terça-feira, fevereiro 05, 2013

"Mobilidade do capital e progresso técnico"

Macroeconomia é um terreno árido para quem não é da área como eu. Ainda assim, análises bem feitas e sem desnecessárias complicações permitem a leigos compreenderem o recado. É nesta linha que tenho apreciado cada vez mais as análises e os textos do economista Luiz Gonzaga Belluzzo.

Este abaixo está publicado na edição do Valor desta terça-feira. Ele é esclarecedor e segue na linha das estratégias do capital citadas pelo geógrafo David Harvey, no livro "O Enigma do Capital".

Assim, Belluzo arrisca prognósticos sobre os próximos passos que o capital vislumbra para concentrar controle e gerar novas acumulações, através da ampliação da inovação de base tecnológica.

Vale à pena conferir e tentar avaliar a situação do nosso Brasil diante deste possível cenário:

Mobilidade do capital e progresso técnico

Por Luiz Gonzaga Belluzzo
Há quase três décadas a China executa políticas nacionais de industrialização ajustadas ao movimento de expansão da economia "global". As lideranças chinesas perceberam que a constituição da "nova" economia mundial passava pelo movimento da grande empresa transnacional em busca de vantagens competitivas, com implicações para a mudança de rota dos fluxos do comércio. Os chineses ajustaram sua estratégia nacional de industrialização acelerada às novas realidades da concorrência global.
A experiência chinesa combina o máximo de competição - a utilização do mercado como instrumento de desenvolvimento - e o máximo de controle. Entenderam perfeitamente que as políticas liberais recomendadas pelo Consenso de Washington não deveriam ser "copiadas" pelos países emergentes. Também compreenderam que a "proposta" americana para a economia global incluía oportunidades para o seu projeto nacional de desenvolvimento. Assim controlaram as instituições centrais da economia competitiva moderna: o sistema de crédito e a política de comércio exterior, aí incluída a administração da taxa de câmbio. Os bancos públicos foram utilizados para dirigir e facilitar o investimento produtivo e em infraestrutura.
A rápida industrialização da China e dos países do Sudeste Asiático deslocou uma fração importante da demanda global para os produtores de matéria primas e alimentos. Como é de conhecimento geral, a China ainda sustenta um saldo positivo muito elevado com os Estados Unidos. Mas seu déficit é crescente com o resto da Ásia e com os demais parceiros comerciais. O bloco industrializado da Ásia, articulado em torno da China, funcionou e ainda funciona como uma engrenagem de transmissão entre a demanda gerada nos países centrais e a oferta das economias "exportadoras de recursos naturais".
Os países que perderam posição na disputa competitiva da manufatura acenam com mais inovações
O leitor bem informado sabe que o chamado "modelo asiático" tem uma relação simbiótica com as transformações financeiras e organizacionais que deram origem às novas formas de concorrência entre as empresas dominantes da tríade desenvolvida, Estados Unidos, Europa e Japão.
As andanças da nova concorrência responderam, sim, às politicas liberalizantes dos anos 80. E, em sua resposta, o movimento da grande empresa realizou o projeto de reconfiguração do ambiente internacional. A metástase do sistema empresarial da tríade desenvolvida - particularmente dos Estados Unidos e do Japão - determinaram uma impressionante mutação nos fluxos de comércio. Não se trata apenas de reafirmar a importância crescente do comércio intra-firmas, mas de destacar o papel decisivo do "global sourcing", fenômeno que está presente, sobretudo, nas estratégias de deslocalização e de investimento que, desde a década dos 90, beneficiaram as economias asiáticas, a China em particular.
A nova concorrência engendrou simultaneamente: 1) a centralização do controle, mediante as ondas de fusões e aquisições observadas desde os anos 80; e 2) a nova distribuição espacial da produção, ou seja, a internacionalização das cadeias de geração de valor. Centralização do controle e descentralização da produção: esse movimento de dupla face afetou a natureza e a direção do investimento direto em nova capacidade, reconfigurou a divisão do trabalho entre produtores de peças e componentes e os "montadores" de bens finais e, como já foi dito, alterou as participações dos países nos fluxos de comércio. O propósito da competição entre os grandes blocos de capital é o de assegurar simultaneamente a diversificação espacial adequada da base produtiva da grande empresa e o "livre" acesso a mercados.
Mas as vantagens da China e de seus parceiros asiáticos não estão asseguradas. Não há repouso no capitalismo. Depois da crise de 2008 e de suas consequências, os países que perderam posição na disputa competitiva da manufatura - sobretudo os Estados Unidos - acenam com uma nova rodada de inovações, aquelas que seriam classificadas de "poupadoras de mão de obra" pelos sábios que ainda utilizam funções de produção.
O economista chefe da General Eletric, Marco Annunziata e Kenneth Rogoff preconizam a iminência de um intenso movimento de automação baseado na utilização de redes de "máquinas inteligentes". Nanotecnologia, neurociência, biotecnologia, novas formas de energia e novos materiais formam o bloco de inovações com enorme potencial de revolucionar outra vez as bases técnicas do capitalismo. Todos os métodos que nascem dessa base técnica não podem senão confirmar sua razão interna: são métodos de produção destinados a aumentar a produtividade social do trabalho em escala crescente. Sua aplicação continuada torna o trabalho imediato cada vez mais redundante. A autonomização da estrutura técnica significa que a aplicação da ciência torna-se o critério dominante no desenvolvimento da produção.
O jogo da grande empresa é jogado no tabuleiro em que a mobilidade do capital impõe conjuntamente a liberalização do comércio, o controle da difusão do progresso técnico (leis de patentes etc..) e o enfraquecimento da capacidade de negociação dos trabalhadores. Assim, as "novas" formas de concorrência escondem, sob o diáfano véu da liberdade, o aumento brutal da centralização do capital, a concentração do poder sobre os mercados, a enorme capacidade de ocupar e abandonar territórios e de alterar as condições de vida das populações.
Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists."

