quinta-feira, maio 08, 2014

Um outro olhar sobre o transporte coletivo em Campos

Como nossos leitores e colaboradores sabem o blogueiro está fora de sua base, com pouco tempo, mas, continua ligado nas coisas da nossa planície. Assim, eu tenho acompanhado nos intervalos dos meus compromissos informações e diálogos sobre problemas de todos os tipos.

Foi desta forma que julguei interessante um debate promovido pelo Alexis Sardinha em seu perfil no Facebook sobre o problema do sistema de transporte coletivo em Campos.

Alexis Sardinha é advogado popular, funcionário público municipal concursado e militante do movimento social na região. Assim Alexis, a pedido do blog, fez um bate-papo (um ping-pong) com o Waguinho Bsl, esticando o que já dialogavam pelo ágil Facebook.


Waguinho Bsl, Wagner Barroso da Silva é locutor e apresentador do programa Black Total transmitido pela internet no waguinhobsl.blogspot.com, mas, foi funcionário durante anos de uma empresa que presta serviços de transporte coletivos no município. Ele tem uma interessante visão de quem conhece o sistema por dentro e que vai muito para além do que se debate sobre o tema na região.

O fato vem confirmar o diálogo que este blogueiro vem travando com uma infinidade de pessoas sem voz na cidade, com avaliação, diagnóstico e propostas que precisam ser trazidas à tona. Melhor e mais: precisamos ampliar o espaço do que pode ser uma verdadeira "ágora" para um debate mais amplo, para além dos especialistas e estudiosos, mas de todas as pessoas que tê como contribuir e participar da gestão da cidade e do espaço onde vive.

O povo cresceu, tem discernimento e não precisa e não quer mais tutela e abrirá espaços, queiram ou não para ampliarem suas manifestações. O blog abre espaço e com satisfação para este tipo de análise e debates que verdadeiramente contribuem para que nosso município passa ser amanhã melhor que hoje.

Confiram a entrevista feita na íntegra pelo ágil, estudioso e articulador de boas causas Alexis Sardinha com o não menos ágil e articulado Waguinho:

"Alexis Sardinha: Waguinho, a partir de um post no Facebook, descobri que você - que é atualmente DJ de Rap - já foi rodoviário. Conte para nós como foi a sua experiência no setor.

Waguinho: Trabalhei por quase 6 anos. Fui trocador e aprendi a admirar esses trabalhadores, poucos com segundo grau, que sofrem com cargas horárias pesadas. Para se ter uma ideia, a jornada de trabalho ideal para um motorista, na opinião de especialistas e da Organização Mundial da Saúde, é de no máximo 4 horas, devido à temperatura no interior dos ônibus, superior a 60ºC, ao barulho do motor e à pressão de fazer um horário apertado, agora piorado com a instalação das máquinas de cartão que travam a roleta.
Além disto, alguns enfrentam uma dupla jornada de trabalho, dirigindo e cobrando, sem falar na falta de respeito dos demais veículos nas nossas ruas e avenidas. No entanto, a média de trabalho do motorista na cidade é de quase 8 horas, sem direito a descanso. Quanto ao horário que tem que se cumprir, a maioria das linhas têm como tempo médio 60 minutos de circulação incluindo, o desembarque e embarque no ponto final, o que é muito pouco.

Alexis Sardinha: Tendo vivido o dia a dia dos transportes, o que você sugeriria para esta crise que se abateu em Campos?

Waguinho: Existe muita coisa a ser feita, quem pensa que a licitação deve se limitar apenas a ônibus novos, engana-se. Os terminais de embarque e desembarque fedem a mijo e cocô, faltam banheiros decentes, as coberturas não abrigam e nem protegem ninguém de chuva, sol e possuem péssima iluminação, além da falta de segurança.
A empresa responsável por fiscalizar as empresas/horários, a antiga EMUT, não sabe e nem entende de nada, seus agregados fazem vista grossa para a invasão das vans que vão aos pontos de ônibus roubar passageiros. Os itinerários são ultrapassados, os horários escassos. O transporte e comércio precisam resolver o impasse do funcionamento 24 horas das linhas, afinal, um culpa o outro pelo não desenvolvimento da ideia.
Os salários são baixos, falta incentivo, treinamento, respeito e valorização ao empregado, portanto, tudo é muito mais complexo do que se imagina. A licitação é necessária, embora ouça sobre isto há mais de 15 anos. Para você ter uma ideia ela é tratada como lenda ou piada no meio dos rodoviários. É necessário se discutir novos sistemas de funcionamento e operação, mas o sindicato da classe é fraco e não consegue aprovar coisas simples como por exemplo a luta pelo uso de bermudas no verão devido às altas temperaturas ocorrida. Esta proposta, na minha época, durou apenas dois dias nas ruas e ninguém nunca mais tentou a sua aprovação, apesar do aumento considerável do calor.
Continuando: acho que as cooperativas de vans têm seus direitos, mas precisam também ter deveres e obrigações. Por que elas só funcionam até determinado horário e dia? Que horário alternativo é esse em que andam, literalmente, na frente dos ônibus o tempo todo?

Alexis Sardinha: E as rodoviárias que temos? Que belo cartão de visitas pra quem nos visita, não?

Waguinho: É o monopólio da 1001 com passagens caríssimas e um serviço nada eficiente. Temos também a questão do trânsito vergonhoso nos arredores do Shopping Boulevard, onde os moradores são sempre os prejudicados e a qualidade de vida, tão propagada pelas imobiliárias e seus corretores na hora de vender um terreno ou casa, perde completamente o sentido em um único fim de semana.
A criação de uma empresa municipal, por exemplo, só seria interessante desde que durasse por pelo menos 5 anos. Caso contrário, seria mais do mesmo nesse sistema vicioso.
Para quem anda de bicicleta, como eu, as ciclovias estão sem manutenção (o piso da margem da BR está sedendo) e cada vez mais estreitas, sem falar que quem as construiu, pode ter tido cuidado estético, mas não com o nosso ir e vir. Os técnicos entendem de desenho, não de pedalar. Não existe na minha ótica e nem no meu pensamento, essa de colocar plantas em vias. Elas atrapalham nossa visão, além de se transformarem em obstáculos. Os pedestres invadem essas vias para passear, fazer cooper, tirar fotos e outros absurdos. Nossas faixas nas ruas não são respeitadas pelos carros, faltam bicicletários e etc. Creio que um bom começo para esta solução seria uma reunião séria onde se possa ouvir, sem restrições: motoristas, cobradores, despachantes, sindicato, representantes de associações e das empresas. Mas isto não se resolve com uma ou duas reuniões, leva algum tempo e a prefeita deveria nomear também gente que entenda do assunto, pois, quem sabe da quentura da panela é a colher. Ninguém que nunca soube o que é pegar um ônibus lotado às 7 da manhã na BR ou o que é depender de transporte público para estudar, trabalhar e chegar em casa ou que espera por mais de 30 minutos no fim de semana em um ponto pela condução sabe, de fato, qual é a real importância do tema. Os técnicos de mobilidade urbana contratados, não deveriam subestimar quem mete a mão na massa e atende a população diariamente e diretamente, pois, quase sempre, a prática vale mais que a teoria.

Alexis Sardinha: Em que medida sua visão de trabalhador diferencia sua opinião das demais que estão sendo divulgadas nos grandes jornais?

Waguinho: Acho que muita gente fala do que não sabe. E não acho a frota atual a ideal; existe um déficit e qualquer leigo na matéria sabe disso e também a acho mal distribuída. Campos sofre com a falta de planejamento. Temos no mínimo 12 linhas que poderiam ser destinadas exclusivamente para as vans. A passagem a R$1,00 sempre foi uma mentira do governo municipal, era questão de tempo para a cidade cair em si. Acho até que demorou demais, mas tudo seria muito pior se não existisse as vans e as lotadas. Penso que as empresas de ônibus deram um tiro no pé ao depositarem suas finanças nas mãos da Prefeitura. O resultado está nas diversas paralisações ocorridas desde que o sistema entrou em vigor. É preciso ter um olhar muito mais amplo e entender que uma empresa de transportes quebrando ou paralisando seus serviços por falta de pagamento de funcionários é algo muito grave para a economia de uma cidade. Funcionários da antiga Progresso, Tamandaré e BK que encerraram suas atividades recentemente que o digam.

Alexis Sardinha: Você acha que o Poder Público Municipal, notadamente o Garotinho, pensou em levar a cidade a este ponto caótico com a pauta dos transportes liderando as mais de 61 manifestações ocorridas em Campos desde o início do ano?

Waguinho: Não posso afirmar isso, seria desonesto, leviano e eu apenas faria uma oposição irresponsável. Temo que a tal licitação, propagada como a salvação da cidade pelo Poder Municipal, seja apenas mais um jogo de cartas marcadas. Campos tem um mercado promissor e vantajoso para quem vem de fora, embora estudos antigos afirmem que, na devida proporção, os veículos que aqui circulam, gastam muito mais em lona de freio e embreagem do que os da capital. Não duvido que a 1001, empresa que alguns afirmam ter sempre vantagens no Estado, entre no circuito para dominar as linhas existentes e as futuras como hoje tenta na Região dos Lagos, brigando com a Salineira. Para quem não sabe, a Macaense também pertence ao grupo 1001.

Alexis Sardinha: Em relação aos empresários do setor, você acha que eles realmente estão por detrás das movimentações ocorridas como algumas pessoas andam dizendo?

Waguinho: Não posso também afirmar isso, mas avalio pelas conversas que tenho com alguns amigos que ainda permanecem na profissão que o sistema foi prejudicial para todos, afinal, está tudo congelado há pelo menos 8 anos, incluindo o governo anterior. O que eu vejo é que os empresários se omitiram e deixaram rolar. Depende do ponto de vista de cada um. Para mim, quem se omite, concorda.

Alexis Sardinha: Além de formular ideias, nos precisamos executá-las. O que você sugeriria, então, para efetivar as suas sugestões?

Waguinho: Reuniões com as classes citadas acima, pois esses profissionais também são chefes de família que usam o transporte público para as mais diversas atividades. Se houver boa vontade, sem burocracia e vaidade, além da humildade de saber ouvir os que diretamente tratam com a população, acredito que um plano viário eficiente é bem possível de acontecer.

Alexis Sardinha: Algum recado final para os leitores?

Waguinho: O líder negro Malcom X dizia que temos que ter cuidado com o que lemos, ouvimos e assistimos, pois a mídia pode transformar opressores em heróis e oprimidos em vilões. Parte de nossa mídia tenta usar todo esse clima tenso - e que muitos aproveitam com exímio oportunismo - para tentar jogar o trabalhador contra o trabalhador, colocando a Prefeita, a vilã dessa costura mal feita, como a heroína da situação, mesmo colocando motoristas de ambulância para dirigir os ônibus, onde se exige noções diferentes de ângulo, frenagem, conhecimento de itinerário e o controle de duas portas e três retrovisores internos. O povo, o oprimido, brigando entre si, fortalece sempre o opressor. Temos que fixar isso na mente: a parada é ser nós por nós, e é assim que o sistema treme."

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