“O caos já não é a armas dos rebeldes, mas a marca dos dominantes” (Da Empoli) [1]
O Brasil está, de forma literal e real, sob uma intensa, complexa e assimétrica guerra híbrida empreendida e direcionada pelos EUA sob o comando de Trump e com apoio da extrema-direita global. Não há como esconder ou negar essa realidade. Diariamente, sob a forma de provocativas pílulas, em doses variadas, se caminha na direção da abolição gradativa do sistema de regras e acordos entre nações.
Desmonta-se, na prática, todas as
instituições que limitavam o poder do dominador, que, em desespero pelo fim da
hegemonia, tenta se agarrar às técnicas algorítmicas do que seria, uma nova
forma de dominação imperial, entre códigos e algoritmos das plataformas digitais
que exercem um controle cognitivo em patamar acima do já forte complexo militar
dos EUA que segue de stand-by.
O líder
desses agentes não conhece a história, não lê e sequer quer saber dela, mas
sonha em reescrevê-la, tal qual o fuhrer
alemão há um século, sonhando com um novo final. Para isso, trabalham em articulação
e coalizão unindo gigantes corporações de tecnologia, lideranças do capital de
risco, think thanks, estruturas
jurídicas etc., todas articuladas e instrumentalizadas por plataformas digitais
estruturadas para ação em captura, controle de dados e manipulação cognitiva, a
serviço dos EUA.
Está em
curso, uma estratégia de uso intenso da tecnologia digital e guerra híbrida
como armas de “recolonização” com o objetivo de recolocar o Brasil no espaço
que os EUA sempre chamaram de seu quintal. O Brasil é um dos alvos e neste
momento um epicentro, porque se posicionou, junto do Brics, na condição e
intuito de construir alternativas independentes e soberanas, tanto em termos do
mínimo de governança digital quanto em meios de pagamento e fluxos de capital.
Os EUA exigem vassalagem,
ofertada pelos líderes da extrema-direita brasileira, não aceitando que o
Brasil se posicione com soberania desafiando a nova ordem algorítmica de base
tecnológica, cognitiva e política, que usa a máquina da guerra híbrida como
ferramenta para alimentar a esperança de retomada do controle geopolítico sobre
toda a AL.
Nessa guerra,
o modus-operandi está escancarado e se alicerça na cooptação das elites locais,
a partir da aliança com o bolsonarismo, tendo como alvo o sistema brasileiro de
justiça, mas se espalha como um polvo, em vários tentáculos com o tarifaço no
fluxo de comércio; bloqueio financeiro individual (talvez, nacional) e guerra
informacional com algoritmos controlados e direcionados dentro do intercâmbio das
redes sociais das Big Techs americanas.
Bons
analistas [1,2,3,4] têm analisado as direções e intenções dessa atuação dos EUA.
Elas parecem opostas, mas se unem no objetivo da recolonização e retomada do
controle do império.
De um lado está a guerra cultural e a tese do caos do Steve Bannon,
que atua num movimento de massa e foco na manipulação digital e modulação
cognitiva. Objetiva a destruição das instituições e do establishment
tradicional. Intenta criar um vácuo de poder propício aos movimentos que levam
a uma nova ordem conservadora e plutocrata.
Na outra ponta, está a chamada República Tecnológica [5],
sob a liderança ideológica do Peter Thiel, dono da companhia de tecnologia e
defesa Palantir [6] que objetiva desmontar o Estado-Nação por dentro,
substituindo-a por estrutura e recursos humanos sob o controle privado das
grandes corporações de tecnologia, as Big Techs.
Juntos,
dentro dos EUA, ambicionam destruir o Deep State (e instituições) para colocar
no lugar uma estrutura tecnoplutocrata unindo os donos das Big Techs e o ideal revolucionário
do movimento conservador MAGA. A liderança emergente do Vale do Silício para
essa empreitada está centrada no vice J.D. Vance. Junto a Trump já avançam na
cruzada por uma burocracia privatizada, sob comando da plutocracia como
extensão do capital estadunidense.
