segunda-feira, abril 12, 2021

Brasil chegou a 32 milhões de trabalhadores em plataformas digitais e aplicativos

Pesquisa do Instituto Locomotiva (ex Data Popular), divulgada nesta segunda-feira (12 abr. 2021), identificou que o Brasil saiu de um patamar 13% da população adulta trabalhando em aplicativos, em fevereiro de 2020, para um total de 32,4 milhões trabalhadores atuando em aplicativos digitais. Um percentual , subindo para 20% da força de trabalho, agora em março de 2021. 

Esses números se referem aos trabalhadores que atuam no processo que denomino como a APPficação. O termo (ou conceito) é porque vai além do trabalho no aplicativo da Uber, exatamente, aquele que deu início e popularizou o uso dessas ferramentas. A criação de aplicativos hoje é uma febre e um recurso fácil de usar. 

Essas versáteis ferramentas marcam a ampliação do domínio da tecnologia sobre todos os demais setores. O aplicativo é um software adaptado ao celular, que é a internet móvel ou embarcada. A pesquisa tabulou os que trabalham integralmente para os aplicativos, quanto ao que assim se movimentam para aumentar a renda familiar. 

Esses números não se referem apenas aos prestadores de serviços, como de transporte e entregas (delivery), mas também os milhões de trabalhadores que captam clientes no mundo da internet e, ainda  àqueles técnicos, mais qualificados e melhores remunerados, que atam na criação, desenvolvimento e manutenção destas ferramentas digitais. Em apenas um ano (2020, da Pandemia), o número adicional de brasileiros que passaram a trabalhar com a APPficação subiu em 11,4 milhões de trabalhadores.

Todos os números da pesquisas são espantosos e demonstram mostra como está se deslocando o Modo de Produção Capitalista (MPC), em que o processo de Appficação através das plataformas digitais servem aos vários setores da economia e da vida em sociedade. E assim, foram se transformando nos maiores empregadores (informais), como apontam estes números no Brasil.

A pesquisa qualitativa do Instituto Locomotiva, coordenado por Renato Meirelles, ex Data Popular, parte de uma amostragem da Pnad (Pesquisa Nacional Amostragem Domiciliar) do IBGE e ouviu 1,5 mil trabalhadores. As entrevistas foram feitas entre os dias 12 e 19 de março. Portanto, como amostragem, esses dados precisarão depois serem confirmados em pesquisa direta, mas já são dados super interessantes, porque vão além do mercado formal dos trabalhadores com careira assinada. 

O trabalho digital é um tema derivado do assunto mais geral do capitalismo de plataformas ou economia de plataforma. As plataformas devem ser vistas como meios (intermediação) de produção (comércio eletrônico, o e-commerce) e também como meios de comunicação, como no caso das redes sociais.

Infográfico do autor [1].
A tecnologia ganhou mais importância como instrumento digital que realiza esta intermediação entre a produção e o consumo. Na prática, uma infraestrutura que atua remetendo a uma "quase revolução da etapa de circulação da mercadoria", dentro da leitura da tríade marxiana: "produção, circulação e consumo". [2]

As plataformas digitais são estas infraestruturas de intermediação entre grupos de produtores e consumidores de produtos serviços e também comunicação que estão produzindo transformações no Modo de Produção Capitalista com a chegada da etapa do "Plataformismo". [3]

O que nos ensina o dicionário sobre o termo "plataforma"? Trata-se de uma “superfície plana e horizontal, mais alta que que a área circundante” ou um “programa político, ideológico ou administrativo de candidato a cargo eletivo”. 

Desta forma, pode-se inferir que as plataformas digitais aparecem no mundo como um instrumento que se coloca acima do que lhe circunda oferendo uma direção. E isso pode explicar a sua potência quando consideramos as plataformas como meios (intermediação) de produção e como meio de comunicação. Exatamente "dois fatores" que podemos considerar como fundantes do “plataformismo”. 

As plataformas digitais transformam as relações de trabalho (produção) e a forma como interagimos (comunicação) e vivemos em sociedade. Na prática, produção são “meios distintos”, mas se interligam, se fundem e atuam de forma imbricada, o que aumenta muito o poder das empresas que manejam a tecnologia de integração entre elas.

O capitalismo de plataformas é movido por dois fatores fundamentais: a) enorme extração de valor do trabalho e de suas rendas no território, no lugar onde as pessoas vivem, na base da pirâmide social; b) a escala nacional global em que essas infraestruturas podem atuar descontruindo economias regionais de onde recolhem seus excedentes, eliminando parte do comércio e outros empregos e alterando as economias locais, no processo chamado de "glocal".

O resultado disso tem sido a transformação das empresas em plataformas, umas imbricadas às outras que possuem um relação entre o domínio  do “intangível digital" e a "materialidade da produção e da infraestrutura de logística” que atendem aos consumidores, de forma especial e crescente, após a pandemia.

O resultado disso tem sido uma precarização do trabalho e uma superexploração do trabalho como comentamos aqui em nosso último artigo "Amazon, símbolo da superexploração do Plataformismo" em que citamos a Big Tech em sua luta conta a organização destes trabalhadores. Estamos falando de uma nova fase do Modo de Produção Capitalista (MPC), o plataformismo que está expressa nos números acima. 

O Plataformismo é uma fase posterior ao Fordismo e ao Toyotismo, embora mantenha, nas suas entranhas, um ciclo mais agudo e intenso de acumulação. Essa nova fase do MPC, de certa forma significa um "neo-Taylorismo", na medida em que exerce uma controle e uma supervisão total sobre o tecno-trabalhador - comandado pelos algoritmos das plataformas digitais -, além de também adicionar a ideia da acumulação flexível do Toyotismo. 

Essas transformações nos trouxeram a esta nova etapa do Modo de Produção Capitalista (MPC) e também à ampliação da financeirização que se tornou hegemônica no capitalismo atual.

Há alguns autores que se referem a esta passagem no modo de produção no capitalismo contemporâneo, com o resgate de uma passagem do processo histórico, como uma nova rodada do feudalismo, agora sob o domínio da tecnologia que seria, o tecnofeudalismo. 

Teríamos como no passado, a retomada e a ampliação da servidão, numa etapa da atual precarização das relações de trabalho, quando o trabalhador (servo) chega ao ponto de agradecer e até reverenciar o patrão (senhor), pelo seu direito de ser superexplorado para sobreviver. O Hipercapitalismo que segue sendo questionado.


Referências:
[1] Matéria no Estadão/InfoMoney em 12 de abril de 2021: Brasileiro depende mais de aplicativos para ter renda: O Brasil tem hoje aproximadamente 20% de sua população adulta que utilizam algum tipo de app para trabalhar. Disponívl em: https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/brasileiro-depende-mais-de-aplicativos-para-ter-renda/

[2] PESSANHA, Roberto Moraes. Commoditificação de dados, concentração econômica e controle político como elementos da autofagia do capitalismo de plataforma. Revista ComCiência do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp e SBPC. Disponível em: https://www.comciencia.br/commoditificacao-de-dados-concentracao-economica-e-controle-politico-como-elementos-da-autofagia-do-capitalismo-de-plataforma/

[3] PESSANHA, Roberto Moraes. Disputa no e-commerce de varejo no Brasil: entre o intangível do digital e a materialidade da infraestrutura de logística", deste autor, publicado em 2 de novembro de 2020, na revista ComCiência do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp e SBPC. Disponível em: https://www.comciencia.br/disputa-no-e-commerce-de-varejo-no-brasil-entre-o-intangivel-do-digital-e-a-materialidade-da-infraestrutura-de-logistica/

PS.: Atualizado às 13:24 de 13/04/2021 para acrescentar esse parágrafo:
O capitalismo de plataformas é movido por dois fatores fundamentais: a) enorme extração de valor do trabalho e de suas rendas no território, no lugar onde as pessoas vivem, na base da pirâmide social; b) a escala nacional global em que essas infraestruturas podem atuar descontruindo economias regionais de onde recolhem seus excedentes, eliminando parte do comércio e outros empregos e alterando as economias locais, no processo chamado de "glocal".

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