sexta-feira, outubro 14, 2011

“Nossas cidades estão ficando inviáveis”

A afirmação é da arquiteta e urbanista Ermínia Maricato. Ela é professora titular aposentada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), foi Secretária Executiva do Ministério das Cidades, entre 2002 e 2005 e nesta função, a coordenadora técnica da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.

É com esta autoridade que Maricato concedeu uma excelente entrevista à revista Desafios do Desenvolvimento do IPEA, indicada ao blogueiro pelo professor Luiz Pinedo, que merece ser lida e debatida. Aqui você pode acessar à integra do texto, assim como fazer o download do arquivo.

Abaixo o blog transcreve algumas afirmações e pequenos trechos como estímulo e provação para a leitura:

“Sem se tocar na propriedade da terra, nossas cidades se tornarão inviáveis”.

“Uma parte da população não cabe mais na cidade. E não é uma parte pequena. Tem a ver com uma trombada entre a população pobre e as áreas ambientalmente frágeis”.

“Ou construímos um espaço de debate e mobilização na sociedade civil independente do Estado, pois o Estado tem um poder de cooptação muito grande, ou o caos se tornará dominante”. “A falta de planejamento está ligada a uma questão estrutural que é a concentração fundiária.

Distribuição de renda não basta para resolver o problema urbano. Aqui tem de distribuir ativo, que é cidade, é terra urbanizada. A questão da terra é central na política urbana, pois ela é dominada por esse mercado restrito, elitista e especulativo. O povo acaba tendo de se virar.” “A questão fundiária é muito séria. Se pegarmos o Censo de 2010, veremos que a área de São Paulo onde a ocupação mais aumentou é a de proteção dos mananciais. Temos aqui duas cidades. Uma é a cidade do mercado e a outra é aquela construída pela população pobre. Em 2010, o preço dos terrenos se elevou em 50% e o de imóveis usados em 30%. Depois do anúncio do programa Minha Casa Minha Vida, tivemos um impacto bárbaro sobre os preços da terra e dos imóveis. Por que? Porque houve a entrada de recursos financeiros sem mudança na base fundiária. Isso acarreta um ganho para o preço dos imóveis. A nossa questão central, a questão fundiária urbana e a função social da propriedade se esfumaram. Eu estou estudando a história da propriedade no Brasil. É impressionante. É fraude atrás de fraude.” “Trata-se de fazer uma regulação do uso e da ocupação do solo por parte do Estado. Para fazer isso, o Estado tem de regular também o mercado. Quer um exemplo? Existem quase dois milhões de pessoas na área dos mananciais na zona sul de São Paulo. Se não quisessem essas pessoas lá, teria de haver fiscalização. Quando se faz isso, para onde essas pessoas vão se não se permite que elas se instalem lá? Há um doutorado da professora Angela Maria Gordilho Souza, da Universidade Federal da Bahia, mostrando que em Salvador 33% das habitações são ilegais. Há um mestrado de Carlos Fernando Andrade, ex-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil - Rio de Janeiro (IAB-RJ), mostrando que 50% dos domicílios da cidade são ilegais. Uma coisa é a questão jurídica. Outra é a fragilidade da construção. São casas em encostas, fundos de vale e em situação de risco. Uma parte considerável das cidades brasileiras continua a ser produzida dessa forma. Quando a gente vê as tragédias depois das chuvas, aparecem aqueles âncoras dos telejornais a repetir que falta planejamento e prevenção. Ora, o que falta é quebrar essa relação de poder que coloca as terras adequadas na mão de um mercado restrito.” “O problema da terra se manifesta no campo e na cidade. É algo que vem desde 1850, da Lei de Terras. A história da propriedade fundiária no Brasil está ligada às relações de poder. Não existe solução sem reforma fundiária. Com isso tudo, eu chego na reforma política. Se continuarmos tendo o financiamento de campanha como é hoje, com eleição sendo trocada por obra, teremos apenas projetos que caibam em quatro anos. As coisas mais importantes nas cidades não se resolvem nesse período.” “O que mais tem no Congresso é emenda parlamentar para asfaltar ruas. Verifiquei, num determinado ano, que metade das emendas eram de asfaltamentos. Imagine um deputado federal se preocupar com isso... Essa demanda não é feita apenas para se conseguir voto, para fazer um agradinho em um bairro, construir uma praça ou asfaltar uma via. Eu pensava assim, até um deputado federal me contar que não era nada disso. A lógica é o financiamento de campanha articulado com obras futuras e não o clientelismo.” “Não existe Câmara Municipal desvinculada dos interesses dos proprietários imobiliários em nenhum município do Brasil. Dá para contar nos dedos o número de Executivos municipais que contrariem interesses imobiliários e das empreiteiras.” “As grandes empreiteiras controlam praticamente os investimentos urbanos dentro da lógica do rodoviarismo. O automóvel reina soberano e as empreiteiras propõem aos prefeitos as obras possíveis de serem concluídas em quatro anos. Argumentam que elas irão atrás do financiamento – e isso está ligado ao financiamento de campanha. Aí você tem uma prioridade às obras viárias nos orçamentos municipais no Brasil todo. Nunca as cidades brasileiras foram assaltadas pelo automóvel como nos últimos anos. A indústria automobilística passou de 13% do Produto Interno Bruto, em 1999, para 19,8% em 2009. Eles são responsáveis por 83% dos acidentes e por 76% da poluição. E muita gente reclama dos ônibus. Para os urbanistas, o automóvel é o maior fator de desorganização do território. Ele induz a ocupação espraiada do solo e destrói a cidade.” Desenvolvimento - Que cidade brasileira tem um bom planejamento? Ermínia - Eu acompanhei o desenvolvimento de muitas e ainda tenho um certo respeito por Diadema. Por que? Diadema teria o destino da Baixada Fluminense. Seria uma cloaca. Ela chegou a ter indicadores de violência altíssimos e reverteu essa situação. Na última vez que estive lá, ouvi do prefeito a seguinte frase: “Nós não queremos a mudança do perfil da população”. Acho que é o único prefeito do Brasil que não quer substituir pobre por rico. Um prefeito não pode combater o automóvel, não está nas mãos dele. Mas ele pode incentivar o transporte público. Mesmo para o processo de expansão imobiliária, um prefeito tem restrições. Há uma ameaça constante por parte dos empresários da construção civil, que alegam que tal ou qual prefeito liberou o gabarito para a construção de todo tipo de obras. “Então nós vamos para lá”, dizem. E chantageiam os prefeitos.

