sexta-feira, junho 12, 2015

Blog entrevista Brand Arenari, novo diretor do IPEA: "Um país sem projeto nacional fundado na democratização de oportunidades educacionais é um mero território sem mediações civilizacionais"

O blog aproveitando a notícia da nomeação do cientista social e pesquisador Brand Arenari para diretor do IPEA em Brasília para dar seguimento à auscultação de algumas pessoas que pensam a política nas diversas escalas e também a região.

Sua nomeação como para assumir uma das diretorias do Ipea foi publicada na quarta-feira (10/06) no Diário Oficial da União (DOU) e sua posse está prevista para a próxima segunda-feira (15/06).

Assim, além de trazer a informação sobre sua nomeação, suas opiniões sobre o país, a região e o município de Campos, o blog prossegue em sua intenção de ampliar a difusão de ideias novas e também de estimular o debate, como fez ultimamente ao ouvir o professor e pesquisador Vitor Peixoto da Uenf, aqui no dia 25 de abril.

O próprio Brand Arenari se diz campista de coração, embora macaense por origem. Assim como Vitor Peixoto ele já faz parte dos primeiros e bons resultados de formação da Uenf, onde se graduou. Lá cursou Ciências Sociais e também o mestrado em Cognição e Linguagem. 

Brand se doutorou em Sociologia pela Universidade Humboldt de Berlim, Alemanha. Publicou livros e artigos no Brasil e no exterior nas áreas de teoria social, desigualdade e sociologia da religião. Hoje, por convite do atual presidente Jessé Souza foi nomeado diretor do IPEA (Instituto de Economia Aplicada), em Brasília.

Brand afirma que sempre nutriu um grande apreço pela militância política, mesmo sem nunca ter sido filiado a nenhum partido. Foi dirigente do Diretório Central dos Estudantes da UENF, participou de um blog político com amigos da UENF, e exerceu a função de assessor do vereador Rafael Diniz.

Leia abaixo a entrevista na íntegra:

Blog: Para iniciar nosso bate-papo me diga sua expectativa sobre o trabalho como diretor do Ipea em Brasília a partir de sua experiência como pesquisador.

Brand: É sem dúvida uma grande oportunidade. O contato com grandes pesquisadores que existem lá e o desafio de elaborar uma agenda de pesquisa que contribua para o planejamento do país. Estamos bastante empolgados com a agenda sugerida pelo Ministro Mangabeira Unger, na qual a centralidade dos esforços se concentram na inovação institucional, voltada para a capacitação e ganho de competitividade dos estratos sociais ascendentes, aqueles que chamamos de Batalhadores. Aprofundar o diagnóstico sobre estes grupos sociais e propor alternativas para intensificar sua ascensão.

O primeiro passo para isso é a pesquisa elaborada pelo presidente do IPEA, Jessé Souza. Jessé propôs a elaboração de uma Radiografia do Brasil moderno, o objetivo é identificar tanto a extraordinária heterogeneidade das classes e de suas frações, muito especialmente das classes populares em processo de ascensão, quanto a compreensão de seus respectivos patrimônios de disposições pré-reflexivas e aptidões para a ação, para os fins de inovação e aprendizado do aparato institucional brasileiro que lida diretamente com esses estratos.

Blog: Como você enxerga o fato de quadros como o Jessé Souza que foi professor e pesquisador do CCH/UENF e você, como ex-aluno do mesmo centro da universidade chegarem à condição de gestores públicos do mais importante organismo de pesquisas do país?

Brand: Acho que isso é apenas um dos muitos exemplos que atesta a alta qualidade da universidade de nossa cidade. Em todas as áreas a UENF tem produzido quadros de referência nacional e internacional. É uma pena o fato da UENF ser subaproveitada no nível local, e em alguns casos até boicotada.


“A desigualdade é o grande tema do Brasil, isso ocorre pelo fato de ser uma das nações mais desiguais do mundo... O exemplo mais bem-acabado disso é o cinismo presente no tema da corrupção, que sempre aparece quando há diminuição da desigualdade no Brasil”.


Blog: Aproveitando a questão do Ipea, a maioria de seus últimos presidentes (Márcio Pochmann, Marcelo Neri e agora Jessé Souza) todos têm na questão do estudo de classes, das desigualdades e da ascensão social um dos focos de seu trabalho. O que isso pode significar? Apesar disso há diferença de visões entre eles. Como você vê essa questão, considerando que esse também um dos temas principais de suas pesquisas?

Brand: A desigualdade é o grande tema do Brasil, isso ocorre pelo fato de ser uma das nações mais desiguais do mundo. A maioria dos outros grandes temas nacionais são reativos ao tema da desigualdade, agindo tão somente para tirar este tema central do foco. O exemplo mais bem-acabado disso é o cinismo presente no tema da corrupção, que sempre aparece quando há diminuição da desigualdade no Brasil. O que singulariza nossa experiência nacional é justamente o fato de nos modernizarmos radicalmente, porém, mantendo uma massa gigantesca de indivíduos sub-integrados a dinâmica da sociedade, aquilo que chamamos de “ralé estrutural”. Acredito que isso explique a centralidade do tema entre esses autores. No caso do Jessé Souza e seu grupo de pesquisadores, o qual faço parte, o esforço central da compreensão da desigualdade se desenvolve na busca por compreender os mecanismos não econômicos da produção e reprodução da desigualdade, uma perspectiva que se afaste um pouco do materialismo que domina o tema. Na maioria das vezes essas perspectivas são complementares, os primeiros têm forte influência da economia em suas análises, registrando dados significativos da desigualdade no Brasil. No caso do Jessé há uma forte análise sociológica, focando nos processos e relações, na produção social de tipos específicos, construídos socialmente para serem desiguais.


Classe Média” é um termo negativo, isto é, é um não lugar, não existe em si... é apenas indicado por uma posição relacional a outros pontos. A visão clássica sobre classe média é para definir aqueles que estão no meio de dois pontos, não são nem proletários, nem burgueses típicos, enfim, seria uma “não classe”.


Blog: Há hoje resistência ao uso generalizado do conceito de classe média. Isso procede? Por um lado, há quem diga que a ascensão social pelo consumo leva necessariamente à despolitização, enquanto de outro, há quem enxergue avanço, em direção ao estado de bem-estar-social, mesmo que tardio? Por favor, comente essas questões.

Brand: Os problemas para a definição deste conceito não são poucos, e começam com o termo que o designa. Como primeiro ponto, “Classe Média” é um termo negativo, isto é, é um não lugar, não existe em si, é apenas indicado por uma posição relacional a outros pontos. A visão clássica sobre classe média é para definir aqueles que estão no meio de dois pontos, não são nem proletários, nem burgueses típicos, enfim, seria uma “não classe”. É preciso uma descrição positiva destes estratos. A despeito disso, como segundo ponto, existe um imaginário coletivo sobre o que seria a classe média, construído em parte pela literatura acadêmica. Em traços largos, poderíamos dizer que são aqueles estratos que se legitimam pela produção e reprodução de capitais culturais “legítimos”, controlam bens simbólicos e sobrevivem de vender seu “conhecimento”, formando frações de classe a partir do valor do tipo de produto intelectual que oferecem, isso engloba médicos, advogados, engenheiros, professores e etc. Assim, os setores médios não são nem aqueles que tem seu corpo (enquanto força de trabalho) para oferecer, nem são aqueles que controlam o mundo financeiro.

Mas tudo isso, por mais que pareça esclarecedor à primeira vista, ainda é muito pouco, é preciso avançar muito na compreensão sociológica destes estratos, e, talvez, abandonar o termo “classe média”. Fenômenos novos e diferentes, precisam de nomes novos e diferentes para serem designados. No caso brasileiro, nossa estrutura social guarda marcantes diferenças com a estrutura social da modernidade na Europa central dos séculos XIX e XX, é preciso criar conceitos novos. Por isso, em nossos livros sobre a estrutura social brasileira adotamos termos como “ralé estrutural” e “Batalhadores”.

