quinta-feira, dezembro 13, 2012

"No mundo de Murdoch"

Abaixo o blog reproduz o texto de opinião do renomado economista Luiz Gonzaga Belluzzo publicado em sua coluna no portal da Carta Capital. Belluzzo traz à tona, de forma muito interessante, como um breve resgate histórico, as origens e os problemas do poder absolutista que a velha mídia corporativa tenta permanentemente impor às sociedades. Vale sua leitura:

"No mundo de Murdoch"

"Arrisco a dizer: o relatório Levenson é a mais corajosa e serena crítica aos abusos e malfeitos da mídia contemporânea. O relatório é tão destemido em sua ousadia como a Areopagítica de John Milton ao pregar a liberdade de impressão em 1644, no auge da Revolução Inglesa. Milton resistia a Cromwell e à reintrodução da “licença de ­publicação”, hoje conhecida como censura prévia.

Vou começar com Paul Virilio, importante pensador francês da atualidade. Ao analisar as transformações do papel dos meios de comunicação na moderna sociedade capitalista de massa, Virilio chegou a uma conclusão tão óbvia para os cidadãos de boa-fé quanto negada pelos senhores do aparato midiático. A mídia, diz ele, é o único poder que tem a prerrogativa de editar as próprias leis, ao mesmo tempo que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. Mas a liberdade de expressão não se esgota na liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa só se justifica enquanto realização da liberdade de expressão dos cidadãos livres e iguais, os legítimos titulares do sagrado e inviolável  direito à opinião livre e desimpedida.

Essa reivindicação da cidadania torna-se mais importante na medida em que os meios de divulgação e de formação de opinião têm se concentrado, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes impérios capitalistas, como os construídos pelo australiano Ruppert Murdoch. Esse imperador midiático não trepidou em utilizar a chantagem contra políticos pusilânimes, como o “novo” trabalhista Tony Blair e o janota conservador David Cameron.

Metido até o pescoço em negócios que envolvem o Estado e seus funcionários, Murdoch mobilizou suas forças para conseguir o controle da emissora de televisão BSkyB valendo-se dos serviços e pareceres de certo Adam Smith, conselheiro do então ministro da Cultura Jeremy Hunt. Os Smith de nome Adam já foram melhores.

A peculiaridade da mercadoria colocada à venda juntou o objetivo natural e legítimo de ganhar dinheiro ao desejo de ampliar a influência e o poder sobre a sociedade e sobre a política. A acumulação monetária já implica necessariamente a acumulação de poder e de influência. Ao brandir a superioridade da liberdade de opinião e de informação pro domo sua, os senhores da mídia se recusam a submeter ao livre debate as transformações ocorridas ao longo dos sé­culos XIX e XX na chamada esfera pública. Quando sua legitimidade é questionada, imediatamente gritam: Censura! E assim sufocam qualquer crítica a seu desempenho como provedores de informação e amordaçam os reclamos de maior diversidade.

Murdoch e seus competidores abusaram da manipulação, da construção da notícia, da censura da opinião alheia e da intimidação sistemática das vítimas dos assassinatos morais. Mas o ty­coon australiano não estava nem está só. Na Inglaterra e em outras partes do planeta, o poder que esconde seu nome não descansa em sua faina de produzir cadáveres.

Por essas e outras, foi dura a reação das famílias e dos indivíduos torturados no pau de arara dos grampos ilegais e dos homicídios morais. Reagiram com indignação aos comentários apaziguadores do peralvilho Cameron, mais uma vez imponente no papel de defensor dos patrões de Fleet Street. O Parlamento inglês mobiliza-se para ate­nuar os estragos e responder às exigências de 80% da população que concorda com os ofendidos.

Acossada pela opinião pública, a secretária de Cultura, Maria Miller, tratou de convocar os editores dos principais jornais para reconstruir o ambiente regulatório da imprensa. Esse espaço é ocupado desde 1991 pela Press Complaints Comission, formada por representantes das empresas de comunicação. Um jornalista do Guardian sugeriu que essa forma de regulação poderia ser equiparada a um julgamento de crimes de estupro por um corpo de jurados composto por violadores contumazes.

