segunda-feira, maio 21, 2012

Contra a shoppinização da vida e das cidades


O arquiteto Janot fez uma crítica, em seu artigo publicado sábado, em O Globo, sobre os hábitos modernos do consumismo que vão modelando a vida nas cidades, que assim vão ficando cada vez mais iguais, entre aqueles que identificam no consumo a razão de trabalhar e de viver. Há algo melhor a se fazer em nossas vidas.Vale a nossa reflexão:

“Templos para o consumo”
“Há um contingente significativo de pessoas que acham normal viver enfurnadas em shoppings”
Luiz Fernando Janot – Publicado em 19/05/12 em O Globo

“Com a consolidação da sociedade industrial, a partir da segunda metade do século XIX, diversas cidades europeias passaram por um processo radical de urbanização para se adequarem às transformações econômicas e sociais que ocorriam naquela época. Paris foi a cidade que melhor representou esse momento com a construção de um espetacular conjunto de avenidas, praças, parques, monumentos, belos edifícios residenciais e uma grande variedade de lojas e magazines sofisticados. Até hoje essa valiosa imagem se mantém conservada e despertando admiração nos que lá vivem ou que visitam a cidade. Trata-se, sem dúvida, de uma época significativa para a evolução urbana das cidades e a valorização das suas áreas centrais.

Com o passar do tempo, novos modelos de ocupação urbana começaram a aparecer, especialmente nas cidades americanas. Nova York, durante a primeira metade do século XX, se tornou o paradigma da cidade verticalizada e símbolo de uma modernidade renovadora. No entanto, com a popularização do automóvel e a construção de autoestradas, uma parte considerável da próspera classe média americana optou por morar em aprazíveis bairros residenciais na periferia e se locomover diariamente para trabalho localizado no centro da cidade. Essa tendência levou grupos empresariais a construírem, às margens das rodovias, diversos supermercados e centros comerciais para atender à demanda cotidiana dessa população itinerante. Da mesma forma surgiram os primeiros shoppings periféricos. Em geral, eram edificações desprovidas de qualquer preocupação estética que se assemelhavam a grandes caixas retangulares fechadas enfatizando apenas o caráter utilitário do empreendimento. Com o passar dos anos, esse despojamento inicial foi sendo substituído por projetos mais aprimorados para atrair novos consumidores.

No Rio, essa tipologia de estabelecimento comercial despontou, nos anos 1980, na Barra da Tijuca, onde o planejamento urbano privilegia os grandes espaços privados de uso coletivo como alternativa aos espaços públicos tradicionais. À medida que esse modelo foi se incorporando aos hábitos de vida da população, os empreendimentos se multiplicaram e aquele vasto território se transformou na maior concentração de shoppings da cidade. Do dia para a noite, esses equipamentos deixaram de ser exclusivos para compras e se tornaram, também, espaços para o lazer e o entretenimento. Ao fazer desse comportamento uma rotina, talvez uma parte significativa da população carioca esteja virando as costas para o valioso patrimônio natural e cultural que a cidade do Rio de Janeiro possui. Ou será que a exuberância do Rio já não é mais suficiente para contrapor a sofreguidão consumista que enclausura nos shoppings uma parcela considerável da sociedade? A resposta para essas questões exige uma reflexão apurada, principalmente quando se entende que o espaço público é, por natureza, o lugar ideal para o convívio democrático entre as diferentes camadas que constituem a sociedade.

É verdade que, nos últimos anos, a noção de cidade vem passando por uma radical transformação. Hoje, já existe um contingente significativo de pessoas que consideram absolutamente normal viver enfurnadas em shoppings e em megacondomínios multifuncionais sem contato direto com a cidade. São pessoas que, além de adotar um comportamento segregacionista, não medem as consequências negativas que a privatização dos espaços públicos causa nas cidades brasileiras. Todavia, não se pode negar que a proliferação dos shoppings se deve, também, à paranoica procura por segurança e a sua caracterização como uma espécie de território protegido dos conflitos da cidade.

Atualmente, no Rio, se nota a presença de grandes shoppings em bairros pobres que sequer possuem rede de esgoto e ruas asfaltadas. O contraste perverso entre esses locais sem infraestrutura e os bem cuidados ambientes dos shoppings contribui para a valorização dos espaços privados e a desvalorização dos espaços públicos. Para os moradores dessas áreas da periferia, os shoppings são vistos como verdadeiros templos para o consumo. Em sociedades com fortes desigualdades sociais, como a nossa, a cultura do consumismo desenfreado exacerba um estilo de vida que não está ao alcance de todos e, consequentemente, provoca frustração e discriminação social. Para que o Rio consiga se tornar, de fato, uma cidade sustentável e possuidora de uma urbanidade solidária nos espaços públicos é indispensável rever certos conceitos urbanísticos que estimulam a construção indiscriminada de shoppings em qualquer lugar da cidade.”
Luiz Fernando Janot é arquiteto urbanista. E-mail: lfjanot@superig.com.br.

