segunda-feira, abril 23, 2012

Vida a dois entre a Democracia e o Capitalismo com Novaes


Com um texto curto, didático, saboroso e leve, o escritor Carlos Eduardo Novaes produziu uma pérola para se entender o mundo atual e os sistemas políticos. O artigo foi publicado em O Globo, no dia 12 de fevereiro passado e foi sugerido ao blog pelo professor Hélio Gomes Filho:

 “Vida a dois
“Juro que nunca entendi muito bem este casamento do Capitalismo com a Democracia. É claro que ambos precisariam encontrar um parceiro diante da impossibilidade de tocarem suas vidas, sozinhos. O Capitalismo é um sistema econômico e depende de um regime político que o mantenha de pé e lhe permita ganhar dinheiro. Já a Democracia é apenas uma boa moça que necessita de alguém que a sustente e pague suas despesas.

Digamos que o Capitalismo entrou em um desses sites de relacionamento de casais e deu de cara com a Democracia.

- É com essa que eu vou! – berrou o Capitalismo.

Casaram-se e, como acontece nos casamentos, os primeiros anos foram de juras de amor eterno. Com o tempo, porém, as crises começaram a pipocar. O Capitalismo sempre foi um tipo instável, temperamental, sem princípios sólidos, que gosta de caminhar sobre suas próprias regras. A Democracia por um momento chegou a pensar que ele só se casara com ela para desfrutar do seu ideal de igualdade.

Tiveram dois filhos, a Bolsa e o Mercado. A Bolsa saiu ao pai, um temperamento ciclotímico e um comportamento cheio de altos e baixos que provocou uma crise monumental em 1929 e quase levou o casal à separação. O Mercado, filho querido, cresceu e passou a tomar conta dos negócios do pai. Ganhou fama, e sempre que surgia um problema, alguém gritava: “Deixa que o Mercado resolve!” Às vezes, o Mercado metia os pés pelas mãos, o pai entrava em crise e logo chamavam a mãezona .

Nos primeiros anos do século passado, um casal gay — Comunismo e Totalitarismo — instalou-se na casa ao lado, separada por um muro, e passou a infernizá-los. Barbudos, mal encarados, não havia um dia que não aparecessem na janela para xingar os vizinhos. Foram mais de 70 anos de difícil convivência, uma guerra surda (chegou a ser fria).

Até que no final dos anos 80 o muro veio abaixo. Sua queda expôs a indigência da casa desmascarando as bravatas do casal gay (que se mudou para uma casinha no interior de Cuba). O Capitalismo
soltou foguetes.

Não demorou muito, em 1997 — menos de 10 anos após a queda do muro — Bill Clinton, o afilhado preferido do Capitalismo, alertou o padrinho para não ir com tanta sede ao pote.

— Eu quero é mais! — bradou o pai do Mercado, se sentindo dono do mundo

Não deu outra: jogando solto, sem ter que dar satisfações a ninguém, o Capitalismo perdeu a noção de limite e acabou mergulhando em uma crise existencial que parece não ter fim. A Democracia achou que deveria alertá-lo para o descontrole nas finanças do casal.

— Você não se mete — disse ele. — Você não entende nada disso!

Hoje ele respira por aparelhos. Uma junta médica reunida em Davos para diagnosticar seus males admitiu que para recuperar a saúde (e o prestigio) o Capitalismo teria que promover mudanças profundas no seu comportamento.

Sua mulher tenta ajudá lo:

— Você precisa ser mais humano, mais solidário, mais preocupado com o meio ambiente. Deixar de pensar tanto em dinheiro, ser menos ganancioso...

— Como? — reagiu ele, certo de que não vai morrer. — Se eu mudar em tudo que estão me pedindo vou deixar de ser o Capitalismo! É isso que você quer? É isso?

A Democracia não respondeu. Virou-lhe as costas e saiu resmungando:

— Eu devia ter me casado com o Socialismo!”

9 comentários:

denis disse...