Desenvolvimento - Que cidades do terceiro mundo, com condições semelhantes às do Brasil, tem uma situação aceitável no que toca ao planejamento? Ermínia - Bogotá, na Colômbia, é puro marketing. Mas o corredor de ônibus, o Transmilênio, é uma solução boa, mas limitada. É como Curitiba, que tem um planejamento ao mesmo tempo modernizante e excludente. Há aquela miséria em volta. O planejamento ali sempre foi ligado a uma elite ligada ao capital imobiliário. Eu não vi nada no terceiro mundo, nem na Ásia, na África e na América Latina... Nós tivemos um período de ouro, na década de 1980, com a emergência das chamadas prefeituras democrático-populares, com orçamento participativo, em uma época muito importante, de fim de ditadura. Nós desenvolvemos um conhecimento de urbanização de favelas. Aliás, nesse ponto, o PAC tem uma vantagem muito grande sobre o Minha Casa Minha Vida, que é a prioridade para a urbanização de favelas. Isso conseguiu resolver as deficiências de muitos bairros pelo Brasil, pois dá ótimas condições de vida. Se as cidades não crescessem de forma predatória, seria possível combinar a construção de moradias à urbanização de favelas. Ou seja, partir da cidade existente, que precisa ser recuperada, e melhorar a situação de infraestrutura, de saneamento, da água, do esgoto, do transporte, da iluminação e por aí vai. O PAC tem uma grande qualidade na área de habitação...”

Clique aqui e leia a entrevista na íntegra.

3 comentários:

Anônimo disse...

Professor gostaria que o senhor postasse o acorrido no parque imperial onde os muros de minha casa e um vizinho foram derrubados por uma
Retro escavadeira da Empresa construtora Avenida, estes muros fazem divisa com um terreno baldio que segundo funcionarios que faziam a obra pertence ao proprietario da construtora. Pra mim não importa quem é o dono mas quem vai pagar nosso prejuizo pois o ocorrido foi ao meio dia e ate agora nenhum funcionario da empresa nos procurou para dar uma solução. Por pouco o muro de casa caiu sobre os cachorros que foram retirados a tempo por mim e minha familia, e ja imaginou se scontecesse um desastre maior pois o outro muro pertence a uma escola infantil no Parque Imperial. Este é o link que foi postado por minha filha diante da indignação pois um dos funcionarios disse que nosso muro estava velho e por isso caiu pois eles não tiveram nenhuma culpa, neste video se comprova a ação da maquina que mesmo apos derrubar o muro continuou a trabalhar como se nada tivesse acontecido. Grato Francisco

http://www.youtube.com/watch?v=5EbSzJlOJjk

Anônimo disse...

Roberto isso se chama falta de mobilidade urbana todos querem ser mais rapidos e ageis ao chegar no trabalho na festa etc mas estamos andando na velocidade do seculo 19 de CARROÇAS... uma boa soluçao como foi adotada em muitos outrso lugares do Mundo é o ciclismo o uso de bicicletas para locomoçao em Campos por ser uma planicie seria o lugar ideal para essa pratica nosso povo ja tem o costume de andar de bicicleta mas falta incentivo como bicicletarios e ciclovias ou ciclofaixas aqui no jardim carioca tem uma ciclofaixa mas poucas pessoas sabem disso pois ela esta abandonada e serve de "estacionamento" para carros e carrinhos de lanche

denis disse...

Engraçado, pessoas assim, identificam os problemas, têm propostas do que deveria ser feito e os governos, que são os principais agentes executores, nada fazem.
A minha preocupação hoje é São João da Barra, que nada tem em relação a mobilidade, ruas estreitas e quase que nenhuma ciclovia. Será que vão esperar tudo piorar para fazerem algo?
Se planejam uma cidade do futuro, porque não fazem o básico hoje?
Sei que é um retrato do Brasil desorganizado e sem planejamento, mas é um absurdo ainda hoje prefeituras não serem capazes de pensar em corredores ecológicos, em vias e transportes de massa com qualidade. É uma coisa ilógica o governo incentivar a compra de veículos sem pensar no transporte de grande porte.
Campos tem uma relação estreita com a baixada, já passou da hora de pensarem em um VLT entre a baixada e o centro.
Em relação as moradias é algo incrivelmente absurdo, terrenos, apartamentos, casas, os preços estão exorbitantes. O Brasil é imenso, têm muitas áreas para crescer, mas os governos não enxergam e planejam, só vivem fazendo puxadinhos em locais já esgotados fisicamente. Até quando vamos viver assim?