sexta-feira, maio 06, 2016

Política de Conteúdo Local no setor de petróleo e gás é campo de disputa

A Política de Conteúdo Local (PCL) no setor de óleo e gás é regulado no Brasil pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). A PCL é uma ação do governo federal implementada a partir do governo Lula em 2003.

A PCL visa dar força à indústria nacional, não somente a indústria naval que produz embarcações para apoio à exploração offshore e também sondas e plataformas.

Outras diversas indústrias são arrastadas pelas demandas puxadas por esta capacidade de arrasto do setor de petróleo, que inclui máquinas e equipamentos, geração de energia, ambiente e saneamento, equipamentos, transporte, comunicações, serviços, etc.

Entre 2011 e 2015 a ANP aplicou R$ 516,9 milhões em multas por descumprimento dos percentuais de conteúdo local previstos em contrato. Como existe possibilidade das empresas que não recorrerem das multas de conseguirem um desconto de 30%, a ANP recolheu no mesmo período R$ 352,2 milhões com as penalidades, tendo avaliado os percentuais dos contratos, apenas até a 7ª rodada.

Na atual fase de baixa dos preços do petróleo e de busca desenfreada pela redução de custos de produção, a pressão para se fazer concessão, abrindo mão do PCL é enorme.

Porém, faz pouco sentido abrir mão daquilo que incorpora empregos, expertise e agrega mais cadeias de produção à atividade de extração mineral. Não há como uma nação se desenvolver e entrar na economia global, apenas vendendo commodities, sem dar o salto.

Um exemplo bem sucedido de política de conteúdo nacional é o que se vê na Noruega, Europa. Hoje, aquele pequeno país que tem expertise em produção offshore sendo a segunda nação que mais tem empresas prestando serviços na área no Brasil. Só perde para os EUA e está na frente da Alemanha e França, segundo levantamento que faz parte de ampla pesquisa que realizo.

Por conta disso, pode-se afirmar que a Noruega é o paradigma e a referência para o Brasil em termos de se buscar encorpar e aperfeiçoar nossas empresas para atuação não apenas nacional, mas global, a partir de um maior apoio e articulação do poder político junto ao Estado. É assim que acontece em todo o mundo.

Neste sentido, os esquemas de corrupção na Petrobras e em outras empresas contratadas pela estatal atingiu em cheio esta boa proposta.

Como decorrência, as empresas de fora, interessadas apenas em ganhar com o fornecimento de materiais, equipamentos e/ou serviços, estão aproveitando para pressionar por mudanças e flexibilização da regulação e do controle a favor do "conteúdo local", como condição para explorar petróleo e gás no Brasil.

Na época de FHC, as plataformas eram feitas todas fora, Canadá, Cingapura, etc. Assim, não se pode dizer que não existissem os esquemas, como agora se sabe amplamente, mas eles eram negociados, através destes grandes contratos com empresas estrangeiras, que depois passaram a ser obrigadas a se implantar e crescer as suas bases, traduzidas em investimentos em capital fixo sobre nosso território.

As pressões por suspensão do PCL redundou em negociações. Desta forma foi criado o Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural: Pedefor.

O Pedefor é um programa que tem comitês e é coordenado por grupo interministerial incluindo a Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCT. A formulação e gestão do programa inclui ainda gestores dos ministérios da Fazenda, Casa Civil, Minas e Energia, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, BNDES, ANP e Finep e deve elencar um conjunto de projetos e ações.

O objetivo do Pedefor é o de ampliar o conceito de conteúdo local valorizando áreas de maior valor agregado como a engenharia, desenvolvimento e inovação tecnológica, o potencial de geração de empregos qualificados e ainda a capacidade de gerar exportações de equipamentos e serviços para esta cadeia produtiva que é global.

Assim, um dos programas que o Pedefor está analisando seria a geração de uma espécie de créditos por tecnologia e serviços que possam vir a ser exportadas. Um exemplo é do área de engenharia submarina (subsea), em que o Brasil é hoje, bastante forte, inclusive com uma boa base (APL) instalada em Macaé.
Exemplo de equipamentos e tecnologias submarinas usadas produção offshore 

A estratégia que está sendo pensada para isto é a da instituição de Unidades de Conteúdo Local (UCL), e que bônus seriam concedidos às empresas que comprovassem, não apenas a contratação de bens e serviços locais, mas que também viabilizassem o investimento direto em processo de inovação tecnológica para atendimento às operações no exterior.

A ideia é interessante, mas há que se ter cuidado com as empresas que possam ter pequenas bases operacionais aqui, apenas para ganhar contratos no Brasil com alta rentabilidade, mantendo suas matrizes, de forma hierárquica, como única base de suas inovações tecnológicas.