Texto brilhante, resume toda a história do último século e início deste com perfeição. Triste é vermos que não só o capitalismo está na UTI, prevendo que um dia morra, ou que um dia haja diferente, mas vemos a democracia, cansada de tentar por um freio na ambição do marido perder força nos países já capitalizados, onde as populações são as que mais sofrem com toda essa briga de casal. Em contrapartida presenciamos pelo mundo a fora várias bandeiras em países “menos democráticos” se levantarem exigindo o que temos na maior parte dos países. Incrível que com todos os avanços da humanidade ainda continuamos como formiguinhas de uma democracia disfarçada e de um capitalismo voraz.

Anônimo disse...

Roberto, na história não existe SE. Mas SE existisse...

Às vésperas do casamento Democracia estava eufórica com a cerimônia, afinal, seu noivo era tudo o que ela esperava: rapaz de princípios, galante, respeitoso, carismático e sedutor. Dizia-se estável financeiramente. Tinham tudo para dar certo.
Como soem acontecer nas festas, começaram a preparar a lista dos convidados. Socialismo, moço engajado, amigo de muitos intelectuais, estudantes, gente abastada e trabalhadores, achou que devia convidar todos para a festa. Afinal todos tinham direito de participar do regabofe. Democracia preferia uma reunião mais íntima, e argumentava que não haveria comida e bebida para todos. Ela ficou preocupada com os gastos da festa. Quem pagaria?
De família classe média, Democracia vivia bem, mas sabia que as contas, um dia, tinham que ser pagas. Seu noivo foi taxativo: Se não fosse permitido ao povo participar da festa, não haveria casamento. Criou-se um impasse, pois mesmo querendo convidar todo mundo, Socialismo não disse como custear a festa. Democracia, seduzida por aquele jeito rebelde do noivo, assentiu, mesmo sabendo que isso poderia dar problema.
Convidaram todos. Pelos jornais, como convinha a um casamento politicamente correto.
Socialismo e Democracia pareciam feitos um para o outro, mas tinham discussões intermináveis sobre os detalhes da festa. Ela queria a opinião de todos e ele, apesar de aparentar ser preocupado com os convidados, só fazia o que queria. Sempre pensando em ficar bem no altar. A noiva se preocupava porque se casaria com alguém que gostava de fazer cortesias, distribuir presentes que vinham em bolsas, incluir minorias e cotas para tudo, mas que nunca dizia quem pagava a conta. Ela sabia que, no final, a sua família teria que pagar.
No grande dia, Socialismo estava lindo, parecia que queria ficar ali para sempre posando de bom moço. Mas na porta da casa de festas (Socialismo se recusou a casar na Igreja) tinha tanta gente que foi impossível a noiva chegar. Lá também já estavam muitos cobradores exibindo as contas da festa que já estavam vencendo. Habilidoso, o noivo convenceu os credores a passar mais tarde prometendo quitação e alguma compensação. Ao povo que se aglomerava, nada disse. Socialismo sabia que para aparecer bem na foto tinha que ter povo no fundo.
Democracia achou que seu noivo não fazia questão da sua presença e desistiu de casar ali mesmo, a caminho do altar. Antes só que mal acompanhada!

Anônimo disse...

Socialismo?

Mas o que seria exatamante socialismo?

Os que se dizem de esquerda dizem que são "socialista". E aí se incluem os comunistas.

Mas o fato é que ao assumirem o poder, regras elementares de capitalismo são mantidas.

Ora, se num determinado regime existe propriedade privada e livre iniciativa, ele é capitalista (mesmo que se diga que não é).

O que pode ocorrer é um regime com maior ou menor intervenção do Estado, visando regular o mercado. Mas se o mercado existe, existe capitalismo.

Sem capitalismo, seja com maior ou menor intervenção do Estado, os homens não progridem e as sociedades tendem ao fracasso, como ocorreu e ocorre nos regimes genuinamente sem economia de mercado, sem livre iniciativa, sem propriedade privada.

Na realidade, a defesa de um "socialismo" se presta é para que os políticos assumam o poder prometendo ilusões. E o pior é que esse tipo de politicagem dá certo até hoje.

Anônimo disse...

Democracia se casar com socialismo? Depende de qual tipo de socialismo.

