terça-feira, janeiro 22, 2013

"Imprensa e politização"

O site Observatório da Imprensa publicou ontem texto do Luciano Martins Costa sobre matéria do Estadão que merece ser lido:

"Imprensa e politização"
"A edição de domingo (20/1) do Estado de S.Paulo trouxe como manchete levantamento feito pelo Ibope a pedido do jornal paulista, no qual se revela que a maioria dos brasileiros não tem preferência partidária: no final de 2012, época da consulta, 56% declararam não apoiar nenhum partido específico, enquanto 44% tinham algum partido preferido. Em 1988, os números eram invertidos, com 61% partidarizados e 38% sem preferência.

Segundo o diário, a indiferença dos cidadãos em relação a siglas partidárias é resultado dos escândalos políticos dos últimos anos, em especial o que envolveu dirigentes do Partido dos Trabalhadores. No entanto, embora tenha perdido popularidade desde março de 2010, o PT segue sendo a agremiação com maior número de adeptos, o equivalente a 24% do total.

Uma análise cuidadosa da reportagem, confrontada com outros textos sobre o mesmo tema, revela que houve um esforço de edição por parte do jornal para forçar o entendimento de que o PT teve a maior perda entre os partidos. Os números, porém, indicam que o PMDB, com 6%, e PSDB, com 5%, segundo e terceiro colocados, ainda estão muito distantes do Partido dos Trabalhadores em termos de popularidade. Além disso, não há revelações inéditas no estudo, uma vez que a redução da credibilidade dos partidos políticos é em fenômeno comum a todas as democracias do Ocidente.

Base da pirâmide

Também não é verdadeira a afirmação do Estado de S.Paulo de que a consulta do Ibope revela que “apartidários são maioria no País pela primeira vez desde a redemocratização”, como anuncia o título da reportagem. Em maio de 2012, uma pesquisa do Vox Populi já revelava que 60% dos consultados não simpatizavam com nenhuma legenda política.

Por outro lado, convém analisar o valor desses números: em qualquer circunstância, conforme já observava o jornal gaúcho Zero Hora naquela ocasião, um engajamento partidário de 44% da população é um número nada desprezível.

No subtexto da reportagem do Estadão se pode encontrar, com facilidade, referências a circunstâncias tipicamente brasileiras, como os efeitos de escândalos e a rotinização da democracia, que tende a reduzir o engajamento dos cidadãos. No entanto, a perda de credibilidade dos partidos políticos é tema de estudos em todo o mundo, e aparece até mesmo em uma análise sobre as eleições israelenses, em reportagem do Globo publicada na segunda-feira (21/01): “Ex-líder trabalhista diz que a época de grandes legendas acabou”, diz o texto.

O retrato pintado pelo Estadão no domingo fica mais completo na edição de segunda-feira (21), na coluna do jornalista José Roberto de Toledo, que dá seguimento às análises do estudo publicado na véspera. Resumidamente, ele observa que o PT perdeu adeptos principalmente entre os brasileiros mais ricos, que migraram para o PSDB. “Pela primeira vez, há mais brasileiros com renda superior a dez salários mínimos que se dizem tucanos que petistas: 23% a 13%, segundo o Ibope”, diz o texto.

No entanto, a mudança de perfil não se deu apenas porque os mais ricos e educados deixaram de apoiar o PT, mas principalmente porque a base do Partido dos Trabalhadores foi inflada por cidadãos que ingressavam na nova classe de renda média. Na verdade, constata o colunista, o PT vinha perdendo apoiadores entre os mais ricos desde junho de 2001, quando 35% dos brasileiros de renda mais alta se diziam simpatizantes do partido. Esse fenômeno não era percebido, em parte, por causa do crescimento do PT na base da pirâmide, impulsionado pela grande popularidade do então presidente Lula da Silva.

Tudo a ver

O PSDB só começou a crescer entre os brasileiros de renda superior a dez salários mínimos a partir de 2010 – e aqui se pode misturar uma série de fatores, desde o bombardeio da imprensa sobre o tema da corrupção até o desconforto da elite com aeroportos lotados pela classe emergente.

Mas um elemento importante desse estudo, que é abordado ligeiramente por Toledo, ainda está por ser radiografado: o Partido dos Trabalhadores perdeu espaço principalmente entre os leitores de jornais e revistas.

Esse aspecto da consulta do Ibope precisa ser visto por dois ângulos opostos: os leitores de jornais e revistas abandonaram o PT por causa do intenso noticiário sobre escândalos políticos, ou os petistas abandonaram a leitura de jornais e revistas pela mesma razão?

Assim como o PSDB se transforma em partido de elite, mais conservador e homogêneo, também a imprensa passa por um fenômeno semelhante: tudo a ver?

Mas esse é tema para estudos mais profundos, que certamente os jornais teriam pouco interesse em publicar."

2 comentários:

Gustavo Alejandro disse...

Faltou a Luciano Costa se fazer mais uma pergunta: antes de 2001, o PT era um partido de elite, conservador e homogêneo?

Roberto Moraes disse...

Gustavo,

Preferência na elite antes sim.

O que muda a meu juízo é a inclusão na classe média que faz percentualmente, o PT ter mais base neste segmento do que nas classes mais altas.

Também não é difícil intuir que há uma tendência desta base se tornar mais conservadora no temor de perder o espaço conquistado.

Homogênea eu não acredito, mas, majoritária segue o raciocínio anterior.

Porém, há muitas leituras a serem feitas, cada um a seu gosto, da pesquisa. Esta é a virtude do artigo de análise sobre a matéria e a sua forma de abordagem, mesmo, que se tenha pontos de discordância, já que é natural e bom que seja assim, especialmente, nos artigos de opinião.

Vale a conferida na matéria original no Estadão:

http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,brasileiros-que-se-dizem-apartidarios-ja-sao-maioria,986584,0.htm

E também na outra de ontem que repercutiu a matéria original:

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,petistas-e-tucanos-de-ponta-,986759,0.htm

A liderança folgada do PT na preferência em meio ao crescimento do descrédito da política e das questões partidárias e a questão da influência limitada da velha mídia são as questões relevantes da reportagem e que geram os debates que já conhecemos.