Quanto a ascensão pelo consumo, acho que isso é um dado significativo na ascensão de classe, afinal, o consumo ocupa o centro de nossa sociedade mundial hoje, o Zygmund Bauman explica isso muito bem. Se todos amam consumir, porque condenar o acesso dos mais pobres ao consumo? Por mais enviesada que seja é uma forma de empoderamento. O Estado, e também os cientistas, não tem a prerrogativa de dizer para as pessoas como elas deveriam se comportar e nem o que é verdadeiramente bom para elas, isso cabe as pessoas, aos militantes políticos e padres e pastores.


“Um país sem projeto nacional fundado na democratização de oportunidades educacionais é um mero território sem mediações civilizacionais capazes de transcender o caráter selvagem da luta de classes”.

Blog: O Ipea é vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) que tem status de ministério. A SAE é atualmente dirigida pelo professor Mangabeira Unger que tem como principal projeto a formulação da proposta interministerial escolhida pela presidenta Dilma como lema do seu segundo mandato: “Pátria Educadora”. O que poderia nos adiantar sobre isso? Qual o próximo passo?

Brand: Ao ministro Mangabeira Unger foi dada uma missão hercúlea: oxigenar o governo com novas ideias, contribuindo para a formação de um projeto nacional que dê novo vigor ao governo, avançando a partir das grandes conquistas já feitas. Enfim, estamos em um outro patamar, e isso exige uma nova postura e novas ideias.

A minuta do programa “pátria educadora”, precisa ser analisado a partir do conjunto de suas proposições para o Brasil. O fio condutor de sua empreitada é o encontro entre a dimensão da educação e a da construção do projeto nacional. Um sistema educacional aliado a um projeto nacional é a terapia para a patologia maior que corta a história de nosso país: um abismo quase instransponível entre classes sociais. Se é inegável que este abismo de classe se reproduz por meio das enormes desigualdades educacionais, também é fato que ele pode ser contornado por sistema de ensino que quebre o vínculo entre origem familiar e acesso à educação de qualidade. A objeção pertinente de que os interesses e expectativas individuais produzidos neste contexto de abissal desigualdade concorrem para boicotar qualquer projeto político que vise democratizar oportunidades educacionais não deve ser entendida como obstáculo intransponível. As experiências bem-sucedidas demonstram que as instituições do sistema de ensino são capazes de “fundir” interesses e expectativas, criando horizontes de participação na vida social compartilhados por distintas classes. Ora, é desta capacidade do sistema de ensino em se contrapor ao particularismo classista que depende em grande parte o êxito da construção nacional. Um país sem projeto nacional fundado na democratização de oportunidades educacionais é um mero território sem mediações civilizacionais capazes de transcender o caráter selvagem da luta de classes. A proposta preliminar apresentada por Unger tenta combinar o programa igualitário da escola pública republicana com a valorização do desempenho diferencial dos indivíduos, impedindo, porém que somente os bem-nascidos possam desdobrar vocações excepcionais.

Blog: Afinal haveria hoje sustentabilidade para a ascensão social de milhões de brasileiros?

Brand: Tudo isso depende de qual projeto de nação estamos dispostos a implementar. A economia é uma das dimensões mais importantes da vida, mas não deve ser tomada como senhora absoluta do nosso destino, afinal, a economia não pode ser vista como um fim em si mesma.

Blog: Com as últimas votações no Congresso Nacional de revisões de legislação tem sido considerado um retrocesso em relação às últimas conquistas sociais. Os exemplos maiores são o da terceirização e agora da flexibilidade do conceito de trabalho escravo. Corremos mesmo o risco de avançar para a precarização do trabalho com o desmonte da CLT? Seria isto uma revanche da aliança PSDB-PMDB (camuflado de governo e “camaleonicamente” oposição?

