quinta-feira, junho 23, 2016

"A venda da malha dos gasodutos do Sudeste pode bagunçar o mercado"

Quem acompanha o blog com alguma regularidade sabe que o blogueiro se dedica a observar com algum esmero, e sempre de forma crítica, alguns dos fatos do cotidiano, procurando interpretar as relações e interesses que os movem.

É uma leitura. Sempre haverá outras. Porém, de forma especial no atual momento da política e da economia nacional, controlada por forças golpistas e entreguistas, é mais que nunca necessário levantar questões escamoteadas ou "adormecidas". Assim, seguimos neste esforço.

É neste contexto que o setor de petróleo e gás, em suas diversas dimensões tem exigido um maior tempo de observação e análises. Em seu interior agem campos de forças e de enormes interesses no âmbito do país e geopolíticas. Há em seu interior muita coisa em jogo.

Seguindo nesta linha, o blog se deparou com uma fala do conhecido consultor da área, Adriano Pires. Ele foi o organizador do programa de energia do candidato tucano Aécio Neves à presidente.

Pires é também conhecido com um dos grandes defensores das privatizações ("desinvestimentos") da Petrobras, de retirada da obrigação da Petrobrás atuar em todas as operações da área do pré-sal com pelo menos 30% e ainda questiona a Política de Conteúdo Local (PCL), etc.

Pois bem, o mesmo [Pires] em matéria de meia página (P.A5) no Valor, na segunda-feira (20/06), cujo título é "Regulação falha ameaça transporte de gás" afirma textualmente que "a venda da malha dos gasodutos do Sudeste pode bagunçar o mercado".

Mapa gasodutos Sudeste (parte)
A reportagem chamou a atenção do blog que já fez amplos questionamentos e críticas, sobre a venda de empresas do setor de gás da Petrobras, incluindo a malha de dutos da região Sudeste, hoje já separada daquela do restante do país, com o nome de "Nova Transportadora do Sudeste" (NTS).

Uma destas postagens, mais especificamente foi publicada aqui, no dia 2 de junho de 2016 e interpreta como o setor é estratégico não apenas para a Petrobras. O Gás Natural (GN) é também estratégico para a Shell e outras petroleiras mundo afora.

Assim, foi uma das principais justificativas para a mesma Shell adquirir a petroleira inglesa BG, por conta de seus ativos, no pré-sal brasileiro, pela bagatela de US$ 53 bilhões, valor equivalente à metade da dívida da Petrobras.

Pois bem, em meio a este cenário, o Pires afirma com todas as letras que a venda da malha de gasodutos do Sudeste (Nova Transportadora do Sudeste - NTS), com cerca de 2,5 mil quilômetros de extensão, significará a transferência de um monopólio estatal para empresas privadas, sem nenhuma legislação de regulação, o que permitiria à empresa compradora praticar as tarifas que desejar no mercado de distribuição do gás em território brasileiro.

É importante saber que atualmente no Brasil, a Petrobras controla tudo que diz respeito ao gás natural de forma integrada. É a única produtora, transportadora e importadora de GN.

Desta forma, a venda da malha de gasodutos do sudeste (NTS), já em processo acelerado e articulado (com direito a exclusividade até 12 de julho, extensível por um mês), para a gigante canadense do setor de infraestrutura e energia, Brookfield (que está adquirindo diversos ativos no Brasil, depois do barateamento dos mesmos com a mudança cambial), por US$ 5,2 bilhões é uma mais uma "temeridade" entre os vários absurdos que se tem visto.

Observe que até um privatista convicto está chamando a atenção para o problema afirmando que a mesma vai bagunçar o mercado. Mais. Ele Pires diz que "sem regulação forte, o novo dono dos gasodutos vai se apropriar de uma receita de monopólio".

É oportuno recordar que mesmo, no capitalismo, os riscos do repasse para a iniciativa privada, de áreas de produção e serviços que são exercidas em monopólio é sempre um enorme risco. Na verdade, uma excrecência, porque permite a geração de excedentes econômicos (lucros) sobre os usuários que não vão poder exercer, autonomamente, o direito de opção de mercado, por outro fornecedor ou prestador de serviços.

Assim, se observa que a correria para a venda e a privatização das empresas nacionais supera até os mínimos necessários de processo de regulação, que no período FHC, justificou a criação das agências reguladoras no país.

Para se ter ainda mais noção do quanto é estratégico o gás natural na matriz mundial de energia, vale saber que a Agência Internacional de Energia (AIE) prevê que em 2040, o GN vai crescer percentualmente, tanto quanto as energia renováveis e em proporções próximas, à redução do uso do petróleo, a qual estará praticamente igualado, em termos de percentuais de uso. Vide matriz ao lado (2013-2040) da WEO/AIE:

No caso brasileiro o GN é ainda mais significativo, porque a Bacia de Santos e as reservas do pré-sal estão se mostrando com potencial de gás, bem superiores em relação ao óleo do que a proporção que se extraía na Bacia de Campos. E como já se sabe, o GN é ambientalmente bem mais sustentável e muito menos poluente.

Portanto, mesmo para os menos esclarecidos no assunto, a venda da malha de gasodutos da região Sudeste é o que chama de "filé" do setor, exatamente porque esta malha está onde se situam os campos produtores e o maior mercado consumidor do Brasil.

Nestas condições o caso é mais do que crime de lesa-pátria. Observe que o caso envergonha até quem defende estado mínimo e o mercado.

A que nível se está chegando, em termos de radicalização do liberalismo não apenas na economia controlada pelos bancos, mas também na entrega das nossas limitadas infraestruturas construída com o suor e o trabalho de nosso povo e da nossa maior empresa.

O fato atingirá a todos nós. Evidente que este assunto tende a ficar restrito a pequenos círculos de especialistas e algumas pessoas mais bem informadas.

Assim, o blog insiste na ampliação da divulgação e conhecimento desta realidade, mesmo desacreditado dos controles regulatórios e jurídicos, mas acreditando na resistência da sociedade, em meio às dificuldades. Sigamos em frente!

Um comentário:

Anônimo disse...

A pequena mídia sobre o caso mostra a ignorância nacional.
A Arsesp regula o mercado de distribuição de gás em São Paulo, mas não tem poder para fiscalizar o transporte e nem a expertise necessária para tal, o que levaria anos e a muitos lapsos e prejuízos.
Nesse massacre, a Petrobrás se viu na necessidade da privatização, na surdina, algo desejado por muitos especuladores que patrocinam a cultura e política nacional.
As pesquisas financiadas por ela, e a tecnologia de ponta, serão apenas lembranças de uma empresa forte.