Para a democracia sobreviver casada com o socialismo, só se ela for amante do capitalismo, pois do contrário não sobreviverá. Ou seja, cornear o socialismo.

A China está se voltando para o capitalismo.

Enquanto era genuinamente comunista não progredia.

Agora que está se amaziando com o capitalismo, está progredindo. Até automóveis eles estão exportando.

E Cuba continua, a duras penas, com os carros antigos fabricados nas décadas de 40 e 50 nos Estados Unidos

NATALIA GOMES disse...

Capitalismo e segregação social, são coisas(grandezas) diretamente proporcionais. A medida que o capitalismo aumetna suas fronteiras, a segregação, aumenta.

Roberto Moraes disse...

A diferença é o pensamento e a defesa do coletivo em detrimento do individual.

Anônimo disse...

Sim, a defesa do coletivo em detrimento do individual... mas ainda não posta em prática, a não ser nos devaneios primitivistas de hippies.
No mais, ouso afirmar que a democracia vai com qualquer um, com quem a queira, como uma "dadivosa"; entretanto, somente o capitalismo a quis de fato e de direito, até hoje. Todos os socialistas, a pretexto de democracia "coletivista" reduziram a pó o indivíduo, ou o transformaram em massa amorfa, em benefício de membros oficiais do santo ofício partidário: vide todos os casos de países socialistas que a história pariu.
Socialistas: ou são doces sonhadores / utópicos jovens; ou são recalcados vingativos / raivosos adultos infelizes.
Ai, ai.
Alguém aí vê o quanto de religiso, de judaico-cristão, têm essas teses ditas socialistas?

Anônimo disse...

O coletivo só existe se existir o individual. Sem o indivíduo livre para empreender, não existe o coletivo.

Basta só comparar hoje:

A Coréia do Norte,comunista, onde a fome impera em detrimento dos governantes invejosos, exploradores e assassinos;

A Coréia do Sul, onde impera o Capitalismo, prosperidade, educação de primeira qualidade, e exportando produtos de qualidade para o mundo todo

Roberto Torres disse...

Tenho uma visao diferente. Socialismo nao é o coletivo em detrimento do individual, assim como o socialismo nao é anti-liberalismo.

Marx diz que o comunismo seria a conciliacao da liberdade de cada um com a liberdade de todos. a questao do socialismo nao é apenas produzir igualdade. Igualdade pra que? Existe uma nocao de boa vida comum ao liberalismo e ao socialismo, que é o valor do desenvolvimento livre da personalidade. A diferenca talvez seja que o liberalismo condiciona este desenvolvimento somente à existencia de limites ao poder governamental, como se o simples fato de o indivíduo ser deixado "em paz" o permitisse desenvolver sua personalidadede, seja na vida privada, seja na vida pública (liberade negativa). Já o socialismo entende que é preciso mais: a pessao somente pode se desenvover livremente quanto tem acesso a recursos. Ai se inclui nao apenas recursos materiais, como tambem recursos simbólicos, sobretudo decorrentes da boas relacoes coletivas, na família, na escola, na comumidade, na municipalidade, no trabalho, nas artes, na religiao etc.

O socialismo entende que a liberdade individual nao é um dado; ela precisa ser fomentada coletivamente. O fim da igualdade é que todos tenham acesso às condicoes de desenvolver esta liberdade.

Neste sentido, o socialismo é herdeiro do liberalismo, ou sua forma mais avancada.

Ora, o que faz o capitalismo hoje senao destruir as bases da liberdade individual? Que escolha tem um desempregao vivendo na espanha? O capitaismo destroi a liberade na medida em que o critério econômico se sobrepoe aos demais. Isso vale pra democracia. Nao há democracia quando partidos, governos precisam formular seus programas premidos pela necessidade de agradar ao capital.

Nao há democracia quando a mídia monopolista faz crer que nao há outro caminho. Lembram dos juros?

Claro que parte significativa da tradicao socialista se distancia do liberalismo e vice-versa.

Um autor contemporaneo que tenta percorrer este caminho,ressaltando o componente "liberal" da tradicao de esquerda, é o filósofo brasileiro Mangebeira Unger.