Brand: Corremos esse risco sim. Isso aumenta caso a esquerda continue com sua tática de recuo, contentando-se em amenizar os impactos negativos do avanço do neoliberalismo, sem ter um projeto alternativo.

O mundo mudou, e é preciso fazer ajustes que vão ao encontro das mudanças. Os setores conservadores, capitaneados pelo habilidoso e sagaz Eduardo Cunha, tem feito suas propostas de mudanças, já a esquerda, até agora, faz apenas lamúrias morais. A esquerda precisa retomar a ofensiva, e isso só é possível com novas ideias. Caso isso não ocorra, presenciaremos um rolo compressor das ideias conservadoras e a ampliação da tirania do mercado sobre todos as outras esferas da vida.

Blog: O Brasil estaria assim seguindo na direção do conceito de “Precariado” do inglês Guy Standind, que no Brasil é repercutido pelo pesquisador Ruy Braga?

Brand: A verdade é que sempre fomos mais “modernos”. Desde a escravidão brasileira, um sistema moderno de exploração do trabalho, não baseado em valores pré-modernos como honra, mas sim nas necessidades de um mercado de commodities global, estamos a frente de todos no quesito exploração do trabalho. O aumento do trabalho formal durante a era Lula foi apenas uma gota de melhoria dentro de um mar de terror.


“Ou limitamos o poder do dinheiro, ou o dinheiro destruirá por completo a democracia”


Blog: Fazendo uma integração desse papo com o anterior com o professor Vitor Peixoto no quadro do atual sistema político atual e sua relação com a democracia, o que você acrescentaria?

Brand: A democracia hoje enfrenta um problema mundial, está ameaçada em todos os cantos do globo. Esta ameaça diz respeito a expansão do mundo monetário sobre todos os outros sistemas sociais, enfim, somos todos reféns do dinheiro, no sentido adotado pelo sociólogo Georg Simmel. Se não limitarmos o poder do dinheiro em nossas vidas, o que inclui à política, caminharemos para uma “refeudalização do mundo”. Há uma falsa e ingênua ideia no senso comum político de nossa sociedade que crê que o poder está nas mãos do Estado (entendido como governo) e dos políticos. Os pseudo críticos vociferam contra políticos e governos, sem saber que estes são apenas “empregados” de conglomerados financeiros.

Ou limitamos o poder do dinheiro, ou o dinheiro destruirá por completo a democracia.

O único líder mundial realmente atento a isso, que declara isso a todos, é nosso Papa Francisco I.

Blog: Na mesa redonda sobre as consequências da queda dos royalties, no início de março na Ucam-Campos dialogamos sobre a possível disputa entre dos dois modelos de desenvolvimento que levantei como sendo entre “nacional-social-desenvolvimentismo” e “neodependência-liberal de mercado”. Eu queria ouvir você sobre isso.

Brand: Esses são os dois reais projetos de disputa no Brasil desde a ascensão de Vargas. Nunca houve uma terceira via real, apenas ajustes a estes modelos. O PSDB ao assumir o governo federal foi incapaz de criar e desenvolver uma social democracia, como estava em seu programa, aderindo ao projeto liberal, antinacional gestado desde a república velha, que teve em Vargas o grande opositor. Não concidentemente, FHC disse era preciso enterrar a era Vargas. Já o PT, ao chegar à presidência, também foi incapaz de implementar as bases de seu programa, se adaptando ao seu modo, ao Varguismo (nacional-social-desenvolvimentismo). Como todos sabem, o PT não levou a cabo o radicalismo ético pequeno burguês, que marcou parte de seus quadros e militância. Qualquer ser, não possuidor de doses cavalares de cinismo, e minimamente informado sobre a vida, sabe muito bem que não se governa nem um Playground, muito menos uma nação, baseado no radicalismo ético pequeno burguês. Por outro lado, o PT também não desenvolveu a utopia presente em seus quadros relacionado à formação de grandes comunidades cooperativas, ao modo das CEBs.

