segunda-feira, março 10, 2014

As escolas mostradas no Fantástico e as atribuições dos governos nas escalas do federalismo brasileiro

Ontem, eu tive a oportunidade de assistir, mesmo que de relance, a matéria do programa Fantástico sobre as condições absurdas das instalações e condições de algumas escolas públicas, em diferentes pontos (estados) do país.

Pode não ter sido o propósito da reportagem, mas, pelo menos de forma indireta, ela sugere que o problema seja nacional, já que mostrava escolas em diferentes regiões e mesmo em área metropolitanas (e não apenas no interior), como no município de Jaboatão dos Guararapes, próximo a Recife, Pernambuco, governada pelo Eduardo Campos que apregoa revolução na educação estadual.

Evidentemente que há responsabilidades nas três escalas de governo, mas é evidente, que no caso da educação fundamental (antiga primária), a maior responsabilidade e atribuição é do governo local, a prefeitura. Não é difícil compreender que sendo problema de gestão local, aí também estarão ou não as soluções para o problema.

Tenho insistido aqui no blog, que nós brasileiros temos algumas dificuldades (e não são poucas) com a questão federativa. É compreensível que assim seja, porque não é fácil, nem entre os mais letrados e informados, entender que há exemplos de atuação da União em educação (escolas, por exemplo as técnica federais) e em saúde (hospitais) embora, a regra seja a descentralização.

No caso da educação a grosso modo, a CF estabelece que cabe à União o ensino superior, aos governo estaduais, o ensino médio e aos municípios, a educação infantil e o ensino fundamental. Desta forma, há participação da União e dos Estados no financiamento (através de apoio a merenda, transporte e parcial colaboração nos salários dos docentes, entre outras), mas a gestão é municipal.

Facilita ainda na compreensão do problema, identificar que enquanto há escolas em péssimas condições como foi mostrado na reportagem, há outras, em município com condições financeiras imensamente inferiores às mostradas com escolas com boas (outras em razoáveis) condições e infraestrutura e com bons processo de ensino-aprendizagem em curso. Desta forma, há que compreendermos o problema de uma forma mais apurada para não cairmos em simplificações e análises gerais que deformam a compreensão do problema.

Chamar a atenção para este ponto de vista, não significa eliminar as responsabilidades que cabem às demais escala de governo, seja o estadual (o segundo mais próximo) e depois, o federal. Também não se deve deixar de criticar o papel dos tribunais de contas na fiscalização da aplicação dos recursos públicos nas três esferas de poder, inclusive das prefeituras.

Para não ficar apenas na crítica e ampliar a observação sobre o problema da gestão que não é apenas da área de educação, mas, vale para a área de saúde e outras, há que se voltar a chamar a atenção para um grave problema que se passou a chamar em termos de gestão pública de "déficit de governo".
Há, na esfera municipal e também nos governo estaduais, um problema crônico de formação em gestão governamental que possa permitir à gestões acessar aos projetos de financiamento, mas, também para melhor gerir o cotidiano dos governos em suas diversas áreas. 

Esforços de cursos de gestão e administração pública têm tido poucos resultados, porque a grande maioria dos que frequentam estes cursos (mais formais ou informais) na área, com o aprendizado que obtém, rapidamente deixam seus cargos atrás de melhores salários, seja no setor privado, seja nos órgãos públicos que melhor remuneram (estados ou União ou legislativo e especialmente o judiciário). Outros que frequentam estes cursos não são concursados, são apenas comissionados com cargos de chefias só durante suas nomeações, conforme interesse do chefe do executivo

Neste sentido, alguns esforços têm sido na prática, tão ineficientes, como enxugar gelo. Há exceções e elas devem ser observadas para se identificar o caminho para as soluções. 

O que não se deve é cair no senso comum, como fazemos historicamente (para diferente gestões), de atribuir todos os problemas de gestão e equipamentos públicos à nação, ao governo central e federal. Ao agir assim, quase sempre, tendemos a nos afastar da solução dos problemas, deixando inclusive de cobrar, àqueles que estão mais próximos de nós e dos problemas.