Como se sabe, o setor atuando de forma offshore e com materiais chegando via marítima, este controle não é um procedimento simples de ser feito. Exige equipes de fiscalização com alta capacitação técnica.

O caso remete aos controles da Receita Federal sobre impostos cobrados na prestação de serviços de afretamento de embarcações especiais para o setor, que são feitos na maioria das vezes no exterior.

Há pouco dias, o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) decidiu sobre a cobrança de impostos à Petrobras, em cerca de R$ 2 bi, por conta da relação que a Receita Federal identificou entre o contrato de afretamento da embarcação no exterior (sobre o qual não caberia impostos a serem pagos no Brasil) e a cobrança de serviços, contratados aqui no país, por empresa do mesmo grupo empresarial do proprietário da embarcação.

Tudo isto parecem detalhes, mas não é. As corporações sempre alegam e reclamam da burocracia e buscam flexibilização das regras e redução da regulação, fazendo crer que isto impede a produtividade.

Nesta contenda, muitas empresas jogam toda a pressão contra os Estados Nacionais e colocam as gestões locais e regionais em disputa pela redução da regulação. Estamos no presente assistindo a este fenômeno, nesta fase de crise pelos baixos preços, onde prefeitos e governadores pressionam o governo federal e o Congresso Nacional por flexibilização das regras e, ao mesmo tempo, clamam por investimentos do governo central.

É interessante observar que os negócios no setor de petróleo, sempre envolvem grandes somas de recursos. Daí que pequenas concessões e isenções significam vultuosas quantias de receitas. Além disso, o controle e a regulação sobre esta área que envolve poderosas corporações globais, não é simples.

Estas corporações são sempre muito ágeis e atuam sempre na ofensiva com várias alternativas de propostas de legislação, através de competentes equipes de assessoria jurídica, o que deve demandar uma capacidade cada vez maior do estado.

Não é fácil o Estado dar conta do seu papel, de forma, a possibilitar o funcionamento dos empreendimentos que movimentam a economia, mas sem deixar de cobrar aquilo que é de direito dos estados nacionais para atender e viabilizar os compromissos junto à população que mais dependem das políticas públicas do estado.

Não é por outro motivo que os presidentes da Firjan e do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo), junto com dirigentes de outras petroleiras brasileiras e estrangeiras que atuam no Brasil, tenham nesta última semana, em vários painéis de mais uma OTC "Offshore Technology Conference", acontecida até ontem, em Houston, nos EUA, trabalhado contra a Política de Conteúdo Nacional e de abertura do setor. Duas matérias sobre o assunto veiculadas pelo site PetroNotícias que cobre o evento dão mostras claras sobre estas posições. (Veja aqui e aqui)

Na mesma linha, nesta semana o Armínio Fraga, que foi cotado para ministro da Fazenda do Aécio, foi presidente do Banco Central de FHC, além de empregado do George Soros, grande investidor (especulador) com ações da Petrobras, defendeu na última segunda-feira, no Programa Roda Viva da TV Cultura, que o governo federal entre com dinheiro entre R$ 50 bilhões e R$ 100 bilhões para capitalizar a Petrobras.

Antes Armínio Fraga era contra a capitalização da estatal, agora com a possível nomeação do Temer, Armínio muda de posição na linha dos interesses do George Soros. Bom lembrar que com US$ 25 bilhões em caixa, a maior entre todas as petroleiras, a estatal não necessita dessa capitalização, pelo menos até o segundo semestre de 2017, segundo, o seu presidente Bendine.

Fraga defendeu ainda a nomeação de um nome do mercado para a direção da Petrobras alegando que assim o mercado (entenda Soros e outros) vai dar mais crédito à empresa e quem sabe também entrar com algum capital. Além disso, o que interessa é que a Petrobras venda rapidamente seus ativos, promessa do Serra para Chevron e também sepulte ou limite ao mínimo a Política de Conteúdo Nacional, que é um processo de regulação encaminhado como comentamos acima pela ANP.

Ainda sobre este assunto vale conferir aqui matéria de ontem da revista Piauí, publicada ontem (05/05) sobre a importância da Petrobras e do eixo do setor de petróleo diante dos interesses dos liberais com o possível "novo governo Temer".

A linha é abrir, ou melhor escancarar o setor, sem nenhuma visão de nação e dos interesses nacionais, numa linha daquilo que ficou conhecido como "Capitalismo de Laços" onde a elite econômica nacional se satisfaz com os percentuais rentistas de negócios estrangeiros que defendem para o país.

Assim, os liberais oferecem tudo alegando sempre a incompetência do estado. Trata-se de um jogo pesado e permanente. Porém, é ilusão que tudo isto posa passar despercebido por quem estuda com mais acuidade o funcionamento e as entranhas do setor. Seguimos acompanhando.

PS.: Atualizado às 19:46: Para brevíssimo acréscimo no texto.

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