terça-feira, junho 14, 2016

O Porto do Açu vai se consolidando como um enclave americano no Norte Fluminense: interpretação de uma década

O empréstimo (investimento) da Overseas Private Investment Corporation (OPIC), agência financeira de desenvolvimento, vinculada ao governo dos EUA e com sede em Washington, ao empreendimento do Porto do Açu, no valor de US$ 350 milhões, anunciado ontem, pela Prumo, reforça a presença e os interesses americanos no Açu, São João da Barra, RJ.

O capital obtido pela Prumo será destinado a investimentos em obras para o terminal de transbordo de petróleo e a novas dragagens para aprofundar o canal de acesso do terminal e assim possibilitar a navegação de embarcações maiores calado que exigem mais profundidade.

Assim, é possível observar uma ampliação gradativa e crescente de investimentos americanos, em grandes proporções, ao empreendimento portuário do Açu.

Caminha-se assim, para uma espécie de “condado” americano no Norte Fluminense. (Segundo a Wikipedia, condado era na idade média, uma área doada pelo rei, à nobreza, por algum “mérito”).

Acompanhemos a relação dos negócios americanos no Açu:

1) O fundo ou banco americano EIG Energy Partners controla a holding Prumo que tem controle sobre diversas subsidiárias ligadas a empreendimentos no Porto do Açu.

2) O grupo americano Edison Chouest que arrendou área e opera uma grande base portuária, ainda em construção que também já atende contrato com a Petrobras no Terminal 2 do Porto do Açu;

3) A National Oilwell Varco (NOV) que está instalada do lado da Technip, com píer no Terminal 2 do Porto do Açu é também uma corporação americana, com sede em Houston, Texas e fabrica tubos, componentes e equipamentos ​​para operações de perfuração e produção de petróleo e gás.

4) A americana InterMoor que também tem sede em Houston, Texas, EUA também tem unidade construída, em área 52 mil m², arrendada, junto ao terminal T2. Possui cais de 90 metros no Porto do Açu, onde atua fornecendo vários serviços de apoio e engenharia offshore.

5) A francesa Technip se fundiu à americana FMC Technlogies antiga empresa americana da área de serviços especializados na área de petróleo.

6) Há previsão para que a petroleira americana Chevron possa também contratar área como base de apoio à exploração offshore, junto ao Porto do Açu, considerando que opera o campo de Frade na Bacia de campos que fica praticamente em frente ao Açu. A empresa hoje usa base no terminal capixaba do CPVV, em Vila Velha, ES.

Evidente que um porto privado e com atividades cada vez mais ligadas à cadeia global do petróleo e gás, ela tenderia a ter um mix considerável de participações de corporações estrangeiras.

Isto já atualmente, em diferentes condições: como investidor; como sócio dos negócios, ou simplesmente, como clientes por arrendamento das extensas áreas obtidas por compras ou pelas conflituosas desapropriações, áreas, ou contratações de serviços.

Assim, é o caso do fundo árabe Mubadala de Abu Dhabi que de um financiador dos projetos da holding EBX do Eike, se tornou sócio do fundo americano EIG, na holding Prumo Logística Global com atual participação de 6,7%.

Vista Aérea do T2 do Porto do Açu

Há ainda a sociedade da Prumo com a anglo-africana Anglo American no negócio de exportação de minério de ferro pelo terminal 1 (T1). Também, o negócio com a britânica BG, agora controlada pela anglo-holandesa Shell, que atuará em transbordos de petróleo entre navios de diferentes tipos e portes e que envolve também a empresa alemã Oiltanking.




Porto do Açu: MIDAs (5ª geração de Portos) e enclave no Norte Fluminense

Assim, a Prumo e o Porto do Açu foram ampliando as suas ações na atividade portuária no ERJ e Brasil. Pode-se até interpretar que seus empreendedores e sucessores não perderam com a crise econômica.

Como consequência, os empreendedores tiveram mais tempo para se consolidar, se adaptar ao cronograma atrasado e, principalmente, vencer com diferencial competitivo pela instalação já estar contratada e em curso, os outros projetos portuários que depois foram surgindo no litoral fluminense e sul do Espírito Santo.

É interessante observar a plêiade de corporações e interesses que o empreendimento, mesmo tendo perdido alguns contratos, foi reunindo ao longo do tempo, em função de oportunidades e acordos.

Da mesma forma se identifica como é tão pequena, proporcionalmente, ao que se vê na lista de empresas acima, a relação do porto com a cidade e a região.

E observe que tudo isto se dá depois de oito anos de início de sua construção e, praticamente, dois anos após o porto ter começado a operar, em 2014.

