quinta-feira, agosto 11, 2016

Indústria 4.0 no Brasil, por David Kupfer

Abaixo o blog republica o artigo do professor e diretor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Grupo Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ) que saiu na 2ª feira no valor, P. A11.

Em tempos bicudos da política mais geral e de corte nos direitos sociais básicos, infelizmente, o debate sobre a indústria nacional, sobre a inovação tecnológica, acabam ficando em segundo plano. 
Ainda assim, vale acompanhar quem pensa o tema da política industrial brasileira diante da economia global.

Como o Kupfer diz, em muitos lugares do mundo, incluindo n Brasil, se vive a realidade simultânea da indústria 1.0, 2.0 e 3.0 que caminha junto da inovação que está chegando.

Entender este processo me parece importante, mesmo numa época em que a produção material parece ter cada vez menos importância do que as intermediações (especialmente, a financeira) para a acumulação de lucros. O texto também é interessante para o debate em sala de aula. Confiram!

"Indústria 4.0 Brasil"
Por David Kupfer

"De alguns anos para cá vem ganhando crescente visibilidade conceitos como "Manufatura Avançada" e "Indústria 4.0". O conceito de Manufatura Avançada entrou em evidência após ancorar um plano estratégico publicado pelo governo americano (A National Strategic Plan for Advanced Manufacturing, Executive Office of the President and National Science and Technology Council, fevereiro de 2012). Já Indústria 4.0, como prefere denominar o governo alemão, ganhou vida como uma iniciativa conjunta do Ministério de Economia e Energia com empresas líderes, universidades e centros de pesquisa do país quando também em 2012 lançou as bases de um ousado programa de reconversão tecnológica da indústria germânica com essa marca (The Vision: Industrie 4.0, Federal Ministry for Economic Affairs and Energy, 2012). 

Ambos os termos traduzem visões da indústria em um futuro próximo no qual fábricas inteligentes usam tecnologias de informação e comunicação para digitalizar os processos industriais em direção a níveis inimagináveis de eficiência, qualidade e "customização". Manufatura Avançada ou Indústria 4.0 nada mais são do que um elenco de técnicas que dependem do uso coordenado de informação, automação, computação, software, sensoriamento e conexão em rede. 

Conjugadas, essas técnicas proporcionam inovações em robótica e eletrônica embarcada, que propiciam um super­-barateamento da automação flexível; em manufatura aditiva, que estende as fronteiras de descentralização e fragmentação da produção; e, ainda, em computação em nuvem, internet das coisas, big data e interfaceamento, que alargam os horizontes dos experimentos de inteligência artificial. O resultado é um salto evolutivo nas formas de organização da produção, em que se aprofunda sobremaneira a capacidade de interação M2M (máquina-­máquina) sem a intervenção humana. 

No Brasil, o debate sobre a Indústria 4.0 ainda é muito tímido, restrito a alguns seminários aqui e ali e a umas poucas iniciativas de governo ou associações de classe, o que em si já é revelador da pequena prioridade que vem sendo conferida ao tema no país. Mais grave, nesse estreito espaço de debates muitas vezes predomina um enfoque no qual a manufatura avançada é vista como uma tecnologia disruptiva, algo como o vetor de uma nova Revolução Industrial como foram, a seus respectivos tempos, a máquina a vapor na 1ª, a energia elétrica e a química na 2ª ou os semicondutores e a informática na 3ª Revolução Industrial. 

No entanto, não há razão para se acreditar que esse seja o entendimento mais correto. A Indústria 4.0 é muito mais um elenco de inovações incrementais que decorrem da incorporação e, principalmente, da integração de tecnologias já disponíveis ou emergentes e que, portanto, já fazem parte do estado da arte. Assim, seus desafios estão muito mais no plano da escalagem e massificação do uso do que no desenvolvimento inovativo propriamente dito.

Por isso, a melhor analogia para abordar a Indústria 4.0 é com o que nos anos 1980 se chamou de pós-­fordismo, toyotismo, produção enxuta ou qualidade total. São tecnologias organizacionais que não dizem respeito ao que se produz e, sim, a forma como se produz. Como tal, embora os fóruns de debate sejam frequentemente dominados pela ênfase no lado da produção dessas inovações, a Indústria 4.0 é, fundamentalmente, uma questão ligada à difusão dessas novas técnicas, que dizer, algo que está do lado do uso da tecnologia. 

Sendo essa a chave analítica, é importante ter claro que as oportunidades abertas pelos preceitos da Indústria 4.0 são transversais, abarcando todo o tecido produtivo e não somente as indústrias de ponta (de alta tecnologia). Não é a toa que atividades tradicionais como a indústria têxtil ou mesmo a agricultura têm sido tão impactadas pela introdução desses preceitos. 

No entanto, se o caráter transversal dessa nova onda acena com múltiplas oportunidades, o desafio brasileiro para surfá-­la precisa ser enfrentado a partir do diagnóstico de que boa parte da indústria nacional ainda está no estágio 2.0, tendo conseguido incorporar as técnicas relacionadas à produção enxuta de 30 anos atrás mas apresentando importantes defasagens em tecnologias de informação e comunicação, que caracterizam o estágio 3.0. Significa isso que será necessário, mais uma vez, queimar etapas, resultado que dificilmente será alcançado sem uma extensa construção institucional, pública e privada, voltada para fomentar esse processo. 

Prosseguindo na analogia já feita, a difusão da Indústria 4.0 vai requerer um esforço de superação de gargalos regulatórios e de infraestrutura tecnológica, semelhantes ao que objetivou o movimento pela qualidade industrial que começou a se constituir no país, tardiamente, apenas nos anos 1990, como consequência da falta de estratégia e do imobilismo da política industrial brasileira de então. Será que essa história vai se repetir? 

Por certo que as novas formas produtivas ligadas a Indústria 4.0 abrem também um importante espaço para o desenvolvimento de inovações que necessita ser ferrenhamente perseguido pelo Sistema Nacional de Inovação brasileiro. No entanto, nesse campo o sucesso vai requerer uma estratégia muito mais focada pois não são muitos os setores (e empresas) que estão bem posicionados para a obtenção de resultados positivos a curto ou médio-prazos. 

David Kupfer é diretor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Grupo de Indústria e Competitividade (GICIE/UFRJ). Escreve mensalmente às segundas­feiras. E­mail: gic@ie.ufrj.br."

Nenhum comentário: