terça-feira, outubro 30, 2018

Precisamos de uma análise estrutural do quadro brasileiro antes do debate também necessário sobre a conjuntura!

Em maio deste ano o curso de Serviço Social da UFF-Campos me convidou para uma mesa de abertura de sua Semana Acadêmica.

Tratei do tema "Golpe e Estado pós-democrático no Brasil contemporâneo marcam a retomada radical do neoliberalismo como o maior “case” da plutocracia no mundo".

Na ocasião alinhavei em minha análise em quatro autores: Dardot & Laval (esse uma dupla de franceses com o livro "Uma nova Razão do Mundo"); Theotonio dos Santos (um dos teóricos da Teoria de Dependência no livro "Desenvolvimento e Civilização"); Ladislaw Dowbor (com a reflexões do livro "A Era do Capital Improdutivo") e Rubens Casara (com seu livro "Estado Pós Democrático – neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis").

Em minha fala que em parte tinha sido escrita e outra em tópicos usados para a reflexão, eu dizia que naquele momento existia uma "nesga eleitoral" de chances, para o Brasil tentar retomar um caminho interrompido de inclusão social, para a volta a um estado democrático, em que pesassem alguns equívocos da centro-esquerda no poder.

Assim, sustentei a tese de que o caso do Brasil já vivia uma “retomada radical” do neoliberalismo, imensamente mais violento e prejudicial que o período FHC, que em 2016 foi base para o movimento de impeachment político.

O golpe - com a ponte para o futuro (ou pinguela para o passado - já atendia aos mercadistas e caminhava para o que Casara chamava de um estado pós-democrático.

Assim, como argumento e sustentação listei alguns dos projetos que o “governo-mercadista” do Temer já vinha implementando no dia-a-dia. Chamei a atenção para as articulações entre o poder econômico, político (Estado), mídia e setor judiciário construindo não apenas suas narrativas, mas um conjunto de ações e decisões numa lógica da “plutocracia”.

O quadro sinalizava a retomada, de forma radical, de um neoliberalismo, com desmonte do estado, privatizações, menor regulação através de vários arcabouços legais e constitucionais. No campo jurídico tudo isso estava se juntando e instalando no plano real os alicerces de um estado pós-democrático.

Nesta direção o Brasil, a direita renegava o centro para instalar suas intenções. Nesta ótica, eu dizia que era necessário compreender a fundo a “razão neoliberal” sem o que, é impossível resistir ao Estado Pós-Democrático”.

Era nesse cenário que já se percebiam os riscos de que a "nesga na disputa eleitoral" poderia não dar conta de inverter a direção da ponte. Passado seis meses o quadro se delineou apesar da nossa resistência e luta por ampliar a nesga e impedir a ampliação e radicalização da "nova razão do mundo" em sua versão e porção do sul do planeta na América Latina.

A análise sobre a conjuntura e sobre o processo eleitoral pode ser debatido em diversas dimensões, mas não tem como deixar de observar as razões estruturais para além da nossa conjuntura econômica, política a partidária.

As primeiras falas do grupo eleito reafirma a teoria de dependência (Theotonio dos Santos e Rui Maurini) em que se entrega a soberania em troca de uma vaga ideia do país assumindo a dependência tentar uma condição de sub-imperialista para controlar as demais nações sul-americanas.

No plano nacional se tem a radicalização dos cortes nos direitos sociais e desmonte do Estado.

Voltando à minha fala da UFF na ocasião eu desenvolvi oito tópicos para debate diante dos riscos:

1) O Brasil pós golpe passou a ser o maior "case" mundial do neoliberalismo.
2) Passamos a viver numa plutocracia real e não mais teórica;
3) Assim, chegamos ao golpe com a ponte que nos leva de volta ao passado;
4) Privatizações, desregulação e a redução do papel do Estado;
5) Exemplos da desregulação e controle do poder político e captura do Estado;
6) O domínio do sistema financeiro e o papel dos fundos financeiros;
7) O Papel da política contemporânea no Brasil: A busca do Centro. Que Centro?
8) Conclusão.

Aqui não vou falar de todos eles mas apenas realçar - infelizmente - que a os cenários da estrutura estão sendo postos em prática.

O Brasil pós golpe e pós-eleição caminha para ser o maior "case" mundial do neoliberalismo. O governo mercadista no comando do Brasil, já supera, em muito, o caso do Chile de
Pinochet, na década de 70, o que fez a turma do Chicago-boys. (25 economistas da PUC orientados pela universidade americana). Para a consecução de suas ideias dependem de um governo não democrático. Para eles, “sem uma autoridade não se pode ter um livre mercado “estável”. Agora no caso brasileiro viveremos um governo não democrático pós-voto.

Já vivemos numa plutocracia e na emergência de um Estado pós-democrático que é pouco percebido pela maioria da nossa população. Segundo o Aurélio, “plutocracia” é o poder da riqueza que é exercido pelo grupo mais rico da população, enquanto democracia é o sistema em que o povo exerce a soberania, de forma direta ou indireta. Os ricos não admitem a plutocracia, assim continuam se disfarçando de democracia para avançar nas suas intenções e interesses.