3 comentários:

Anônimo disse...

Olha professor... eu, que era contra a tal "shopinização" da vida... agora torço para sair do meu bairro far west Jóquei para dar um pulinho no Shoping ver a civilização. Ô coisa boa !

Quase-Paróquia São Vicente de Paulo disse...

Quero aproveitar esse trecho para comentar.
" O contraste perverso entre esses locais sem infraestrutura e os bem cuidados ambientes dos shoppings contribui para a valorização dos espaços privados e a desvalorização dos espaços públicos. Para os moradores dessas áreas da periferia, os shoppings são vistos como verdadeiros templos para o consumo. Em sociedades com fortes desigualdades sociais, como a nossa, a cultura do consumismo desenfreado exacerba um estilo de vida que não está ao alcance de todos e, consequentemente, provoca frustração e discriminação social. "
Eu discordo em parte, creio que os shoppings sejam centro de consumo, mas não acolho a idéia de que shoppings desvalorizam a área, muito pelo contrário, valoriza.Seguindo o raciocínio do comentarista anterior disse, eu não vejo a hora de esse shopping que está previsto para ser construído onde é atualmente é o Rio Branco, ao lado do HGG, em Guarús. As pessoas de bairro de periferia também vão a esses lugares, tambem consomem, vão a cinemas, passeiam, entre outras coisas.Nós 'guarulhenses' quando queremos ver filmes no cinema como o "Os vingadores", temos que pegar um carro ou ônibus para ir ao Shopping Avenina 28 ou o Shopping Boulevard, quando uma pessoa quer comprar uma roupa de marca, a mesma coisa.Não quero interpretar a fala dele como um preconceito, mas eu acho que o que se deve desconcentrar aquilo que está concentrado demais.

arq/urb. Renato César Arêas Siqueira disse...

O nobre arquiteto e urbanista tem razão em grande parte de sua análise, especialmente nas consequências das relações dos habitantes com suas cidades devido a extensão territorial desproporcional, a cidade renascentista sofreu com isso. Também tem razão na falta de contra-partida ambiental pela implantação dos grandes empreendimentos, apesar de existirem instrumentos de gestão urbana, como Estudo de Impacto de Vizinhança, Outorga Onerosa e Plano de Ordenamento do Território (POT), dentre outros. Como maior implicador nestas questões está a lógica que privilegia o automóvel, e desmonta a noção de espaço público próximo, rareando equipamentos urbanos, como as praças por exemplo, que além de proporcionarem encontros, são verdadeiros elementos estratégicos que podem ser utilizados no controle ambiental das cidades,seja pela preservação de áreas infiltráveis, seja pela arborização urbana, visto os nossos logradouros serem cada vez mais impermeáveis e desarborizados.
Contudo, no caso dos shoppings, estes são um dos principais vetores de desenvolvimento, mas não obrigatoriamente replicantes aos moradores atuais das localidades periféricas onde são implantados, pois atendem a outra lógica: a do capital imobiliário, que irá proporcionar a médio e longo prazo uma profunda reedificação e consequente requalificação da infra-estrutura urbana, com edificações de padrão mais elevado, "expulsando" os moradores atuais para áreas mais remotas, haja visto nenhum empreendimento ser viável em áreas permanentemente degradadas ou sem a adequada infra-estrutura ambiental básica. Os grandes empreendimentos habitacionais fazem o mesmo. Há de se pensar em uma fórmula de consenso para esta difícil equação, que é inserir os moradores destas áreas periféricas; pode ser uma contra-partida interessante a qualificação ambiental, urbanística, destas áreas pelos grandes empreendedores. Por aqui, em Campos, o entorno dos Soppings 28 e Boulevard, este maior impacto, já sofrem estas mudanças, com oferta inclusive de imóveis para uso comercial. As na infra-estrutura, são mais lentas, mas irão acontecer. Existem o canal e área residencial, que se localizam na parte posterior do Shopping Boulevard, mas sequer o entorno possui rede de esgoto, portanto, é oportuno o Poder Público levantar a questão neste momento em que é anunciado para 2013 a expansão do Shopping Boulevard, afinal, não pega bem um empreendimento com este nome implantado em ambiente com sérios problemas ambientais, inclusive o viário.