domingo, agosto 16, 2020

Proibição do Alibaba é mais uma etapa da guerra das plataformas digitais EUA x China e expõe a dimensão geopolítica do “Plataformismo”

Era previsível que a guerra comercial EUA x China chegasse às Big Techs estadunidense versus as chinesas, as únicas corporações de tecnologia no mundo com capacidade de realizar este enfrentamento.

O anúncio ontem, de Trump, de estar próximo de proibir as atividades da plataforma digital chinesa Alibaba nos EUA, concorrente direta e mais eficiente do que a estadudinense Amazon, é mais uma etapa da “guerra das plataformas digitais” no capitalismo contemporâneo.

A decisão que está sendo gestada pela Casa Branca é o desdobramento da disputa que começou com o banimento da corporação chinesa Huawei, no território dos EUA e dos países aliados dos EUA em toda a parte do mundo. A gigante chinesa Huawei é a corporação mais avançada no mundo em termos de tecnologias da rede de internet 5G.

Estas mesmas decisões contra a Huawei e agora a Alibaba se deram, nas últimas semanas, com relação aos aplicativos chineses concorrentes do Facebook, Youtube e WhatsApp, TikTok da ByteDance e WeChat da companhia chinesa Tencent.

As plataformas digitais são instrumentos (ferramentas) desse fenômeno, criado a partir das “Gigantes do setor de tecnologia” - Big Techs (MOROZOV, E.,2018). As Big Techs são as "plataformas-raiz" da appficação que a ela se vincula, a partir das lojas de aplicativos destas grandes corporações: Apple Store, Play Store da Google e Huawei Store.

Enquanto isso, é necessário compreender o que passei a chamar de “plataformização” que se trata de um novo e potente regime de acumulação capitalista que avança (e também convive de forma simultânea) com o Fordismo e o Toyotismo, mas em nova etapa do Modo de Produção Capitalista (MPC).

Como já dissemos em alguns textos anteriores (ver nas referências abaixo) e em entrevista (aqui) à TV 247, a hiper-concentração e oligopolização do setor de tecnologia nos EUA, em especial através das cinco maiores, Google, Apple, Facebook, Amazon e Amazon, levaria, em algum momento, a que o Estado estadudinense viesse agir contra seus maiores concorrentes instalados na China. 

Como se sabe, a ideia da concorrência é um dos paradoxos do capitalismo, onde, a busca do monopólio, passando pelos oligopólios, está sempre presente e com a atuação geopolítica do Estado-sede destas corporações gigantes.

Só a Apple, sozinha, tem valor de mercado (capital fictício) superior ao PIB do Brasil. Juntos possuem valor de mercado superior a US$ 5 trilhões, ou quatro vezes todo o PIB brasileiro. O porte do oligopólio atual do setor de tecnologia dos EUA, não encontra nenhum paralelo com a de nenhum outro setor econômico na história dos EUA. Mesmo no caso dos tradicionais e conhecidos oligopólios do setor petróleo, o siderúrgico, ou o automobilístico.

No meio da década passada, a Europa reagiu com relação a esse gigantismo e o que elas promovem em termos de "vampirismo digital". Porém, não conseguiu avançar muito sobre esses limites, para além de um breve aumento da tributação sobre os bilionários lucros das Big Techs dos EUA. A força dos grandes escritórios de advocacia, os lobies e mesmo a pressão e ameaças do governo americano impediu que uma legislação mais potente pudesse agir em favor das nações europeias.

A Comunidade Europeia questiona também o fato destas Big Techs dos EUA instalarem suas sedes no continente em novos paraísos fiscais. Assim, buscam através da guerra fiscal e tributária entre nações, alguns países onde pagam baixíssimos impostos para operar, como no caso a Irlanda e Holanda, que ocupam um lugar que antes foi da Suíça.

Assim, se pode observar o fato que a dimensão geopolítica da “guerra das plataformas digitais” se traduz na a essência da guerra comercial atual entre EUA e China, num mundo de amplas e crescentes trocas no comércio global, intermediados por estas infraestruturas digitais.

Os questionamentos público dos EUA, versam sobre a captura de dados (Capitalismo de Vigilância, ZUBOFF, 2015). Os EUA levantam o risco de que a China, na prática, faça o mesmo que o Estado americano fez em 2013. Na ocasião, a NSA (e o software PRISM), realizou explosiva coleta de dados de usuários de todo o mundo (incluindo o Brasil (Petrobras) e presidentes de países, diretamente das plataformas destas companhias dos EUA, como a: Microsoft, Google, Facebook, Apple, entre outras.


Guerra das plataformas digitais se situa no novo Modo de Produção Capitalista, o Plataformismo e se vincula à geopolítica e à disputa por hegemonia

Essa captura de dados é a base do que passei a chamar de “plataformismo” como novo modo de produção do capitalismo contemporâneo. A vigilância e a captura de dados é parte do "capitalismo de plataformas". 

As plataformas digitais (em especial as redes socais) atuam como uma espécie de usina extratora de dados. Junto das pessoas e em suas interações sociais que as se faz a captura de dados através das plataformas das redes sociais. É ali que a plataforma conhece em detalhes (com uso dos algoritmos treinados, Big Data - BD e Inteligência Artificial - IA) as pessoas e os seus desejos mais íntimos. Este fato tem extraordinário potencial comercial, mas também político.