A elite econômica capturou o estado e a Democracia, ampliando seus ganhos e as desigualdades. Já se vive uma “Lawfare” (guerra judiciária) assimétrica com o emprego de manobras jurídico-legais como substituto de força armada, com objetivo de alcançar o controle do poder da nação em articulação a orientações geopolíticas. Ou, uso de instrumentos jurídicos para fins de perseguição política, destruição da imagem pública e inabilitação de um grupo (partido político).

A ideologia neoliberal presente nos atos do Executivo/Legislativo praticamente não é percebida pela maioria. Assim, o afastamento dos direitos e garantias estão sempre justificadas como um falso combate à corrupção.

Para DOS SANTOS, o Neoliberalismo tenta se sustentar num “pensamento mágico” que ataca o Keynesianismo e o Wefare State (Estado de Bem-Estar-Social) e apesar de sua fragilidade teórica e base empirista e pragmática – para os períodos de recessão do ciclo econômico (ciclos longos de Kondratiev) – eles tentam se impor como uma nova “razão do mundo” com um novo modo ode governar as pessoas e a sociedade, ou um modo se ser-no-mundo. (DARDOT & LAVAL, 2016)

Para CASARA (2017) a “proposta neoliberal de instaurar o império do mercado, desmantelar o Estado do Bem-Estar-Social e reduzir os direitos”. “Se o liberalismo clássico aparentava, ao menos preocupação com a questão da “liberdade” e “pelos limites do governo”, a única preocupação do neoliberalismo é transformar o mercado em razão de ser governo, sem qualquer preocupação com limites”. (P.48). SEM COMPREENDER A RAZÃO NEOLIBERAL É IMPOSSÍVEL RESISTIR AO ESTADO PÓS-DEMOCRÁTICO. Os direitos fundamentais são obstáculos ao mercado. (p.66)

DARDOT & LAVAL falam sobre o “neoliberalismo como racionalidade que tem razão no capitalismo contemporâneo assumido como construção histórica e norma geral de vida... Um conjunto de discursos práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio da concorrência”.

DARDOT & LAVAL seguem em sua análise: "o neoliberalismo não é apenas uma ideologia ou um tipo de política econômica. É um sistema normativo que ampliou sua influência ao mundo inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações sociais e a todas as esferas de vida”. Cada pessoa é estimulada a se ver como uma empresa e a eliminar a concorrência. Enquanto sistema mental ele enseja o egoísmo social (ditadura do eu, na lógica da concorrência e disputa), a negação da solidariedade, o individualismo ampliando as desigualdades e as tensões".

Em resumo, na ocasião eu concluía sem findar a análise que hoje se torna ainda mais clara que o Estado Pós-democrático vem com o fim do Estado de Direito e surge junto com a busca do poder pela plutocracia. Não se trata de uma teoria conspiratória, mas uma análise das condições materiais que permitiram este movimento.

Antes de uma também necessária análise de conjuntura e sobre o quadro nacional político-econômico e partidário no Brasil cabe uma reflexão sobre a questão estrutural. Sob pena de cairmos em mais uma armadilha para discutir apenas os partidos, o lulismo e outros temas derivados, mas vinculado à conjuntura.

É perceptível neste movimento a preponderância do sistema financeiro com sua força hegemônica (em articulação com a mídia e o judiciário), onde acontece a captura do poder político (Estado). Ao contrário do que dizem, os neoliberais querem sempre mais Estado e não menos, já que os mesmos precisam de um estado absolutista para implementar sua agenda.

Nesta agenda neoliberal a área social e as pessoas são vistas como um peso na sua concepção mental e ideológica exclusivista de mundo. O Brasil como líder continental que apostou ainda numa agenda internacional de novos alinhamentos e um multilateralismo sem hegemonias no mundo, tornou-se um alvo e um espaço de cobiça.

Assim, vimos como foi ruindo após 2014/2015 o iniciar de um estado de bem-estar-social, com menor dependência, com alguma soberania e uma busca de nação mais inclusiva que tentava recuperar os sobrantes, com Políticas e Direitos Sociais, exatamente num lugar, onde atuam os profissionais de Serviço Social para quem falamos.

Diante do quadro que se vive no presente, a luta por resistir a essa "nova-velha razão do mundo". Será preciso convencer e reunir novos apoios e alianças. Teremos que lutar para recuperar as instituições e a sua atuação para todos, portanto, democrática.

Recuperar e melhorar o judiciário, o ministério público, as instituições do Estado na disputa de poder com a plutocracia.

Lutar novamente e sempre por mais democracia. Só há um caminho lutar e fazer política na busca da retomada da maioria.

Reorganizar a luta e o povo para uma vida que seja coletiva – não individual – vida que seja solidária – não competitiva e para uma sociedade não empresarial que seja um sistema com uma verdadeira nova razão do mundo, com uma civilização pós-capitalista.

Sigamos de novo e sempre, em frente!

Nenhum comentário: