quarta-feira, março 21, 2012

Harvey avalia o quadro mundial

Em mais uma das diversas entrevistas com o festejado geógrafo David Harvey publicadas na mídia brasileira, a partir da visita nos últimos dias de fevereiro ao Brasil, para lançar o seu mais novo livro “O enigma do capital”, o caderno Prosa & Verso de O Globo publicou no sábado passado o seu conjunto de perguntas e respostas. O blog separou a metade final que julgou mais interessante para trazer para este espaço e para o debate, por considerar que ela traz opiniões sobre investimentos globais do tipo que estamos vendo no Açu:

Existe um risco tão iminente de exaustão dos recursos naturais que justifique ser “verde” em todas as decisões da economia? Porque muitas vezes é caro ser “verde”, sobretudo em momentos de crise... David Harvey: Há uma espécie de senso comum que diz, curiosamente, que depressões são boas para o meio ambiente porque aliviam a pressão sobre a extração de recursos naturais. Mas se analisarmos as decisões de investimentos de capitalistas, veremos que muitos estão adquirindo territórios e recursos naturais, fenômeno que chamamos de land to grab e que está acontecendo em grande parte da África e da América Latina. Recursos em geral tornaram-se um tema importante, particularmente para interesses estrangeiros que começaram a exercer domínio político. O capitalismo já está pensando num futuro de escassez, em que o controle sobre recursos naturais será uma forma muito significativa de geração de renda. Isso sugere que haverá dificuldades ambientais consideráveis caso o crescimento global retome a mesma trajetória de antes (da crise). Se olharmos os países que estão crescendo agora, a China em particular, as questões ambientais são muito sérias. Acredito que também no Brasil: a pressão sobre terras, recursos... Este será um grande problema nos próximos anos. O mundo hoje é menos “ideologizado”, menos marcado entre direita e esquerda? Que implicação tem isso nas decisões econômicas dos países? David Harvey: É surpreendente para alguém que vem dos Estados Unidos ouvir que o mundo não é tão marcado entre direita e esquerda. Essa divisão nunca esteve tão severa nos EUA, especialmente na campanha presidencial, e tem um impacto claro na economia. Há uma direita muito intransigente, que enfatiza a dívida a todo tempo e não quer falar sobre desigualdade social. Por outro lado, na América Latina há uma espécie de consenso de que o neoliberalismo dos anos 1980 e 90 não é mais bem-vindo. Até mesmo a centro-direita não o quer mais. A grande questão para a centro-esquerda é em que grau se pode ser anticapitalista, e é claro que eles não são, de forma alguma. Então, todos acabam sendo pró-capitalismo, à exceção de uma minoria de esquerda. O que vejo, entretanto, é um número cada vez mais significativo de pessoas pensando por que uma política anticapitalista é necessária. O mundo está resgatando o capitalismo de um desastre e lhe dá mais alguns anos de desempenho, mas ao fazer isso acaba por levantar questões: esse desastre será repetido daqui a alguns anos? E vai acontecer de uma forma que tornará as tensões ambientais ainda piores? São grandes perguntas que estão começando a emergir sobre o capitalismo como um modo de vida. O que secou na crise não foi o dinheiro físico, mas o crédito. O que os bancos deveriam ter feito? David Harvey: O capitalismo não funcionaria se não tivéssemos a opção de comprar agora e pagar depois. O sistema sempre se pautou pela criação de dívida como modo de geração de riqueza. O problema é que, ao mesmo tempo em que a dívida é necessária, não há uma maneira fácil para regular instituições financeiras. O resultado é que, desde o início, o mercado sempre esteve sujeito a booms especulativos. Ou se tem uma repressão financeira e nenhum tipo de especulação, mas a economia não cresce muito bem, ou libera-se a repressão financeira, a economia cresce, mas há muita atividade especulativa. A arte dos governantes, do presidente do Fed ou de autoridades financeiras é observar com muito cuidado quando se foi longe demais, o que não tem acontecido nos últimos 20 anos. A questão não é o que os bancos poderiam ter feito, mas como a sociedade pode usar o sistema bancário criativamente para ter resultados positivos e ao mesmo tempo regulá-lo para que não produza efeitos negativos. É uma forma de arte, não uma ciência. O senhor defende que as crises mudam geograficamente. Onde podemos esperar mudanças nos próximos anos? David Harvey: Se eu tivesse a resposta, saberia onde investir meu dinheiro, mas não te diria onde (risos). Mas eu não sei. O ponto de interrogação agora é o que está acontecendo na China. A China está focando na recuperação de um grande segmento da economia global, está consumindo metade dos suprimentos de aço e cimento do mundo, é uma imensa força econômica hoje. A questão é: o boom chinês pode continuar? Ou está passando por uma fase especulativa que vai estourar? Para se recuperar dos impactos que sofreram nos mercados de exportação em 2009, eles desregularam seu sistema bancário e disseram basicamente aos banqueiros: “Emprestem, emprestem, emprestem”. O mercado imobiliário em Xangai dobrou em valor em um ano. O preço dos imóveis em todo o país cresceu como nos Estados Unidos em 2003, 2004 e 2005. Eles construíram cidades inteiras com ninguém morando lá e têm um novo e vasto sistema de transporte. Se esse boom entrar em colapso, a demanda por soja vai cair, e vocês estarão encrencados no Brasil. A demanda por cobre vai cair, e o Chile estará encrencado. A demanda por aço vai cair, e a Austrália estará encrencada.”

Para quem desejar ler a entrevista na íntegra clique aqui.

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