Pois bem, não é difícil identificar que esta é uma característica daquilo que nos estudos de desenvolvimento se chama de "enclave". De forma simples o conceito de enclave que dizer a instalação e delimitação de um território dentro de outro, com características distintas (tanto econômica, política, social e/ou cultural).

Os portos tipo MIDAs (Maritime Industrial Development Areas – ou Áreas de Desenvolvimento Industrial Marítimo e Industrial), a 5ª geração de portos, é normalmente instalado em regiões litorâneas, com grandes e amplas retroáreas e distantes dos aglomerados urbanos.

A concepção é a de aumentar a velocidade dos fluxos e ter pouca interferência e relação com as áreas urbanas e com as comunidades de moradores, por compreender que isto cria conflitos e retarda a produtividade das operações portuárias, que na contemporaneidade exigem fluidez.

Por isso, a relação com as comunidades e, mesmo o poderes políticos locais e regionais é fluida e mais voltada para atender seus interesses de despachos e desenvolvimento do seu projeto comercial.


É indispensável um maior diálogo – mediação - com as comunidades, que não seja cooptação

Compreender este processo é necessário para que a comunidade, os poderes políticos e os demais interessados na região – e com o nosso território - possam construir negociações e estabelecer regulações. Porque o empreendimento, mesmo instalado em áreas menos urbanizadas, produz como sabemos e temos registrado um conjunto enorme de impactos e conflitos (desapropriações, salinização da água e do solo, erosão da praia, etc.).

Erosão da Praia do Açu já prevista no EIA/Rima dos empreendimentos -
Postagem em 13/09/2015
De outro lado, o capital fixo instalado no Açu se reproduz e ganha valor na região atendendo aos interesses comerciais e financeiros dos empreendedores e, desta forma, é natural, no capitalismo – se ele não for selvagem - que as comunidades possam se apropriar de parte que seja, dos excedentes gerados pelo empreendimento do Porto do Açu. Se resumir aos tributos pagos é risível diante do porte dos ganhos em jogo.

Insisto que compreender este processo é fundamental para sair da bajulação estreita que alguns fazem do empreendimento, com uma espécie de “sinônimo pueril de progresso” – seja da mídia comercial paga para isto, ou pelos poderes políticos sem a mínima noção deste processo, e/ou, da negação da realidade da efetiva implantação e consolidação do empreendimento neste território.

Os processos de resistência e alertas para os impactos escamoteados são importantes, mas parece necessário que se atue para além, com a construção de mediações, às claras, não apenas para mitigações pontuais dos impactos, mas para elaboração de projetos com mais consistência.

Este movimento poderia contribuir para a redução da condição de enclave de um empreendimento fechado à comunidade regional, sem que se pretenda com isso instalar processo de cooptação de grupos, reduzindo os direitos de resistência e exposição dos conflitos, que serão sempre partes inerentes deste processo, em que se tem a aplicação de grande volume de capital sobre uma determinada região.


PS.: Sobre nossas pesquisas e observações no período de uma década (2006-2016):

Com esta descrição o blogueiro, como pesquisador do NEED/IFF e PPFH/UERJ, tenta sintetizar parte compreensão, sobre o período de uma década de pesquisa e observações empíricas sobre este processo de instalação do empreendimento junto de outros pesquisadores parceiros destas instituições.

Neste acompanhamento assistimos a verticalização em holding (grupo), a relação com as cadeias de valor global, com o setor exportador de minério de ferro e, especialmente, com o setor de petróleo e gás.

Nestas pesquisas ainda em andamento, também serviu de base de análise, o acompanhamento do momento da crise entre os capitais investido na EBX (em 2013), assim como a atual fase de baixa do ciclo petro-econômico, em todo o mundo e com significativa repercussão no Brasil e no ERJ.

A observação empírica sobre sistemas portuários em outras regiões do Brasil e do mundo, ajudaram a consolidar uma interpretação sobre este processo.

Nesta caminhada também se reforçou a convicção, de que mesmo no sistema atual é possível desenvolver projetos com menos impactos e mais mediações e resultados junto à sociedade, para além dos discursos veiculados nas mídias regiamente remuneradas. Para isso é necessário respeito para com outras opiniões e disposição para um diálogo. Sigamos em frente!

Um comentário:

Anônimo disse...

http://www.viomundo.com.br/denuncias/felipe-coutinho-alerta-as-multinacionais-do-petroleo-definham-a-petrobras-tera-igual-destino-se-adotar-o-mesmo-modelo-de-gestao.html