segunda-feira, agosto 04, 2014

"Quando falha a retórica da comparação"

Abaixo mais um ótimo texto do José Luiz Fiori que a meu juízo põe os pingos nos "is" em épocas em que o complexo de vira-latas parece não ter fim. O Brasil entrou em outro patamar e a situação internacional é hoje muito diversa da anterior. Confiram:

"Quando falha a retórica da comparação"
"Transformações econômicas e geopolíticas imensas exigem que Brasil se coloque como ator importante no cenário global. Mas há quem queira nos reduzir a monoexportadores…"

Por José Luís Fiori

Na década entre 2003 e 2012, a taxa média de crescimento anual do PIB, do Uruguai, Bolívia e Equador, foi superior à taxa média de crescimento do Brasil. E o mesmo aconteceu com a taxa de crescimento das exportações destes três países, que também cresceu mais que o Brasil. Mais do que isto, o Uruguai obteve a segunda maior taxa de crescimento da América do Sul, superior as taxas do Chile e da Colômbia. E todos estes países seguirão crescendo mais do que o Brasil, no ano de 2104. Diferente do Chile e da Colômbia e o Peru, o Uruguai pertence ao Mercosul, a Bolívia está ingressando, e o Equador está a caminho. Mas o que realmente pesa e interessa é que todos estes países são pequenas economias exportadoras de commodities com baixíssimo grau de industrialização e limitados mercados internos de consumo.

Taxa Média de Crescimento % do PIB e das Exportações de Bens e Serviços- 2003-2012 de algumas economias sul-americanas.

PaísesMédia de Crescimento % do PIBMédia de Crescimento % das Exportações de Bens e Serviços
Peru6,477,14
Uruguai5,238,69
Colômbia4,735,88
Equador4,544,73
Bolívia4,466,79
Chile4,454,29
Brasil3,585,20
Fonte: calculado com base em http://data.worldbank.org disponível em 14/05/2014

O uso da comparação como método de conhecimento e aprendizado social e político começou na Grécia, e se generalizou depois de Maquiavel. Mas foi só na segunda metade do século XX que os avanços quantitativos da Contabilidade Nacional permitiram fazer comparações macroeconômicas abstratas entre países. O problema é que estas comparações só têm sentido e permitem algum aprendizado, quando elas tomam em conta as bases materiais concretas sobre as quais se sustentam e constroem estas abstrações macroeconômicas. Por isto, tem pouca utilidade comparar o Brasil com estes pequenos países, e seria uma insensatez ainda maior propor que o Brasil seguisse o modelo de crescimento destas verdadeiras “ilhas mono-exportadoras”. A economia do Uruguai é do tamanho da de Santa Catarina, e as do Chile e Peru são mais ou menos do tamanho da economia do Rio de Janeiro. Comparar o Brasil com estes países seria como comparar um elefante com um coelho, e copiar seu modelo de crescimento seria como tentar dirigir um caminhão usando um manual de instruções de um patinete. Segundo cálculos recentes do Banco Mundial, o Brasil passou a ser a sétima maior economia do mundo, na década entre 2004 e 2013. Além disto, segundo os dados do BIRD, o Brasil foi o país o que teve a 5º maior taxa média de crescimento anual do PIB, e da Renda per Capita, entre as dez maiores economias do mundo, neste mesmo período. Por último, e apesar de tudo, o Brasil obteve a 4º maior taxa de crescimento, entre as grandes potencias econômicas do mundo, em 2013, e está mantendo a 7º maior taxa, no ano de 2014.

 Taxa Média de Crescimento % do PIB e da Renda Per Capita – 2004-2013 das 10 maiores economias do mundo.
PaísesMédia de Crescimento % do PIBMédia de Crescimento % da Renda per Capita
EUA1,740,85
China10,209,62
Índia7,506,05
Japão0,780,81
Alemanha1,291,52
Rússia4,014,10
Brasil3,732,73
França0,960,39
Indonésia5,754,34
Inglaterra1,100,37
Fonte: calculado com base em http://data.worldbank.org disponíveis em 07/07/2014

A partir de agora — goste-se ou não –, este é o novo “grupo de referência” do Brasil — e, ao mesmo tempo, são os países que disputam com o Brasil os mercados mundiais. Neste grupo das grandes potências econômicas do mundo, cinco das seis economias que aparecem na frente do Brasil (se incluirmos aí a Alemanha e o Japão, o que parece bastante adequado) seguem estratégias econômicas fortemente nacionalistas, e devem ser consideradas casos típicos de “capitalismos de Estado”. Além disto, todos são ou disputam hoje a condição de potências geopolíticas regionais ou globais. Mesmo assim, seria uma ingenuidade querer copiar pura e simplesmente as politicas destes países. Até porque, entre os chamados “emergentes”, o Brasil já viveu seu ciclo de alto crescimento econômico, entre 1937 e 1980, aproveitando-se da oportunidade estratégica criada pela II Guerra Mundial e pela Guerra Fria. Ao contrário dos demais “emergentes” que começaram seu ciclo no final do século XX, o que faz uma enorme diferença. Neste momento, para discutir novas estratégias de aceleração econômica não bastam comparações macroeconômicas simplórias e fora do contexto estrutural e geopolítico de cada país.

Nestas primeiras décadas do século XXI, o mundo está atravessando uma imensa transformação geopolítica e econômica global, com a intensificação da competição e das disputas entre as suas grandes potencias militares. Nestas horas, ampliam-se os espaços e as oportunidades estratégicas dos demais estados e economias que disponham de tamanho, população, recursos e densidade econômica suficiente, como é o caso do Brasil. E mesmo assim, o aproveitamento destas oportunidades estratégicas dependerá da existência de coalizões de poder, burocracias e lideranças, com capacidade de antecipar as brechas e desenhar as politicas econômicas adequadas para cada momento. E com capacidade de sustentar — por um período prolongado de tempo — o objetivo central de conquista agressiva de posições dentro da hierarquia internacional de poder e de riqueza. Nestes momentos não cabe olhar para trás ou para baixo, há que olhar para frente e pensar grande para não ser atropelado pela história."

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