domingo, novembro 16, 2014

Pensar fora do quadrado como parte do esforço intelectual de abstração

Estudando, vivendo e aprendendo. Não necessariamente nesta ordem. 

Minha formação escolar se deu na área tecnológica. Só mais adiante eu fui caminhando para outras ciências, embora a formação cidadã - não escolar e política - tenha me propiciado circular por outras áreas, especialmente as sociais, no campo das humanidades.

Não tem tanto tempo assim, eu ouvi, ou li, a expressão da necessidade em “pensar fora do quadrado”. A ideia é de que se faça esforço de compreensão de algumas questões que não são entendíveis nas lógicas dos quadrados que conhecemos.

Assim, eu passei a identificar que pensar fora do quadrado no esforço de análise, se não gera compreensão daquilo que não se compreende, de outra form, possibilita pelo seu exercício intelectual, questionar lógicas sustentadas até por aberrações encobertas pelo costume ou pela repetição.

Mais ou menos por aí é que acabei tendo acesso, em meio à leitura de alguns pensamentos geográficos - para tentar compreender o uso dos espaços na economia global - com uma questão que agora parece ganhar alguma lógica, mas que antes sequer existia enquanto pensamento.

Refiro-me ao fato que os estados-nações e os continentes são construções abstratas do ser humano no seu esforço de compreender e organizar o mundo.

Assim bem simples. E mesmo em meio à mundialização de nossa vida contemporânea tão pouco, ou quase nunca, lembrado.

Pois bem, desde que tomei contato com este pensamento simples, eu passei a olhar uma série de fatos sobre a materialidade contemporânea, de uma forma diversa do que via antes.

Vendo as notícias da semana que se encerrou, eu percebo vários exemplos de manchetes que podem ser lidas de forma diferente - fora do quadrado - se observamos a relação delas com essa essência dos estados-nações e continentes. 

As comemorações do quarto de século sobre a queda do muro de Berlim, a cumbre dos países do Tratado do Pacífico (ATEP) na China, a reunião do G-20 na Austrália (ainda em curso), etc. todos atuais. De uma forma ou outra eles nos remetem à mesma questão.

Se quisermos podemos ainda juntar estes fatos às análises sobre a crise europeia, a ascensão da China e os problemas dos EUA, enfim, aos novos alinhamentos mundiais, etc. Todos, sempre articulados com a abstração que nos remete à forma de pensar sobre eles.

Ainda nesta linha percebendo a ampliação da tendência “eurásia” nas ligações econômicas e políticas atuais, eu acabei por me deparar com outro estudo sobre como a Europa passou se enxergar como continente, considerando as suas características de geografia física junto à Ásia, o que poderia perfeitamente remeter a ideia de um único continente, mesmo considerando um lado mais ocidental e outro oriental.

Desta forma, pelas facilidades da internet, procurando algo mais consistente sobre o assunto, eu acabei assistindo uma conferência de 2012, do professor e geógrafo português, João Ferrão, que conheci há cerca de um ano na PUC-Rio, por apresentação de meu orientador no doutorado na UERJ, o professor Floriano Godinho.

O professor Ferrão, como participante das conferências sobre “Geografia e pensamento contraintuitivo”, proferiu uma delas com o título “Europa em transfiguração”. Nela, o professor Ferrão faz um interessante roteiro de análise de como a Europa se formou enquanto construção abstrata, no que chama de Europa 0.0, até o que poderá vir a ser como Europa 3.0 ou 4.0, no esforço de superação e reinvenção do continente que teria construído um modo civilizatório, que para muitos ainda seria único e referência.

Europa por Eratóstenes 200 a.C.
Em sua conferência, o professor Ferrão cita que foi o geógrafo russo “Vassíli Tatischévski” que em 1705 construiu o mapa que passamos a usar até os dias atuais sobre a divisão dos continentes. Nele, a Europa fica delimitada da Ásia, apesar da continuidade do espaço territorial pelos Montes Urais, uma cordilheira de montanhas na Rússia. 

Coincidência ou não, ao pesquisar sobre o assunto, acabei sabendo que no presente momento, geógrafos russos estariam trazendo o tema da fronteira à discussão. (Se desejar leia aqui)

Este conjunto de idéias leva também à questão das civilizações entre Oriente e Ocidente, que agora volta a ser muito debatido, por conta da ascensão asiática, não apenas da China, mas Coreia, Cingapura, Japão, etc. Nesta linha foi interessante ver os avanços nos acordos diplomáticos entre as nações asiáticas a partir desta última cumbre dos países do Pacífico. Entendimentos parecem ter substituídos querelas antigas de posses sobre territórios e ilhas do mar que os cercam.

Evidente que estas questões devem ser antigas para muitos estudiosos da área da geografia e das relações internacionais, porém, não para mim e imagino para outras pessoas. Este é o motivo que acabou por me convencer a trazer a questão provocadora para este espaço do blog.

Não considero que ela dê conta de explicar tantas outras questões, mas, parece ser uma “boa provocação” para pensar o mundo contemporâneo, diante do avanço das relações globais e dos descensos e assensos de Estados-nações (mesmo que mais comerciais e econômicos e não de povos e civilizações).

Evidentemente, que a constatação da existência destas abstrações e todo o arcabouço institucional e jurídico na forma atual de pensar e agir, não resolve nenhum dos principais problemas, mas pode remeter à novas possibilidades, neste hermético e complexo campo das relações internacionais.

Quando nada, sem maiores pretensões, apenas mais uma divagação para um domingo.

Boa semana a todas e todos, preferencialmente fora do quadrado!

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