sábado, novembro 01, 2014

"A pracinha São Salvador"

O meu amigo Helio Gomes Filho que também é engenheiro e professor, ao longo da vida passou a estudar as cidades e suas histórias para entender a gestão e o planejamento.

Assim, Helio há algum tempo tem me falado sobre a relação entre a Praça São Salvador, localizada no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro com a nossa cidade de Campos dos Goytacazes. No dia 6 de abril de 2014, o blog já tinha se referido aqui sobre esta investigação etnográfica do Helinho, incluindo um breve clip sobre a roda de Choro que rola na praça São Salvador aos domingos.

Depois de juntar mais elementos além das observações iniciais, ele vem nos brindar com uma interessante crônica sobre o assunto. Vale conferir:

"A pracinha São Salvador"

Faz tempo que eu frequento a Praça São Salvador, mais de 30 anos. Não a praça central de Campos, nessa eu tenho são raízes, estou falando da pracinha nas confluências do Largo do Machado, Laranjeiras e Flamengo, no Rio. Uns dizem que é em Laranjeiras, outros garantem que ali é Flamengo.

Quando morei no Rio nas décadas de 1970 e 80 andei inúmeras vezes na famosa linha São Salvador – Leblon (573 e 574) par ia por Copacabana e o ímpar pela São Clemente. A empresa tinha um tom amarelo escuro o que lhe valeu o apelido carinhoso de “amarelão”. Todo mundo sabia quais eram essas linhas. Havia além do São Salvador: o Cosme Velho – Leblon (583 e 584); o Glória – Leblon (571 e 572) e o Largo do Machado – Leblon (569 e 570). Pra quem morava na Glória e Catete as linhas mais utilizadas eram a 571 e a 572, que recebiam a bem humorada alcunha de 5, 7 único e 5, 7 doido.

Na esquina da Rua São Salvador com Senador Correa tem o Bar Brasil, que serve um dos melhores chopes escuros cremosos do Rio. Aos domingos entre 11 e 13h, Ás vezes um pouco mais, há uma roda de choro animada pelo grupo “Arruma o Coreto”. Um dia, não sei mais exatamente quando – só garanto que o AD era 2013 –, saindo da Praça em direção ao Largo do Machado, pela Rua Esteves Júnior, que desemboca na Rua Conde de Baependi, olhei pro lado esquerdo e como quem é flagrado por uma paisagem pude ler numa fachada “Edifício Goitacás”. A gente, depois que se alfabetiza, tem a mania de ler tudo que vê pela frente. Depois de certa idade, pra fugir do ridículo, passa ler em silêncio. A gente quando cresce fica menos ridículo, mas a vida fica menos divertida.

Rapidamente os meus poucos e cansados neurônios começaram a processar duas informações que aquele pedaço do mundo me trazia. Eu, nascido e criado em Campos, tendo vivido nesta cidade 50 desses mal vividos anos, estava na Praça São Salvador em frente ao Edifício Goitacás. A especulação, até pra mim que sou meio lento, foi imediata: essa praça tem alguma coisa a ver com a Praça São Salvador de Campos.

Passei então a comentar com algumas pessoas essas minhas suspeitas e a fazer uma pesquisa sobre a história da praça do Flamengo, ou de Laranjeiras, e só achei coisas que remontam à história desses bairros, no tempo do Império, mas nada que me permitisse descobrir a história da praça. Descobri muita coisa interessante, que só conto se os meus inúmeros leitores se comportarem. Faz parte desse código de comportamento não questionar a minha estada no Rio. Sempre tem um gaiato pra questionar se fui a trabalho ou pra encorpar a minha vasta experiência no território da Esbórnia. Eu tenho meus álibis e atenuantes. Mesmo porque não fosse o ócio não teríamos descoberto essa história. Em minha defesa tenho a dizer que meu ócio é produtivo. Valei-me Domenico de Mais.

Ontem, 30 de outubro de 2014, lendo uma notícia na Internet (não vou fazer propaganda do jornal online) encontrei mais uma peça desta minha investigação particular. Gosto demais de filmes policiais. Gosto mais ainda de ir pra rua pra entender porque as coisas são como são e porque as pessoas fazem assim ou assado. Acho que isso me fez pesquisador. A reportagem fala sobre uma prisão de traficantes de droga de classe média alta. Policiais lotados na 9ª DP, que fica na esquina de Rua do Catete com Pedro Américo, desbarataram uma gangue de “traficantes do asfalto”. Ao investigar um grupo de justiceiros que ganhou notoriedade, ao prender um adolescente nu em um poste, no ano passado, nas imediações da Av. Rui Barbosa, acabaram achando entre eles essa quadrilha.

Como sempre a polícia coloca em exposição, pra fotografar e publicar, o resultado da apreensão. Entre drogas, dinheiro, balanças, máscaras utilizadas pelos “Anonymous” e outras coisas do gênero, havia uma placa de sinalização de rua do Rio. Era uma das placas da Rua São Salvador. Como todas as placas de ruas do Rio, abaixo do nome, em letras menores, há uma referência mais detalhada desse nome. Como todo recém-alfabetizado, fui ler o que havia debaixo do nome Rua São Salvador. E qual não foi a minha surpresa quando vi: “aberta nas terras do Visconde de São Salvador dos Campos”.

Imediatamente pesquisei na Wikipédia (aquela enciclopédia que ninguém acredita, mas consulta assim mesmo) e descobri que o tal visconde é papa goiaba e mais: filho de “Ana Francisca Rosa Maciel da Costa, primeira e única Baronesa de São Salvador de Campos de Goytacazes” (Wikipédia, online).

Na minha aproxima incursão vou xeretar o Edifício Goitacás. Confirmar sua grafia, já que não me lembro se é Goitacá, Goitacás, Goitacazes ou Goytacazes. Essa confusão toda porque os índios eram analfabetos e não deixaram seu nome escrito. Vou tentar uma conversa com o síndico pra ver se o condomínio tem algum registro histórico disso.

Desculpem-me esse clima de anticlímax, mas ainda não tenho e nem sei se um dia terei todas as respostas sobre as influências de Campos na Praça São Salvador do Rio.

Nenhum comentário: