quarta-feira, agosto 17, 2016

Destruição nada criativa de 1 mil navios com o objetivo de elevar os fretes

Já vimos pés de café sendo queimados na década de 20 e outros produtos agrícolas, ou de origem pecuária, sendo descartados por excesso de produção, na busca da retomada de preços que justificassem sua "reprodução".

Mas é estranho demais imaginar que sejam sucateados milhares de equipamentos de transportes, num tempo de economia globalizada, de encurtamento das distâncias e de extrema fluidez das cargas, após uma extrema reestruturação produtiva ainda em curso.

Mas, assim é o mundo capitalista, cheio de paradoxos e contradições.

O caso a que refiro é dos navios utilizados para o transporte de cargas entre as nações e continentes. Acredito que a maioria saiba que as exportações e importações aconteçam massivamente por via marítima pelos quatro cantos do mundo.

Isto acontece especialmente depois do uso expandido dos contêineres, considerado como o equipamento que se transformou na espinha dorsal do processo de globalização, pela sua característica multimodalidade, que permite seu uso sobre os navios, trens, caminhões, ou ainda para armazenamento, mesmo que temporário nas bases portuárias ou outros.

Pois bem, segundo matéria do The Wall Street Journal de ontem, o barateamento, seguido e forte dos custos dos fretes marítimos, está levando a que cerca de 1 mil navios, com capacidade de transporte de 52 milhões de toneladas de carga - equivalente ao peso de 243 mil aviões tipo Boeing 747 vazios - sejam levados até a costa, cortados em pedaços e vendidos como ferro-velho ainda neste ano.

Este dado espanta ainda mais quando a reportagem diz que estes 52 milhões de toneladas de sucatas de navios descartados, é inferior ao que se teve em 2012, quando esta quantidade chegou a 61 milhões de toneladas.
Foto: Karan Deep Singh do The Wall Street Journal

Veja que o objetivo dos armadores (setor que opera os negócios) é retomar o preço do frete que teria abaixado demais. A reportagem diz que "o trajeto Ásia-Europa, a principal rota de transporte marítimo do mundo, a média dos fretes cobrados neste ano está em US$ 575 por contêiner, ante US$ 620 em 2015 e US$ 1.165 em 2014. Qualquer valor abaixo de US$ 1.400 não é sustentável, afirmam as operadoras de navios".

O caso me chama novamente a atenção para observar o sistema. Nem sempre o custo baixo é o objetivo do sistema por conta dos valores que se pretende apropriar.

Assim, a dinamarquesa Maersk Line, a maior transportadora do mundo pela via marítima, junto da alemã Hapag-Lloyd AG e a chinesa China Cosco Bulk Shipping Co. estão com 30% de capacidade ociosa para transporte no mar e por isto reclamam dos preços de frete atuais. Segundo estas corporações, os fretes estariam tão baixos que não conseguem, sequer, cobrir os custos com combustível.

Isto é um exemplo de capacidade instalada, acima da demanda. O caso limita também a produção de novos navios conteineros em estaleiros em todo o mundo, numa época que já se vive o fenômeno sobre o gigantismo naval e portuário que já foi objeto de um artigo aqui no blog em 17/04/2015.

Ainda, segundo a reportagem, "no período de cinco anos até 2015, as empresas de transporte encomendaram uma média de 1.450 novos navios por ano. Neste ano, as encomendas até julho recuaram para 292 navios, ou 11,6 milhões toneladas de capacidade de carga, segundo a Vessels Value, firma britânica que fornece dados do setor de transporte marítimo".

No caso dos navios petroleiros, o excesso de capacidade está sendo utilizado para armazenagem de petróleo, aproveitando os baixos custos do barril. Assim, os navios que são geralmente reciclados quando chegam a cerca de 30 anos de idade, agora a média de idade dos navios sendo reciclados estariam na metade do tempo, em torno de 15 anos.

Enfim, é um caso que chama a atenção e que não deve passar como um detalhe dentro da lógica do sistema hegemônico e tido por muitos como única solução em termos de civilização.

Para alguns os problemas estariam ligados também aos limites da produção e ao tipo de sociedade, diante do "tal mercado", que parece não ter mais como crescer, diante das desigualdades e da pobreza em boa parte do mundo. 

Assim, o problema não seria apenas do excesso de capacidade, mas também a desaceleração da economia mundial, com a redução das importações e exportações chinesas em especial.

A reportagem diz ainda que no ano passado, as importações chinesas de produtos da União Europeia recuaram quase 14%, enquanto as exportações da China para a UE caíram 3% no mesmo período. No primeiro trimestre deste ano, as importações chinesas vindas da UE foram 7% menores que no mesmo período de 2015 e as exportações para o bloco registraram o mesmo recuo.

Enfim, sigamos acompanhando a economia global em sua atuação e diversas contradições.

PS.: Atualizado às 12:46: para corrigir título.

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