domingo, julho 29, 2012

"Qual o lugar da política?"

O artigo abaixo é do Cláudio André de Souza da UFBA e foi publicado originalmente no Portal Carta Maior. Vale sua conferida:

"Qual o lugar da política?"

"O horror à política a que se assistiu desde o inicio da campanha eleitoral representa os problemas e limites da política nos dias de hoje. Essas questões merecem ser debatidas pela política nos seus devidos lugares, inclusive em meio virtual, apesar das limitações."
"Nas últimas semanas uma onda de postagens nas redes sociais revelou a magnitude da desconfiança de cidadãos comuns em relação à politica.

Diversas formas de manifestação suscitavam que as redes não deveriam servir para fins eleitorais. De modo algum que essa constatação seja inédita diante do comportamento da sociedade, porém, a natureza do ato representa os limites da democracia, no que se refere as atribuições da sociedade civil e da sociedade política. Tais limites são, inclusive, particulares, ao contexto brasileiro de disputa em torno do projeto democrático.

No âmbito normativo, a democracia prescinde da politização da sociedade, na medida em que valoriza os arranjos institucionais e a participação diante do poder público. A comunidade política se autogoverna e se autodetermina na figura dos cidadãos. O poder democrático deve diminuir a distância entre os que dirigem e são dirigidos, ou seja, os governados também governam. Essas premissas reafirmam que a democracia se justifica pela participação e representação, tornando o Estado soberano somente admitido através de um povo soberano.

Essa concepção delineada pela teoria democrática, mesmo cedendo espaço ao diálogo em torno da participação como expressão do projeto democrático contemporâneo, deve refletir em torno da constatação factual de que a política não vive bons momentos.

As armadilhas impostas a democracia se baseiam no aprofundamento de sociedades fincadas no mundo privado, estabelecendo um “vazio” encarnado na percepção de que os grandes interesses em curso não são devidamente determinados pela política, mesmo sendo figurada na sociedade civil ou na sociedade política (Estado).

O descrédito conferido a política pode ser interpretado diante do desempenho das instituições, porém, desconfia-se que resulta da predominância do “poder privado” enquanto um ethos de maior amplitude no entendimento das sociedades contemporâneas. Está aparente na sociedade a ideia de que a política não presta, tratando-se de uma “alma penada” a que todos devem conviver, mas sabendo que a “salvação” está sob a dimensão do mercado, fazendo uso de um repertório singular (choque de ordem, eficácia, gestão, técnica, competência, etc.). Essa percepção reafirma a política como um “Judas”, ambiente de traições e conluios, sem diferenciar o joio do trigo.

Para o cientista político Marco Aurélio Nogueira, a política é “luta de ideias e valores, esforço para estabelecer e para fazer que prevaleçam projetos de sociedade, modos de organizar a convivência e de resolver conflitos” (p. 21). A política necessita do poder, postulando espaços onde indivíduos e grupos expressem suas posições e busquem se reafirmar.

A potencial realização da vida privada encara o cidadão como um consumidor, desgastando ainda mais as democracias já merecedoras de reparos. O neoliberalismo, de antemão, reforça um liberalismo centrado nas liberdades econômicas, que busca indivíduos vocacionados ao auto-interesse.

O horror à política a que se assistiu desde o inicio da campanha eleitoral representa os problemas e limites da política nos dias de hoje. Essas questões merecem ser debatidas pela política nos seus devidos lugares, inclusive em meio virtual, apesar das limitações. O lugar da política nos dias atuais merece ser repensado, sobretudo diante das insatisfações a que as democracias costumam causar.

(*) Cientista político, professor e Doutorando em Ciências Sociais pela UFBA.
(clandresouza@gmail.com)

5 comentários:

Roberto Torres disse...

Talvez esta deslegitimacao da política seja o grande legado da era neoliberal no mundo.

Com uma linguagem totalitária - que deseja impor critérios economicos (gestao, técnica etc.) a esferas nao economicas - o neoliberalismo baseia-se na imposicao do poder economico das grandes corporacoes e de sua visao de mundo, que nao concebe alternativas: "fim da história!". O neoliberalismo é anti-democrático, baseia-se no controle da política por critérios que apresenta como "nao políticos".

Talvez o grande dilema é que o sistema político - sobretudo dos países tidos como exemplos de democracia (Europa e EUA) - parece ter se acostumado à hegemonia neoliberal. Até mesmo a esquerda parece ter se rendido ao programa de seus adversários.

Em qual partido progressista do mundo hoje tem alguem de peso que ponha o dedo na ferida? Ou seja, que diga: "é preciso retomar a democracia e autonomia de acao que o sistema financeiro e sua hegemonia nos roubaram".


