domingo, agosto 07, 2016

Se a BR-101 tivesse sido concedida em 2001, no governo FHC, o pedágio hoje seria de R$ 11,77 e a duplicação de apenas 55 km não teria se iniciado

Este blogueiro faz uso sistemático da BR-101 e assim vem acompanhando as obras de duplicação e melhoria da rodovia federal, a partir do contrato de concessão assinado em 14 de fevereiro de 2008.

Porém, a luta pelas melhorias e duplicação da BR-101 entre a Ponte Rio-Niterói e a divisa com o estado do Espírito Santo, nos seus 320 quilômetros é bem mais antiga. Esta luta se iniciou no final do ano 2000, pela Ong Cidade 21 e mais sete entidades: OAB, ACIC, FAMAC, ANFEA e os sindicatos dos Trabalhadores Água e Esgoto, dos Bancários e Petroleiros de Campos.

Depois de várias mobilizações na rodovia, uma representação no MPF redundou numa ACP na Justiça Federal em Campos (2ª Vara Federal) que conseguiu através de uma liminar suspender o leilão de concessão que estava em curso pelo governo FHC. Outra liminar no TRF manteve a decisão que conseguiu impedir o leilão até o final daquele governo.

A resistência da sociedade se dava porque o modelo de concessão destes 320 km da rodovia BR-101 na época de FHC se baseava num estudo feito pela empresa Engespo Engenharia Ltda., entre 1998 e 1999 que era muito ruim e danoso para a sociedade. As obras de melhorias eram limitadas e previstas em sua maioria para o final do contrato.

Este blogueiro ainda guarda, sob a forma digital, vários documentos, panfletos, apresentações em power-point, etc. feitas para as mobilizações e audiências públicas, em várias câmaras municipais das cidades cortadas pela BR-101. Elas permitem relembrar esta passagem e os fatos. Olhar para trás também ajuda a compreender o processo histórico, as lutas, as derrotas e conquistas.

Do trajeto total de 320 km de extensão deste trecho da BR-101 que seriam concedidos em 2008, apenas 59 quilômetros já eram duplicados entre a ponte Rio-Niterói e a cidade de Rio Bonito. Outros 261 km eram de postas simples. Pelo edital da época de FHC em 2000, apenas mais 55 km seriam duplicados.

A imagem abaixo mostra parte de várias tabelas deste edital. Elas eram parte de novos extensos volumes do processo de licitação que as entidades só conseguiram ter acesso através da intervenção judicial.



Assim, no edital de concessão em 2000 do período de FHC se questionava diversas outras questões:

1) A duplicação do trecho entre Casimiro de Abreu- Silva Jardim e Silva Jardim- Rio Bonito num total de 55,5 quilômetros que no estudo era obrigação imediata da concessionária vencedora do processo de licitação passou a ser obrigação apenas entre o 16° e 18° anos pós-concessão e seria o único trecho a ser duplicado na época de FHC.

2) A duplicação dos trechos Maruí-Serrinha e Serrinha- Fazenda dos 40 num total de 43 quilômetros e ainda o trecho entre Rio-Dourado- Casimiro de Abreu de 16 quilômetros, que pelos estudos seriam feitos até 3 anos após a concessão, no edital de FHC a licitação transformou apenas em exigência de construção de “terceira faixa” e pior com alargamento do prazo de execução para até o 21° ano após a concessão.

3) Pela modelagem do edital o valor do pedágio era fixado, e a escolha da empresa vencedora se dava pelo valor de outorga que cada uma se dispunha a pagar para ter o contrato de concessão. Assim, para "equilíbrio" do contrato, o estudo previa um valor de R$ 3,00 referentes a 1999, ou R$ 3,31 referentes a julho de 2000.

Este valor atualizado e corrigido pelo índice IGP-M cada pedágio estaria valendo hoje R$ 11,77 ao contrário dos R$ 4,50 que é o valor real pago - já reajustado agora em julho - de R$ 4,50.