Se as argumentações acima forem insuficientes para a compreensão do problema, lembre do caso do nosso município de Campos e de suas baixas notas do Ideb, apesar do nosso bilionário orçamento. 

Outro argumento que será motivo de outra postagem adiante é sobre o caso dos estádios para a Copa e das infraestruturas necessárias para sua realização. O governo federal destinou os recursos e faz uma supervisão geral, mas, as licitações, a fiscalização e o andamento das obras cabem aos estados e municípios-sede e todos nós estamos vendo os problemas na execução dos projetos. 

Interessante ainda observar que ao ver os problemas da escolas mostrados no Fantástico, muitas pessoas nas redes sociais têm atribuído estes problemas, à Copa do Mundo no Brasil e aos gastos com  a construção dos estádios. Como já disse acima, o problema não é de dinheiro. Lembremos novamente dos quase R$ 3 bilhões de orçamento de Campos.

Particularmente, não fui favorável à realização destes dois grandes eventos (Copa do Mundo e Olimpíadas) no Brasil, mas, tendo sido decidido, agora cabe cobrar para que os impactos sejam os menores e as oportunidades melhor aproveitadas na qualidade de vida da parte da população que mais precisa dos governos e não para aqueles que sempre ganham. Para isto é necessário ser mais eficiente e reduzir os déficits de governo nos municípios, tanto para gestão de obras quanto para melhor educação e saúde para a população

Bom que reflitamos sobre isto e direcionemos nossos esforços e pressões para onde eles têm mais condições de serem resolvidos. O tema é amplo e merece ser debatido e questionado em outros enfoques para os quais solicito a participação dos colaboradores deste blog.
PS.: Atualização às 13:22: Para aperfeiçoar o título do texto.

5 comentários:

Rafael Leite disse...

Excelente análise Roberto. Mas gostaria de fazer um aparte: o governo Cabral está gradualmente retirando a educação fundamental das escolas estaduais, repassando esse dever para os municípios (nada ilegal é claro), mas estes municípios não tem recebido nenhum aumento orçamentário para compensar os maiores gastos.
Em municípios mais pobres o dinheiro também pode ser um problema, mesmo que a má gestão também esteja presente (não necessariamente por má fé, muitas vezes por falta de preparo mesmo).

Roberto Moraes disse...

Caro Rafael,

Este processo de transferência das escolas estudantes do Ensino Fundamental da gestão estadual para a municipal está se dando já há algum tempo.

Na verdade há até uma certa disputa por estes alunos, já que os repasses do FNDE/MEC se dá por número de alunos. Isto na verdade fez com que alguns governos estaduais retardassem este processo para ficar com os recursos.

Mesmo assim, é compreensível a observação que o controle do uso das verbas transferidas no município tende a ser mais precária e eventuais suplementações mais difíceis pela carência dos mesmos.

Porém como você mesmo confirmou o problema da gestão é maior do que o dinheiro, em função de formação específica para a função, assim como para o estabelecimento de procedimentos.

Este é o desafio que falei do "déficit de governo".

Sds.

Rafael Leite disse...

Roberto, não tenho certeza, mas já ouvi falar que o dinheiro dos repasses vem de acordo com o número de alunos do ano anterior, logo quando é feita essa transferência o município só passa a receber esses repasses depois de receber os alunos. Além disso, será que esses repasses são suficientes para uma educação de qualidade ou os municípios acabam tendo que usar também os recursos próprios?

Roberto Moraes disse...

É isto mesmo Rafael. Como os número servem de base para a elaboração do orçamento só no ano seguinte os repasses são transferidos.

Embora eles sejam significativos e isto pode ser visto mensalmente nos repasses da União no site Transparência (http://www.portaltransparencia.gov.br/) eles precisam ser bem administrados e visam o básico. Os extras ficam por conta dos municípios.

Roberto Moraes disse...

Pelo site da Transparência vi agora que só neste ano (pouco mais de dois meses), o município de Campos já recebeu repasses da União de R$ 10 milhões para saúde, R$ 4,5 milhões para Bolsa Família e R$ 1,8 milhão para Fundeb.