É tragicamente curioso que os valores mais caros ao projeto da Ilustração, as liberdades de expressão e de opinião, tenham se transformado em instrumentos destinados a conter e cercear o objetivo maior da revolução das luzes: o avanço da autonomia do indivíduo. Não bastasse, os ímpetos plebiscitários colocam em risco o sistema de garantias destinado a proteger o cidadão das arbitrariedades do poder, público ou privado.

Sob a aparência da democracia ­plebiscitária e da justiça popular, perecem os direitos individuais, fundamentos da cidadania moderna, tais como construídos ao longo da ascensão liberal-burguesa e consolidados pelas duas revoluções dos séculos XVII e XVIII."

2 comentários:

Roberto Torres disse...

Caro Roberto,


ótimo texto. De fato nao existe argumento contra a regulacao da mídia. E o comportamento da mídia de evitar o debate, tachando tudo de censura, mostra exatamente isso.

A questao é de forca política. No Brasil me parece que está em aberto o grau de apoio ou rejeicao que uma inicitativa emcapada pelo PT conseguiria ter. No Congresso, tal como a coisa se enconta hoje, esta claro que a mídia ganha.

Somente o clamor popular poderia mudar alguma coisa e incentivar os parlamentares a terem corajem de honrar os seus mandatos nesse assunto.

Mas nem com essa guerra total contra Lula os parlamentares do PT parecem ter peito pra liderar uma campanha dessa ....

Abracos,

douglas da mata disse...

Roberto Torres, caro amigo.

Não resumiria tudo a uma questão de coragem, embora coragem seja um componente presente na ação política.

Ora, está claro, até para mim, que nem de longe possuo as ferramentas para análise comparadas as suas, que nosso processo histórico é muito diferente dos países onde aconteceram(e acontecem) tais tentativas de controle social da mídia.

Desnecessário dizer que, a nosso modo, sequer conseguimos punir e revelar as atrocidades da Ditadura, e que, em pesquisa recente(com percepções alimentadas e exageradas pelo bom e velho terror, ou medo do outro)brasileiros disseram aprovar a postura criminosa de policias em SP.

Temos 72% de mortos violentamente que são pretos, ou seja, abolimos a escravidão, e depois de 200 anos, tratamos os pretos com mais violência que antes quando os escravizávamos(a lógica econômica da escravidão, por absurdo que pareça, reservava melhor destino aos jovens pretos que a "liberdade" e a "democracia racial").

Temos 1 mulher morta em cada 5 por abortos clandestinos, e nas urnas e nas ruas, mulheres que fazem ou farão abortos e seus omissos companheiros, legitimam, de forma absurda o debate pelo prisma "religioso".

Enfim, temos tantos conflitos e contradições ideológicas, que se expressam de forma mais ou menos sutis, que citá-las desvirtuaria o tema aqui proposto.

Eu imagino que esta é uma escolha de Lula/Dilma.

Podemos discordar desta escolha e da oportunidade em escolher não enfrentar a mídia, mas não é uma questão de coragem.

Talvez seja o reconhecimento destas contradições, e da falta de apoio político para propor o tema, o que daria a mídia o único argumento(e neste caso seria verdadeiro, mas não da forma como venderão o tema)para enfrentar o governo.

A mídia vem perdendo onde ela não consegue mais influenciar: na escolha do poder pelo voto.

No entanto, esta mídia ainda é ferramenta de um arco de poder não-estatal que é muito mais amplo, que é o domínio das esferas ideológicas que permeiam a sociedade, e onde a ação do governo e do Estado têm limites para influenciar, e quando se trata de estender estes limites, deve haver amplo consenso sobre esta alteração, sob pena de, como já disse, fornecer a estes setores o condão da "vitimização".

É uma equação complicada, aina mais quando o governo olha para a sociedade e a vê estagnada no debate político e nas formas políticas e orgânicas de acumulação de capital político, estando o debate quase todo segregado nas plataformas e esferas de comunicação social.

Esta é uma tarefa de PARTIDO, sindicatos, associações, etc.

O governo repercute(e se aproveita)deste processo.

Um abraço.