Portanto, o pedágio hoje que estaria sendo cobrado, sem que a duplicação (mesmo que de apenas 55 km) tivesse sido sequer iniciada, equivalente a 2,6 vezes, o valor atualmente cobrado e já corrigido em julho último. Repito R$ 11,77 em cada praça de pedágio x R$ 4,50.

4) No edital de 2000, também não havia a previsão de construção de vias de acesso às cidades cortadas por este trecho da BR-101. A construção do contorno de Campos no trecho entre Ibitioca e Travessão que no estudo era previsto para ser feito até o 5° ano após a concessão, no edital de FHC passou a ter previsão de execução entre o 12° ao 15° ano após a concessão.

Por tudo isso é que as entidades conseguiram à época suspender pela via judicial a concessão com aquele edital. Porém, a luta era pela melhoria e duplicação de toda a BR-101. Assim, entre 2004 e 2005, a luta comunitária voltou a ser empreendida.


Diante da quantidade de acidentes e vítimas fatais na BR-101 uma Associação dos Parentes de Vítimas da BR-101 foi formada. Entre 2002 e 2006 já se contabilizava 6.985 acidentes com 3.869 feridos e 692 mortes.

Neste processo, o Movimento Pró-Vida na BR-101 foi formado e passou a aglutinar mais de 40 entidades entre elas a Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM-RJ) com importante e aglutinativo papel. O movimento comunitário e coletivo ganhou corpo e organicidade. Até símbolo e logomarca foi amplamente divulgado em adesivos, camisas, faixas, etc.

Seminários, audiências públicas com autoridades e novas manifestações aconteceram próximo à Campos, sendo que a de maior expressão foi a realizada no dia 25 de novembro de 2005, na localidade de Serrinha que parou o tráfego por cerca de duas horas e foi manchetes em várias mídias nacionais. Veja aqui neste link ainda no ar da Cidade 21 algumas imagens e informações do movimento à época.
Foto do acervo da Cidade 21 sobre manifestação 
na localidade de Serrinha, em 25/11/2005, na BR-101
Como desdobramento deste movimento se tentou que houvesse a formação de um consórcio entre os municípios da região para obter a concessão em conjunto com o governo estadual, considerando a importância estratégica da rodovia par ao estado. Em contrapartida, o governo federal entraria com uma parte dos recursos das obras de duplicação.

Muitos prefeitos à época se dispuseram a participar, mas a negativa do governo estadual, acabou levando para a solução original de novo edital de licitação para a concessão do trecho da rodovia, só que em novas bases e numa nova modelagem.

O novo edital modificava o critério de escolha da empresa, para aquela que oferecesse o menor preço de pedágio e diversas reclamações e reivindicações do Movimento Pró-Vida acabou incorporado, como a antecipação e extensão das obras de duplicação entre outras.

O movimento fez opção contra a concessão, mas a partir de determinado momento percebeu que a duplicação e melhorias na BR-101 poderiam ser suspensos definitivamente. Assim, a mobilização passou a focar no aumento da regulação (onde defendeu a criação de um Conselho de Usuários) e melhoria de outros aspectos da concessão.

Assim, o leilão de concessão organizado pela ANTT (Agência nacional de Transportes Terrestres) acabou sendo realizado no dia 9 de outubro de 2007. Dele saiu vencedora a construtora espanhola OHL. O contrato de concessão com prazo de 25 anos foi assinado e passou a valer a partir de 14 de fevereiro de 2008. Logo após, ainda como parte do contrato a OHL obteve financiamento do BNDES de 70% do valor a ser investido nos primeiros anos da concessão, com um valor total de financiamento de R$ 3,2 bilhões.

Conforme previa o contrato, nos primeiros seis meses entre 14/02/2008 14/08/2008 foram realizados os serviços iniciais na rodovia. No dia 15 de agosto de 2008, a OHL, já constituída a Autopista Fluminense S.A. sobre seu controle começou a cobrar os pedágios e disponibilizar os serviços de apoio.

Em novembro de 2011 (veja aqui) outra empresa espanhola, a Arteris adquiriu da OHL Brasil os direitos de concessão deste trecho da BR-101 e passou a administrar a concessão.

Em dezembro de 2013 foi anunciada a operação de negociação em que a empresas espanhola Abertis Infraestrucuturas S.A aprovou a venda de 49% das ações da Autopista Fluminense S.A. para a empresa canadense de infraestrutura Brookfiled Motorways Holdings SRL. Só que na prática a Brookfiled passou a controlar a Autopista Fluminense, porque ela já detinha 60% do capital da espanhola Arteris. (Veja aqui)

Vale ainda observar antes de concluir que nestes 9 anos de concessão (que se completa no próximo dia 14 de agosto) estima-se que nas cincos praças de pedágio se tenha faturado mais de R$ 2 bilhões. Deste valor, cerca de 5% (aproximadamente R$ 100 milhões) foram pagos aos municípios que são cortados pela rodovia a título de ISS (Imposto Sobre Serviços).

Enfim, como foi dito antes, olhar para trás também ajuda a compreender o processo histórico, as lutas, as derrotas e conquistas. O processo poderia ser diferente e melhor para a sociedade, com mais controle sobre a concessão.

Porém, ainda assim, é possível identificar como foi a luta e o movimento comunitário que conseguiu conquistas para a sociedade, tanto para as melhorias no trecho concedido e em prazos menores (embora fosse possível torná-lo ainda mais rápidos e melhores) como de redução dos valores de pedágios que passaram a ser cobrados. A diferença entre elas é o tamanho do lucro que sairia da sociedade para a empresa concessionária.

O blogueiro fez questão de fazer uma extensa postagem com dados explicitados na linha do tempo, porque por diversas vezes, ao relatar e lembrar a atual situação diante de algumas pessoas, a maioria nada lembrava e outros ainda questionavam e duvidavam, tanto a questão do preço do pedágio, quanto da ampliação das melhorias na rodovia que só o novo edital passou a prever.

Recordar todo processo que possui quase 16 anos é parte do esforço de mostrar a realidade e também de evidenciar o peso que as lutas comunitárias podem ter na defesa dos seus interesses da população.

9 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria de saber se as obras estão dentro do cronograma previsto inicialmente ou se encontram atrasadas?

Anônimo disse...

É bom lembrar os fatos.
Tambem sou usuário da BR 101. Mas continuo a achar que as obras continuam muito lentas. Os meses passam e não se vê acréscimos efetivos de pistas duplicadas. Aliás, por que a concessionária não vai liberando os trechos já adiantados? Ao que parece, vão deixando vários trechos quase completos, mas não os liberam. Qual é a razão para assim agir?
E o pior é que o trecho entre Rio Dourado e o km 145 (entrada para Macaé) não vai ser duplicado tão cedo, talvez nunca, porque o Ibama não libera a autorização. A concessionária arrecada, passa o tempo da concessão, e não vai duplicar. É somente incompetência mesmo?

Roberto Moraes disse...

Tem atrasos sim. Mas, os encargos parecem ter sido negociados. Os licenciamentos ambientais nas unidades de conservação que são cortadas pela rodovia ajudaram a atrasar. Muitos comentaram que a concessionária atendia as demandas, mas no fundo não teria tanta pressa, porque preferia seguir fazendo caixa.

Por isso defendemos um conselho de usuários. Ele ajudaria a dar mais transparência, aos prazos, aos faturamentos, porque a quantidade de fluxo é muito superior ao previsto para oito anos após a concessão.

Tem razão o comentário, sobre a demora na liberação na parte duplicada, embora quando terminam, aproveitam para fazer correções na pista antiga, em paralelo.

douglas da mata disse...

