sábado, abril 09, 2016

“Não é golpe, é muito pior”

O jornalista Felipe Pena, também conhecido como Peninha, que assina o texto abaixo era arroz de festa dos programas da Globo News. Da mesma forma, possui um espaço no extra, blog e se não estou enganado, uma coluna no jornal impresso da famiglia dos Marinhos.

Porém, sempre pareceu uma pessoa com boas posições. Vendo o texto abaixo, identifico que manteve sua coerência e visão crítica intactas.

Assim, o golpe fica cada vez mais claro e ele é muito mais nocivo do que a sua naturalização pode sugerir. As narrativas e suas formas de construção que a Marilena Chauí tão bem explica no livro "O mito da competência" nos mostram como eles podem nos levar ao inferno e até ao fascismo. Para mim, a ordem aí parece indiferente.

Confiram:

"Não é golpe, é muito pior"
Felipe Pena

"Você está sendo enganado, caro leitor. A trapaça narrativa funciona em três etapas. Na primeira, um sujeito pergunta qual é o contrário de preto e alguém responde que é branco. Em seguida, ele pergunta qual é o contrário de claro e alguém responde que é escuro. Por último, o mesmo indivíduo pergunta qual é o contrário de verde, mas ninguém responde, pois isso, obviamente, não existe.

Só que não é verdade. O contrário de verde é maduro, embora você não tenha pensado nisso. O problema é que fomos induzidos a pensar em termos cromáticos, esquecendo que um raciocínio mais complexo nos levaria a ver outros lados da questão.

A narrativa do impeachment carrega o mesmo vício. Quando um jurista é perguntado se o impedimento da presidente é golpe, ele responde que não, já que o instrumento está previsto na constituição. Ou seja, é branco, não é preto. Mas se a pergunta vier acompanhada do termo "sem crime de responsabilidade", a resposta será diferente. Nesse caso, como tal crime está sujeito a interpretações, pode ser golpe. E há muitos juristas que acreditam nisso. Ou seja, o contrário de verde existe e é muito provável que seja a palavra "maduro". É muito provável que seja um golpe.

O golpe, no entanto, não é apenas na presidente. Se o pensamento da população é conduzido por uma narrativa viciada e massificada, o golpe é em todos nós, que acabamos caindo em uma espiral de concordância sem crítica, tratados como boiada, uma simples massa de manobra.

Já faz alguns anos que somos inundados com um enredo sobre a crise que culpa apenas um partido. É muito provável que ele seja culpado, mas será o único? Não deveríamos pensar na responsabilidade do Congresso, dos empresários corruptores e na nossa própria parcela de culpa?

E o que dizer sobre os motivos para o impeachment? Será que estamos informados sobre as tais pedaladas fiscais? Você, caro leitor, sabe o que elas significam e por que foram apresentadas como razão para derrubar a presidente? Você sabe que o processo foi aceito por um presidente da câmara que é réu no STF? Sabe que, em caso de impeachment, assume o partido que está há trinta anos no poder e tem diversos envolvidos na operação Lava Jato?

O jornalismo não é o espelho da realidade, como nos fazem acreditar. O jornalismo ajuda a construir a própria realidade através da narrativa dos fatos, que se dá pela escolha de linguagens, entrevistados, ângulos etc. Tais escolhas são feitas por indivíduos que têm preconceitos, juízos de valor e diversos outros filtros. Inclusive o autor deste texto, de quem você deve desconfiar em primeiro lugar.

Não vai ter golpe se você fizer uma crítica constante da informação que recebe.

Não vai ter golpe se você procurar ouvir os diversos lados da questão.

Não vai ter golpe se você descobrir que o contrário de verde não é amarelo. Nem vermelho."

Felipe Pena é jornalista, psicólogo e escritor. É autor de 15 livros, entre eles o romance Fábrica de Diplomas."

Um comentário:

Anônimo disse...

Professor, tem notícias sobre a ponte entre SFI e SJB? As obras estão paradas?