Ao mesmo tempo, prevalece a cresce em vários países - na esteira do descrédito da política - ordens jurídicas "pos-constitucionais": toda uma área de relacoes economicas regulada nao por normas submetidas ao procedimento legitimador da democracia e à constituicao política.

O caráter político da constituicao vai sendo esquecido, ou seja, o vínculo entre direito e democracia vai dando o lugar a uma concepcao que reduz o direito uma esfera indiferente à vontade política dos povos.

Hoje muito se discute sobre os mecanismos contra-majoritários, que deveriam impedir o direito de ser refem da "vontade popular". Gilmar Mendes é um de seus arautos. Para ele, e mt outros, o direito é uma ilha de racionalidade e moralidade num mundo irracional e imoral, sobretudo o mundo político.

E tudo isso como se o poder judiciário e os "homens do direito" fossem menos corrupto do que o legislativo e o executivo e "homens da política".

A decepcao da sociedade com a política, por outro lado, parece se alimentar de expectativas irreais, que ninguem deposita sobre si mesmo, mas sobre os políticos sim: que agam em nome do interesse do outro e contra seus próprios interesses.

E muito divertido ver musícos e gente bem humorada criticando os políticos pelo seu interesse "exklusivo" na carreira. Como se todos que tivessem uma carreira, nao fisessem o mesmo.

Desculpe pela comentário enorme rs... mas o tema me instiga mt.

Acho que é o tema mais importante o mundo atual: quem formula nossas alternativas sociais? Elas serao formuladas por gente que, mesmo seguindo uma carreira pessoal, é cobrada pelo público que vota, critica e propoe? Ou seram formulada por "especialistas", "gestores", que pretendem substituir a legitimacao democrática pela autoridade "científica" de seus "saberes"?

Roberto Moraes disse...

Olá Roberto,

Muito interessante o seu comentário. Relaciono o mesmo à discussão entre o Estado e o MErcado, o Público e o Privado.

Recentemente, em minha pesquisa sobre os grandes empreendimentos no ERJ, com olhar especial sobr eo Complexo do Açu, acompanhei pela internet e disponibilizei comentário aqui no blog, um seminário sobre Sustentabilidade e a chamada Gestão Integrada do o Território (GIT) um modelo, muito próximo da discussão da conhecida Agenda 21, que a EBX organizou, dentro da Rio+20, em sua sede no Rio.

Na oportunidade, foi explicitado com todas as letras que só as corporações têm condições de agir sobre a questão ambiental e social, porque os governos, reprsentando o Estado, têm mandatos e outros interesses não estão globalizados como as finanças e as corporações e que para isto, as corporações devem apenas inserir em suas ações, o atendimento das pessoas (entenda força de trabalho) e do seu entorno, usando parte do que seriam os seus lucros.

Desta forma e com este entendimento, a política, o Estado e os governos ficam considerados como estorvos à sociedade.

O interessante é que se alimentam dos Fundos e bancos governamentais, usam e demandam mais infraestruturas dos governos e isenções ou descontos fiscais e tributários, nos três níveis, dividem parte das chamdas Condições Gerais de Produção (CGP) e consideram o Território algo a ser utilizado para gerar riqueza e acumulação, conferindo alguma compensação ou mitigação às comunidades, apenas como forma de reduzir ou eliminar conflitos.

Está aí um interessante tema a ser aprofundado em nossa região, onde os royalties tornaram a escala menor do estado (os municípios) poderosos pela capacidade de investimento e que agora num projeto globalizante, de um complexo logístico-portuário interferem sobre o território de maneira singular.

O tema merece ser aprofundado.

Abs.

Anônimo disse...