Segundo
Aragon [2], Trump e Vance sabem que apenas o caos ideológico (reset), sozinho, do
Bannon, não sustenta a retomada do império. Muito menos a captura do Estado de
Thiel que não tem fervor popular para mobilizar a massa. Por isso, as duas opções
não se excluem, ao inverso, servem a essa empreitada que tem na visão
tecnoplutocrata, a base de sustentação do que chamam de nova ordem técnico conservadora
que possui características fascistas.
A IA é
base tecnológica mais recente em uso por esse movimento dos predadores digitais que funciona
de forma acelerada e potente. Da Empoli (2025) [1] lembra que “os engenheiros
do Vale do Silício há muito deixaram de programar computadores para se tornar
programadores de comportamentos humanos”. E vai além afirmando que “a IA não é
um simples acelerador de poder, mas uma nova forma de poder, que se distingue
de todas as máquinas criadas pelo homem até então. Se a automação se
concentrava nos meios, a IA se interessa pelos fins”.
A potência da IA está sustentada na
ideia de alimentar o caos, fugindo de toda racionalidade, não se prendendo a
regras nem a procedimentos, para extrair dele a surpresa que tanto sucesso faz
entre os algoritmos e redes sociais, instrumentos desse movimento, mostrando, majoritariamente,
seu viés opaco, antidemocrático, manipulador e de uma “inteligência autoritária,
que centraliza os dados e os converte em poder”. [1, Da Empoli, 2025, p.78]
Pela
síntese aqui exposta, baseada em muitas outras leituras, e por tudo mais que se
observa na atual conjuntura, não é simples a tarefa do povo e do governo
brasileiro no presente momento. Não se trata da luta do homem contra a máquina
e sim do seu uso como poder e arma dentro da assimetria que existe entre essas nações do continente americano.
A saída é uma luta diuturna, corajosa, inteligente e
conjunta tanto interna quanto externa. Dentro do Brasil a luta é contra as elites cooptadas e de
mentes colonizadas. Uma nova etapa do combate que superou a tentativa de golpe em 2023 e que segue lutando em favor da construção de um Brasil soberano, inclusivo, menos injusto e desigual. E externamente, de forma articulada e em cooperação,
junto a várias outras nações que também lutam pela superação da dependência, pelo multilateralismo
e a favor da solidariedade entre os povos.
Referências e notas:
[1] DA EMPOLI, Giuliano. A hora dos predadores: como autocratas e magnatas digitais estão
levando o mundo à beira de um colapso orquestrado. Vestígio. São Paulo, 2025.
[2] GONÇALVES, Reynaldo José Aragon. Afinal de contas, quem
é J.D. Vance? O arquiteto da recolonização digital. Código Aberto. 2 de agosto
de 2025. Disponível em: https://www.codigoaberto.net/post/afinal-de-contas-quem-%C3%A9-j-d-vance
[3] GONÇALVES, Reynaldo José Aragon. Os EUA querem provocar
uma ruptura diplomática com o Brasil. Código Aberto. 7 de agosto de 2025.
Disponível em: https://www.codigoaberto.net/post/os-eua-querem-provocar-uma-ruptura-com-o-brasil
[4] ARAGON, Reynaldo. Thiel vs. Bannon: A guerra entre os
arquitetos do caos. Outras Palavras. 10 de junho 2025. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/thiel-vs-bannon-a-guerra-entre-os-arquitetos-do-caos/
[5] KARP, Alexander C. ZAMISKA, N. W. República Tecnológica:
tecnologia, política e o futuro do Ocidente. Intrínseca. Rio de Janeiro. 2025.
[6] Palantir é uma corporação de tecnologia (software) dos
EUA, especializada em serviços para o governo, especialmente na área de defesa dos
Estados Unidos. Fundada em 2003 por Peter Thiel e Alex Carp (CEO e autor do
livro “República Tecnológica” (2025). Desde 2010, A palantir passou a atuar
também para clientes do mercado de capitais e da área financeira dos EUA. Nos
governos Trump, a Palantir ampliou bastante seu valor de mercado e em 13 de agosto
de 2025, alcançou US$ 437 bilhões, segundo dados do ranking Infinite Market
Cap. Disponível em: https://8marketcap.com/?search=palantir
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