sábado, junho 27, 2009

Vida e morte do hoje indigente

A figura em desalinho e a situação de mendicância que ostentava hoje não condiziam com os tempos áureos de Antônio. Na boa época era requisitado para serviços de decoração na casa e estabelecimentos de muita gente abonada em Campos. Nesse tempo também era possível vê-lo na Pelinca vendendo seus quadros e artesanatos. Morava há muitos anos no Parque Tamandaré, onde circulava de walkmachine, roupa de couro e bandana na cabeça. Talvez sua imagem mais marcante, que metia medo em mim e, por certo, nas demais crianças à época. Era figura reclusa. Virou morador de rua e começou a definhar quando expulso da casa em que morava de favor, ali na esquina da Visconde de Inhaúma com Almirante Wonderkolk. Era de interesse da proprietária, antiga cliente, vender a casa onde hoje erige prédio imponente. A especulação imobiliária e o adensamento de pessoas tem seus reflexos. Talvez lhe fosse assegurado usucapir, já morava no local há tempo. Mas os sinais de debilidade mental também começavam. Orgulhoso se recusava a deixar o bairro, dizia ser aquele seu lugar e onde queria morrer. Diante das recusas não era permitida sua remoção e tratamento. Daí valer o debate acerca do pretenso determinismo atribuído a certos moradores de rua, escusa para mantê-los em sua situação caso assim desejem. -Atenta contra a vontade pessoal-, dizem alguns. -Limpeza étnica-, se arvoram outros mais exaltados e nada propositivos. Aos reais interessados e desvalidos, de um modo ou de outro, persiste a situação de marginalização. Nos últimos dias já não levantava sozinho, permanecendo sentado quase o dia todo, ainda assim, valia mais sua “vontade”, impeditiva de sua remoção e tratamento, do que sua dignidade enquanto pessoa humana. Chamados os bombeiros não poderiam intervir, sabe como é, não fazem remoção quando pessoas se encontram dentro de suas casas. Ainda que sua casa seja o quintal de uma casa que não é sua. Nessa madrugada Antônio morreu. A única deferência que lhe foi feita é uma patrulha e dois PMs, que velam seu corpo ainda não removido desde a manhã de hoje.

4 comentários:

Anônimo disse...

Boa noite

Caro Professor,

Gostaria de fazer apenas um breve comentario sobre o "Antônio" falecido hoje, Mas conhecido como Tomy. Trabalho em comercio a muitos anos onde durante muito tempo ele prestou serviços como vitrinista e muito talentoso por sinal. No passado já foi lojista, teve loja no parquecentro e tambem em Grussai dentro do Club,infelizmente foi mais uma vítima das drogas, sem força para se levantar foi ao fundo do poço. Que a sua alma descanse em paz e a sua passagem pela terra sirva de reflexão para todos.

Um bom final de semana para você e seus leitores,
Everaldo.

Anônimo disse...

Roberto, lindo o seu depoimento sobre a morte de Antônio. Graças a Deus descansou da vida sofrida, desprezada, maltrapilha que lhe foi oferecida por um longo tempo. Artista plástico tão solicitado pelo comércio local, decorou alguns carnavais do Grussaí Praia Clube, vendida suas bugingangas de papelão( chegou a confeccionar um presépio de papelão tão bonito) e, assim fez outros trabalhos... No final da vida teve sua "vida" resumida a três ou quatro sacolas de plástico, um prato laminado que fazia de chapéu e, uma sandália de dedo com lantejoulas velhas pregadas. Quantas vezes sugeri que a Promoção Social tomasse conta do caso, quantas alertas foram feitas nos blogs. Nada foi concretizado. Agora, Tomy`s , como gostava de ser chamado é apenas saudade da rua que lhe abrigou nas noites de chuvas e nas madrugados de luar. Morreu só...

Anônimo disse...

Como o Bruno, eu também não conheci o Antônio, mas confesso que fui tomada de um sentimento de humanidade singular, ao ler o texto de vocês neste final de tarde.
Saber que a vida de tantos outros Antônios, Marias, ainda têm importância e que ainda sensibiliza pessoas como vocês a registrar as suas histórias, pode apontar para a construção de um outro mundo possível.
Bom final de semana a todos,
Ana Maria

Mr. Apple disse...

Sinceramente, fico triste e impressionado com a história deste homem. Infelizmente, a insensibilidade humana está cada vez maior. É uma falta de respeito com o morto, pelo menos antigamente meus pais não deixavam eu ligar o rádio com volume baixo em sinal de respeito. Mas será que era só por que um indigente, ou seja, por não ter ninguém, que o Pagode "corria solto" e que o falecido desmerecia o respeito?
Voltando a história dele, alguém pode confirmar, caso eu tenho entendido errado: O Tomy, um negro, alto e magro de cabelo branco que andava de walkmachine pela Pelinca era o mesmo senhor negro com que perambulava com um saco na cabeça pela mesma região? Caso alguém possa confirmar a minha pergunta, só aumentaria a história lamentável e dolorosa desse homem e que "sua passagem pela terra sirva de reflexão para todos", como já dissera anteriormente o Everaldo.