Nióbio e as Olimpíadas

Vendo a Marina Silva na abertura das olimpíadas e a mulher que a venceu na disputa presidencial na plateia, me perguntei porque os ingleses resolveram prestigiar a ex-ministra. Ao pesquisar sobre as relações dos ingleses com a simpática ex-seringueira, só encontrei perguntas. Marina já recebeu a medalha “Duque de Edimburgo” do governo inglês e foi mais uma vez homenageada pelos britânicos. Suas relações com os ingleses e o capital internacional são muito mais complexas do que imaginam os ambientalistas e defensores da Amazônia.
Perguntas e mais perguntas:
1) Travestidos de defensores do meio ambiente e dos indígenas, o que querem os ingleses na Amazônia e qual o seu interesse nas jazidas nióbio?
2) A Reserva Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima tem mesmo uma promissora reserva de nióbio?
3) É verdade que a reserva da cidade de São Gabriel da Cachoeira, município no extremo noroeste da Amazônia, tem 14 vezes as reservas mundiais de nióbio conhecidas?
4) Porque a ex-senadora Marina Silva defendia tanto as ONGS estrangeiras e em nome da preservação da Amazônia tentou impedir os brasileiros de explorar as riquezas daquela região?
5) Porque a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol foi decretada a toque de caixa pelo governo da ministra Marina?
6) É verdade que a RIRSS, para 15 mil indígenas, não possui nem a metade desta quantidade de silvícolas?
7) Porque o Brasil, à época da gestão da ministra, assinou isoladamente na América do Sul a “Declaração de Direito dos Povos Indígenas” que aceita que territórios indígenas se tornem nações independentes?
8) Porque a Lei de Concessão de florestas (Lei 11.284/2006) nunca foi bem discutida, como bem disse o senador Pedro Simon?
9) Onde é o limite da preservação e a proteção dos interesses estrangeiros em nosso território?
10) O Marcos Valério disse mesmo na CPI dos Correios que “o grosso do dinheiro vinha do contrabando de nióbio” ou só afirmou que levou o pessoal do BMG ao José Dirceu para negociar nióbio?
11) Quem são os verdadeiros sócios da CBMM em Araxá (MG), atualmente a maior produtora de nióbio do mundo?
12) A CBMM financiou mesmo projetos do Instituto Cidadania e parte do programa “fome zero”?
13) É verdade que quando a reserva de nióbio mineira foi descoberta há 50 anos o grupo americano Molycorp (que não podia ser dono majoritário da mina) a entregou de mão beijada ao então embaixador brasileiro nos EUA, Walther Moreira Sales criando a extinta DEMA, hoje CBMM?
14) Foi lá mesmo, na casa do também dono do UNIBANCO que o então presidente Lula se hospedou em Araxá?
15) Os chineses, maiores consumidores do nióbio, compraram mesmo 15% da CBMM?
16) O preço do elemento 41 (como é conhecido o nióbio) é realmente controlado pela bolsa de metais de Londres e sub-cotado a U$ 90,00/kg?
17) Porque o preço de um produto estratégico e quase que exclusivo nosso é precificado pela London Metal Exchange?
18) Quando o Wikileaks divulgou documentos com os locais de importância estratégica para americanos e ingleses fora de seu território, porque listou as minas de nióbio de Araxá (MG) e Catalão (GO)?
19) A Anglo American controla a exploração de nióbio em Goiás?
20) Onde Eike Batista entra nesta equação?
21) Se temos mesmo 98% das reservas deste importante metal, e ele é mesmo tão valioso, porque não fazemos como os árabes fazem com o petróleo?

Roberto Torres disse...

Olá Roberto,

O "caso EBX/Acú" parece ser mesmo um ótimo laboratório para observar essas mudancas...

Estou curioso para conhecer de perto essas questoes.

É como se a corpracao pretendesse assumir a soberânia política pelo terrotório na qual ela desenvolve atividades economicas. E com recursos públicos.

Propoe-se um retorno ao tempo em que política social nao era questao política (ao Brasil pre-Vargas), mas assunto privado, filantropia.

O rótulo bonito para isso é: "protagonismo da sociedade civil".

Com este rótulo vai se montando a tese de que - como voce disse - o Estado e a política sao um estorvo.

Quando a verdade é uma só: somente a política pode problematizar qustoes sociais amplas, pois do estado todos os cidadaos sao membros e podem intervir pelo voto ou outras formas de participacao; em corporacoes, ao contrário, nao existe essa possibilidade. Somente o Estado é "responsivo" pelo seu "entorno".

abs,

Roberto

xacal disse...

Meus caros, instigante debate:

Eu percebo, do baixo de minha parvoice alguns sintomas:

Vejam que há uma permanente promiscuidade de conceitos que nos turvam a visão. Eu digo nós, a esquerda, que em certo tempo, até duvidou que existia, rs:

Na construção da sopa ideológica neoliberal, misturaram o fatalismo econômico mercadista, ou seja, tem que ser assim, e pronto, o que eles chamam eufemisticamente de "ortodoxia", com se isto fosse virtude, na ação política de gestão do Estado, ora contrabandeando a privatização empresarial de conflitos (corrupção) para derreter e esfera pública de debates(partidos, eleições, etc).

Salpicamos com palavras bonitas: eficiência, empregabilidade, vantagem competitiva, etc, e voilá:

Darwininismo econômico, xenofobia, intolerância conservadora, concentração de riqueza, desregulação total de capitais e lucros estratosféricos(é claro!), servidos como prato único, "A modernidade".

Ou começamos a reconstruir instâncias de luta política legitimadas(e isso toma teeeeemmmmpo)ou vamos começar a (re)alimentar monstros totalitários ao redor do globo.

O resultado a gente já conhece, mas é sempre bom lembrar: A história só se repete para provar que tudo pode ser bem pior do que já foi antes.


Abraços.