O foco está totalmente errado, desculpe-me Roberto.

Desde a concepção da luta eu não li, nem vi, nenhuma preeocupação com o principal problema de toda malha rodoviária nacional, que aliás, é de certo modo um reflexo do capitalismo à brasileira:

Nós condutores de veículos de passeio sustentamos a atividade de transporte de carga rodoviária, inclusive com nossas vidas, pois cerca de 60% dos incidentes envolvem caminhões, e dentre estes, quase 80% são fatais.

As condições das estradas pioram cada vez mais rápido a cada tonelada de excesso de peso, isso não é chute, é física e modelo matemático.

Sem considerar tais premissas, todos os modelos correram como cachorros em volta do próprio rabo, assim como o modelo capitalista nacional e seus abismos tributários que geram cada vez mais e mais desigualdade.

Um abraço.

Manoel Ribeiro disse...

Bem... nem tudo é perfeito. Que o modelo utilizado foi melhor que o anterior é incontestável. A única coisa que acredito que poderia ter sido mais organizada é a questão das licenças ambientais: já deveveriam ter passado à iniciativa privada com todas as licenças emitidas.
Conversas à parte, aquele acesso ao posto Oásis em Casimiro poderia ser melhor, não?

Anônimo disse...

Parabéns pela matéria. Também sou usuário frequente do trecho. Acho que essa concessão foi melhor que todas da gestão FHC, no entanto são bem piores que as recentes do governo Dilma, que prevê duplicação rápida, em todo traçado, duplicar um pouco antes de começar a cobrar pedágio e ficou com tarifa barata, como BR-101 no ES e BR-040 de Juiz de Fora à Brasília. Essas do final dos anos 2000 não preveem duplicação em todo o traçado e demorou a começar. A rodovia do Aço BR-393, que foi concedida junto com a nossa, a duplicação nem começou e será apenas num pequeno trecho.

Roberto Moraes disse...

Acho que o anônimo acima não leu o texto. Não é possível. A concessão não foi feita por FHC. Esta foi barrada pela Justiça Federal a partir de mobilização da comunidade. Se ela tivesse sido feita, o pedágio hoje estaria em R$ 11 e apenas 55 km seriam duplicados e nos últimos 5 anos do prazo de 25 anos de concessão.

Esta nova concessão além de ter reduzido o preço do pedágio em 1/3, acelerou a duplicação em relação ao ´projeto anterior que seria a partir do 20º ano de concessão, além de der passado a prever a duplicação de quase 200 km e não de apenas 55 km. Assim, o que se evitou é que o usuário perdesse aumentando o lucro da concessionária.

Ainda assim, o blog lamentou pela ausência de um Conselho de Usuário para fiscalizar os serviços de concessão. Todas as concessionárias e órgãos reguladores no Brasil deixam isso de lado, que é comum em vários países.

Anônimo disse...

O Senhor leu meu comentário na diagonal. Em nenhum momento disse que a concessão foi feita por FHC. Eu disse que a concessão foi melhor "QUE todas do FHC" e não "DE todas", "que todas as outras" ou "melhor das". O objetivo do meu comentário foi dizer que essa concessão feita na gestão LULA é melhor do que as feitas por FHC, mas são piores que as feitas na gestão Dilma. Compare. O Senhor pelo visto nem conhece os exemplos que eu citei. O Senhor é professor universitário? Ao final do comentário eu ainda disse que a nossa rodovia foi concedida junto com a BR-393 no final dos anos 2000, muito tempo depois do fim da gestão FHC.

Roberto Moraes disse...

Você tem razão. A leitura rápida (e bem definido na diagonal) me fez cometer o equívoco do comentário que fiz, pelo qual me desculpo. Sobre as rodovias federais que citou eu conheço o caso da 101 no ES e BR-040, mas nada do caso da BR-393. Sim, também erro e me redimo quando identifico o erro, como qualquer pessoa, mesmo professor. Sem problemas.