Hoje, se pode dizer que os algoritmos, armazenados no BD e operados com a IA, conhecem cada um de nós, mais que nós mesmos, que vivemos em meio a uma explosão de dados da sociedade contemporânea e nossas subjetividades e memórias, perdidas, em meio aos nossos instintos e desejos de nossos confusos aparelhos psíquicos e mentais. Um verdadeiro pan-óptico digital desta nova era (HAN, 2018)

Desta forma, as plataformas digitais direcionam a publicidade para a demanda potencial, as vendas e puxa a produção, numa lógica de radicalização do “just-in-time” da acumulação flexível, trazida com a inovação do Toyotismo, mas só agora realizada, de ponta a ponta e a nível global, mesmo que inicialmente de forma mais potente em alguns setores econômicos.

O "Plataformismo" não substitui o Fordismo, mas convive com ele. Ele sobrevive, por exemplo, no esquema de logística de entregas do Ifood, de transportes da Uber e da gigante predadora, a Amazon, quando os esquemas de geolocalização controlam, numa espécie de “taylorismo digital”, o caminho do produto desde a fábrica, passando pelo seus enormes galpões de distribuição (hubs), até chegar ao consumidor final, que adquiriu o produto, através do e-commerce.

É uma massificação, uma concentração e ao mesmo tempo uma precarização sem igual com enorme captura da renda na dimensão do trabalho. Um exemplo sobre essa realidade pode ser vista no extraordinário filme do Ken Loach, "Você não estava aqui".

Assim, a dimensão geoeconômica e geopolítica das plataformas digitais se evidenciam como parte desta disputa, que não é algo apenas comercial e de mercado, e sim, um interesse de Estado e, portanto, no plano da geopolítica que coloca frente a frente a China e os EUA numa disputa global.

Não é por outro motivo que os órgãos de antitrustes dos EUA, o Departamento de Justiça e Congresso estadudinenses, levantam alguns questionamentos, ameaçam, mas na prática até agora nada fazem contra o gigantismo das Big Techs. Ao contrário do que estes órgãos atuaram antes, em casos de concentração de mercado e oligopólios, bem menores que este atual do setor de tecnologia.

Além disso, o Departamento de Justiça e o Congresso dos EUA sabem exatamente o que estas plataformas-raiz destas gigantes do setor de tecnologia, lhe conferem, em termos de operação, através da "tecnopolítica" (DA EMPOLI, 2019), no esquema da guerra híbrida e de controle geopolítico sobre outras nações.

Os golpes políticos via guerra híbrida, mesmo com diferenças de atuação, conforme os contextos nacionais, na América Latina são exemplos do poder da tecnopolítica e da atuação das Big Techs, a favor da geopolítica dos EUA. Em última instância, temos os algoritmos alimentando o “neoimperialismo digital” que desta forma vem assassinando a frágil democracia liberal do Ocidente. 


Referências:
[1] DA EMPOLI, Giuliano. Os Engenheiros do caos. Vestígio. São Paulo. 2019.

[2] HAN, Byung-Chul. Psicopolítica - O neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Âyiné. Belo Horizonte. 2018.
[3] MOROZOV, Evgeny. Big Tech: A ascensão dos dados e a morte da política. 2018.

[4] ZUBOFF, Soshana. The age of Surveillance Capitalism. PublicAffairs. Nova York. 2018.

[5] Artigo do autor no 247 em 4 de agosto de 2020. Mais elementos para explicar o poder das gigantes da tecnologia no capitalismo de plataformas. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/mais-elementos-para-explicar-o-poder-das-gigantes-da-tecnologia-no-capitalismo-de-plataformas

[6] Artigo do autor no 247 em 31 de julho de 2020. A tecnopolítica como dimensão do capitalismo de plataformas assassina a democracia liberal. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/a-tecnopolitica-como-dimensao-do-capitalismo-de-plataformas-assassina-a-democracia-liberal

[7] Artigo do autor no 247 em 28 de julho de 2020. Por que EUA limitariam suas Big Techs se elas controlam as veias digitais que ainda lhe dão hegemonia geopolítica? Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/por-que-eua-limitariam-suas-big-techs-se-elas-controlam-as-veias-digitais-que-ainda-lhe-dao-hegemonia-geopolitica

[8] Artigo do autor no 247 em 26 de julho de 2020. Musk da Tesla expõe a relação dos financistas e das corporações com a geopolítica dos EUA. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/musk-da-tesla-expoe-a-relacao-dos-financistas-e-das-corporacoes-com-a-geopolitica-dos-eua

[9] Artigo do autor no 247 em 13 de julho de 2020. Por que o capitalismo contemporâneo não consegue mais criar trabalho? Outro mundo é possível! Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/por-que-o-capitalismo-contemporaneo-nao-consegue-mais-criar-trabalho-outro-mundo-e-possivel

[10] Artigo do autor no 247 em 3 de julho de 2020. Capitalismo de plataformas e Appficação no Brasil e no mundo expõem a superexploração do trabalho. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/capitalismo-de-plataformas-e-appficacao-no-brasil-e-no-mundo-expoem-a-superexploracao-do-trabalho-98c5i9fk

[11] Entrevista à TV 247 em 29 de julho de 2020. Roberto Moraes explica a economia dos apps e das plataformas. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ScCkyeErIn8

2 comentários:

evandro disse...

https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/crise-e-transe-do-capitalismo-segundo-dowbor/
L. Dowbor bota mais lenha na fogueira.

Roberto Moraes disse...

Sim, Evandro. O Dowbor é bom. Aliás, desde lá atrás ele tinha cunhando a expressão "economia do pedágio" que se encaixa bem nessa interpretação sobre o papel de intermediação das plataformas digitais que ficam com uma "comissão" como se fosse um pedágio. No caso do Uber o pedágio é de 30%.