domingo, março 19, 2023

Esquerda francesa tem chances de polarizar com Macron que radicalizou rigor fiscal

O embate político francês merece um olhar atento. A radicalização de Macron embutida na decisão de mexer nas regras da Previdência Social passando por cima das representações políticas eleitas tende a uma polarização.

Polarização diferente das que temos assistido, ultimamente, em diversas outras partes do mundo, puxada por uma extrema-direita que tende a um ultraliberalismo, mas antes de tudo levada por ressentimentos e por uma orientação antissistêmica, pautada mais por valores conservadores que por questões econômicas que ficam em plano inferior isolando a esquerda.  

Assim, parece que a chave [para um usar uma expressão em voga] da atual questão da França é que a decisão do Macron trouxe de volta, como essência e para o centro do debate, a pauta econômica e dos direitos sociais, abrindo um espaço enorme espaço para a esquerda.

A extrema-direita mundial, puxada pela alt-right americana, nesses últimos anos veio ganhando adeptos de forma crescente, basicamente, pela pauta dos valores que se vincula mais a um sentimento antiestrutural e antipolítica que atribui, de forma genérica, tudo de muito ruim ao sistema político, que por isso precisa ser alterado, gerando uma polarização assimétrica com a esquerda que passou a perder espaços.

A luta pelos direitos previdenciários e contra o arrocho dos direitos sociais é uma pauta concreta, fácil de explicar, e dá potência às forças progressistas, em especial no caso francês, quando nas últimas eleições, a direita alcançou "cerca de 57% dos votos dos assalariados e 67% dos votos dos trabalhadores braçais".

Nesse, sentido, numa primeira e ainda superficial leitura, a atual disputa na França, que deve chegar ao clímax nessa semana, tende a colocar novamente, frente a frente – e de forma polarizada - o discurso único do mercado e do neoliberalismo conservador e do outro lado a esquerda, deixando num plano secundário, a extrema-direita.

Sim, de um lado, os neoliberais que já internalizaram o dogma neoliberal de que os governos podem (ou devem) sacrificar a população para manter a questão fiscal, ao considerar que o problema crucial se trata do equilíbrio econômico, mesmo que as pessoas percam direitos e sofram mais. No outro lado e num embate coletivo e menos assimétrico, a esquerda com a defesa da proteção dos direitos dos trabalhadores e do estado de bem-estar. Ao contrário do que muitos dizem e pensam, essa polarização não é ruim, só rejeitado pelos neoliberais.

Nesse atual embate, a esquerda francesa será testada em sua capacidade de polarizar, junto à população, com o debate e o “discurso econômico único e sem alternativa”, algo que a extrema direta vinha assumindo não com a pauta econômica – até aderindo a ela e indo além em defesa de um ultraliberalismo -, mas ganhando adeptos com a pauta conservadora, argumentando que todos os problemas econômicos estavam na conquista de direitos das minorias, imigração, da igualdade de gênero, LGBTQIA+, cotas, etc., permitida pelos governos.

O discurso da extrema-direita, emulado pela tecnopolítica das plataformas digitais e mídias sociais, vem sendo o que esses “novos direitos permitidos” pelo sistema político, seriam a causa principal da deterioração das condições da classe média trabalhadora (sua base principal) que leva à redução de seus direitos em direção à base da pirâmide e não à ampliação da captura de renda e os ganhos crescentes dos bilionários e trilionários do andar de cima das finanças.

A esquerda francesa terá que ter a habilidade para, no interior do sistema político, trabalhar essa pauta econômica concreta, sem deixar de lidar com essas outras questões contemporâneas presentes em suas bases, mas fundamentalmente se diferenciando da extrema-direita, enfrentando e buscando soluções para as causas principais das desigualdades sociais atuais: a financeirização desregulada e desenfreada e a lógica neoliberal que busca o controle total do mercado.

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