No entanto, vivemos agora um momento um pouco diferente, não sabemos ainda o que será o segundo mandato da Dilma, e qual o tamanho do impacto da ofensiva geopolítica chinesa. Algo muito novo, e positivo para o Brasil, pode ocorrer.

Blog: Você me disse que sua tese de doutorado será lançada agora como livro na Alemanha. Parabéns por mais esse reconhecimento do seu trabalho como pesquisador. Aproveitando esse fato e considerando esse tema de sua tese, além das questões sobre desigualdades e classes sociais aborda a relação disto com a religião, eu pergunto, como você vê a ampliação da presença na política brasileira de líderes religiosos de forma tão significativa? Há riscos dessa realidade para a democracia?

Brand: Não estudei muito a questão da relação entre política e religião, mas respondendo à questão, diria que acho o contrário: pluralidade expressiva faz bem para a democracia. Nós somos obrigados a enfrentar a pluralidade de demandas de nossa sociedade, e isso fortalece a democracia. Acho que os evangélicos devem receber críticas, eu também tenho críticas duras a eles, no entanto, percebo que boa parte das críticas dirigidas a eles são recheadas de puro preconceito de classe. Os pentecostais representam, em grande parte, os setores populares ascendentes, que querem seu lugar ao sol, inclusive na política, e isso deve ser respeitado.


“Não existe palavra melhor para definir nosso desenvolvimento regional e, principalmente municipal, do que “Desastre”. Nossa cidade comprova que economia não é tudo”


Blog: Para começar a fechar o debate e saindo do Planalto para a Planície e a região, como você vê o quadro de desenvolvimento social e a relação disto com a política regional?

Brand: Não existe palavra melhor para definir nosso desenvolvimento regional e, principalmente municipal, do que “Desastre”. Nossa cidade comprova que economia não é tudo. Recebemos um volume de recursos financeiros inimagináveis nos últimos 20 anos e isso não se refletiu em melhorias nas condições de vida em nossa cidade. E a causa maior deste desastre não é a corrupção, mas sim a incompetência assessorada de fio a pavio pela estreiteza das ideias, e incapacidade de elaborar diagnósticos e um projeto coletivo de cidade. O que resta de beleza em nossa cidade, como também de instituições das quais nos orgulhamos, foram produzidas em sua maioria no período histórico que tínhamos um projeto coletivo claro, o de ser a capital do Estado da Guanabara. Desde a não concretização deste projeto não criamos nenhum projeto novo, ficamos refém de um economicismo rasteiro. Sem projeto coletivo claro, isto é, sem ideias, não há dinheiro no mundo que possa resolver nossos problemas, ou seja, sem saber para onde ir, não há carro luxuoso que possa nos tirar do buraco.

Blog: Há disputa de poder ou de modelos políticos na região? O peso do rentismo histórico da região, parece que passou a se alimentar da Economia dos Royalties (que é diversa da Economia do Petróleo), criando uma “casta” (grupo) multipartidária, com outros vínculos com setores da economia regional. Essa interpretação tem algum sentido?

Brand: Na disputa de poder em nossa região só há um modelo político, por isso ele sempre ganha no final, por pior que seja. Um modelo ruim é melhor do que nenhum modelo, a nossa oposição não entendeu isso.

Por mais que, como disse anteriormente, o dinheiro venha colonizando a política, a política ainda não está completamente rendida. Acho que a esfera política tenha um poder explicativo forte sobre a realidade política local. E quanto a isso, me refiro a figura política de Garotinho. Acredito que três fatores principais mantem o status quo da política local: (1) A inegável habilidade e energia para o jogo político de Garotinho; (2) a incompreensão do projeto político do garotismo e (3) a incapacidade da oposição formular um projeto alternativo real.

