões factuais e que se aprofunde mais detalhadamente sobre as mudanças estruturais no capitalismo contemporâneo. Chamo a atenção para um desses fatores, a "Máquina das Dívidas".

A "Máquina das Dívidas" é uma espécie de causa e consequência deste processo que levaram à redução dos juros. Mais excedentes disponíveis para poupança e crédito, por conta do medo do futuro próximo, produz juros mais baixos e juros mais baixos estimulam a demanda por crédito que movimenta várias outras frações do capital, além da financeira, como em especial o setor imobiliário.

Neste processo, há ainda uma mudança na forma de intermediação do capital. Em boa parte, ele deixa de ser bancário e via passando para o instrumento dos fundos financeiros, onde o dono do capital controla a produção material e concentra ainda mais tanto a renda (que é sugada em todos os setores e espaços) quanto a riqueza fruto do trabalho.

Junto disso, a reestruturação produtiva com aumento da produtividade na produção material leva boa parte dos investimentos em capital fixo para a inovação tecnológica (startups) em boa medida mais vinculada aos serviços e mais diretamente imbricado à fração do capital financeiro, o que lhe concede maior mobilidade e potência.

Aqui tem sucesso o esquema que temos visto do "capitalismo de plataformas" que aumenta a relação entre a demanda por serviços e as plataformas digitais bancadas pelo capital financeiro, através das engenhosas startups.

Portanto, de novo a "máquina das dívidas" estará presente, com o financiamento (aluguel) dos carros para os trabalhadores (empreendedores, sic) de transportes de pessoas e comidas, intermediação bancária (fintechs e bancos digitais).

A dívida puxa a produção a baixo custo que é madrasta do trabalho precarizado e da redução dos direitos previdenciários e trabalhistas a que temos assistido. A leitura integrada desse fenômeno passa ainda pela compreensão do papel dos fundos financeiros no capitalismo contemporâneo a que tenho me dedicado a entender e trazer para o debate.

Antes de fechar, uma crítica a uma interpretação que consta do final da reportagem do jornalista Carlos Rydelewski.

É incorreto falar como diz a matéria ao final da pouca relação entre os juros baixos no exterior e no Brasil, atribuindo apenas os fatores vinculados ao controle do déficit fiscal, controle do teto de gastos e reforma da da previdência. 

A relação do capitalismo nacional e com o global é cada vez maior, sendo parte da relação de dependência e também da forma de extração das rendas e das riquezas nacionais. De novo insisto que os fundos são os instrumentos financeiros que exercem hoje esse papel com enorme velocidade e intensidade. 

Assim, é absurdo se falar como a reportagem diz ao final em "morte da cultura rentista no Brasil". A vampirização da renda do trabalho e outras rendas derivadas é hoje cada vez maior, mesmo com os juros mais baixos, porque na prática, houve uma alteração na forma de capturar as rendas do trabalho e outras. Elas são menores nos juros, mas bem maiores no que se recolhe nos dividendos das aplicações financeiras, dos aluguéis, das propriedades das marcas, das auditorias e comissões e consultorias jurídicas, etc. 

Aliás, trato disto de forma detalhada no livro sobre A "indústria" dos fundos financeiros (item 1.5 "A pirâmide do capital e as etapas intermediárias do rentismo como hipótese do novo padrão de acumulação no atual estágio do capitalismo financeiro, P.49-61).

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