1) Assim, temos que levar em conta que não são todas as regiões e municípios do Brasil que tem um político de expressão nacional, como é o nosso caso. Isso é uma especificidade local, que transforma a gramática do jogo político na região. E digno de nota que o poder de Garotinho desmorona velozmente, talvez enfrente sua maior crise, mas foi capaz de direcionar a política local nos últimos 25 anos.

2) Por outro lado, é preciso entender esse projeto para além da disputa eleitoral. Ele representou um novo pacto com as classes populares, e promoveu a ascensão política de muitos quadros de origem popular, se valendo de uma mudança na estrutura social, a saber, o crescimento vertiginoso de uma periferia urbana e esvaziamento do mundo rural. No entanto, esse projeto fracassou, não cumpriu o que prometeu. Os dados sobre Campos mostram isso claramente, temos hoje uma cidade devastada, nada salva. Nosso desenvolvimento social, econômico e etc. é vergonhoso. Nossa vergonha aumenta ao olharmos o volume de recursos que recebemos oriundos dos royalties. O Garotismo, por mais que sobreviva eleitoralmente, fracassou enquanto projeto político social.

(3) É isso que nossa oposição parece não compreender. Pela esquerda fazem críticas morais ao Garotinho, pela direita derramam ódio de classe contra ele. Ambas posições só o fortalecem. Nenhuma crítica direta e substantiva ao seu projeto, muito menos a apresentação de uma agenda política alternativa.

Embora o quadro seja desolador, acredito que vivemos o melhor momento para a ruptura com esse modelo. Precisamos de um projeto coletivo novo para a cidade, um horizonte claro com uma nova agenda para o município, reunir as migalhas que sobraram de uma oposição ao “garotismo” e fazer o milagre da multiplicação dos pães. A notícia boa é que hoje temos uma liderança na oposição com características que não conseguimos reunir anteriormente. Refiro-me ao vereador Rafael Diniz, que, embora jovem, é bastante maduro politicamente, com imensa energia para a política, e também, com capacidade de diálogo com vários espectros ideológicos da política. É tempo de reunir as poucas forças que restaram.

2 comentários:

douglas da mata disse...

Quando soube pelo próprio de sua indicação (agora nomeação), lhe disse que esse país se esquece de algo muito mais importante e dramático que a Educação: A morte, com viés de classe e raça definidos de 50 mil pessoas por armas de fogo.

Não há nação, mediação civilizatória, projeto estratégico e nem educacional sem enfrentar antes esta premissa. O resto é slogan.

Estamos prestes a encarar uma perda de nosso bônus demográfico (jovens mortos violentamente).

Já percebemos na pasta da segurança uma queda nos homicídios simplesmente porque começa a faltar "matéria-prima) para os IML.

Educação é perspectiva de futuro, e enquanto a vida tiver nenhum valor, seguiremos deseducando e disseminando conceitos de violência e banalidade, que se ajustam tão bem ao individualismo dos mercados e sua "seleção evolucionista natural".

Outro ponto preocupante, e espero que seja debatido na SAE é a ideia do Mangabeira sobre meritocracia e Educação (pincelado em uma entrevista que o Brand me enviou)...uma lástima...

Ainda assim, parabéns e toda sorte ao Brand.

Anônimo disse...

Muito sensata a visão de Brand Arenari, inclusive o tópico sobre a ausência local de um projeto político coletivo. Parece que o déficit geral e agora agudo de legitimidade (seja ele próprio "legítimo" ou alimentado por hipocrisia de interesses reacionários), aliado ao desgaste de curto prazo pela queda nas receitas do petróleo, fornece a oportunidade para a construção coletiva de uma novidade aqui em Campos. Precisamos de outros Brands e Robertos Dutras (também indicado diretor do Ipea) que se incorporem a um esforço de articulação de um projeto para nosso município e de lideranças que se disponham a ser canal para sua viabilização política.

Gustavo Smiderle