9 comentários:

douglas da mata disse...

Pois é, em suma o que Beluzzo diz é que a resposta dos países ditos centrais será o aumento de produtividade via tecnologia, com aumento das margens de acumulação e competitividade com a mão-de-obra asiática, e descontando a suposta "artificialidade" das taxas de câmbios praticadas naqueles países, mormente na China.

Novas emissões depreciam a moeda(dólar) nos EEUU, o que visa anular esta vantagem chinesa.

Nas crises, como diz Harvey, o capital volta a origem.

E as empresas transnacionais vão começar a forçar a mão de novo nos seus países de origem, mas não querem gerar empregos para não encarecer seus produtos pelo decréscimo do exército de reserva, logo, o investimento vai para automação, como já foi dito!

No entanto, a Beluzzo toca de leve, mas não realça (pois este não era o centro da análise) que a China, assim como seus periféricos asiáticos, podem ter utilizado estes ciclos de desenvolvimento provocados pelo afluxo de capital, que buscavam descentralizar a produção, para aumentar sua capacidade tecnológica, passando da cópia a inovação produtiva, como aconteceu com o Japão pós 45.

Se considerarmos o ambiente político hermeticamente fechado dos chineses, e o que isto traz de vantagem na otimização destes processos de planejamento, é bem possível que o capital não consiga "voltar" impune para a "nave-mãe". Ou seja: A China soube incorporar ao seu projeto de desenvolvimento a apreensão de capitais para estabelecer uma base de bens de capitais, infra-estrutura e capacitação de mão-de-obra que lhe permite começar a competir com os eixos centrais, sem mencionarmos o enorme mercado interno, propositalmente deprimido, para não explodir a demanda interna, pressionando os níveis de inflação e os recursos disponíveis(preço das commodities).

Por outro lado, eventos como de 89 na China(Praça da Paz Celestial), e outros pontos de tensão que começam a crescer, na luta dos trabalhadores por melhores condições, também pode trazer novidades nestes cenários.

Este é um dado relevante para analisarmos os BRICS. O ambiente institucional de cada um é caso peculiar para avaliarmos as mudanças e tentativas de desenvolvimento.

É um bom debate.

Engraçado como nenhum dos trolls residentes daqui aparecem nestes momentos! rs!

Anônimo disse...

Olha que absurdo, professor:
http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/02/para-atrair-investidores-governo-muda-regra-de-concessao-de-estradas.html

Ranulfo Vidigal disse...

Caro Roberto, o professor Beluzzo, sempre brilhante, nos auxiliar a desvendar as contradições de mais uma crise estrutural/sistêmica/conjuntural do capitalismo. Hoje com forte dominância financeira e sob a hegemonia do dólar flexível e livre para se valorizar ou se desvalorizar, ao sabor das necessidades da maior economia do planeta. Na crise dos anos 30, a história nos revela, que o mecanismo da guerra foi um importante instrumento de recuperação. Hoje, a saída através da geração de superávits na balança comercial pode esbarrar no protecionismo. A saída pelo fortalecimento dos salários e pela tributação na renda e patrimônio dos ricos é politicamente insustentável pela força do Partido Republicano nos EUA e pela vontade de destruição paulatina do Walfare State na Europa. A saída aparentemente virá por mais uma rodada de inovações, poupadoras de mão de obra. Não podemos esquecer que a China, nos anos recentes exerceu um importante papel de expansão do exército industrial de mão de obra e transformou o continente asiático na "fábrica de produtos baratos do mundo". Este mecanismo interessante para todos, gerou os dólares que compram os títulos da dívida americana, hoje muito baratos e custando 0,75 por cento ao ano ( contra 7,25 no Brasil). Enquanto o novo padrão não se impõe, os lucros privados vão muito bem obrigado.

Anônimo disse...

Algumas pessoas tem a necessidade de falar algo lido em jornais e revista Segundo psicólogos este fato acontece quando a pessoa que aparecer e não possui raciocínio e se limita em cópi e cola.
Por outro lado os trlls e um amigo que critica e transforma um não pensador .

AngelMira disse...

Excelente postagem, Professor! Afinal, é uma reflexão necessária. Boa colocação do Douglas da Mata. E a roda continua a girar e nosso país continua a ser o grande exportador de matéria-prima... Até quando?

douglas da mata disse...

Angel,

Não há uma fatalidade nesta atribuição que nos foi dada, e de certa forma, ao longo do tempo, experimentamos surtos de industrialização que apreenderam aqui, através das trocas e transferências que a substituição de importações permite, no sentido de inovarmos e ampliarmos nossa indústria.

A Embraer é exemplo disto, e até a Embrapa pode ser considerada um foco de inovação e agregação de valor, embora esta última atue na cadeia agroexportadora.

A questão de fundo é: Precisamos de uma elite nacional que faça a escolha fundamental junto com os governos eleitos, ou seja, reverter os fluxos de capitais para a complexificação do nosso parque industrial.

Não é um processo indolor, e as "análises" recentes dos cânones capitalistas (Financial Times, The Economist, etc) mostram que a banca não quer mudanças de roteiro.

Em um mundo que a China já se apresenta como iminente ameaça a estabilidade capitalista e de seus fluxo, um país como o nosso, democrático, com liberdade de imprensa, e instituições que se aperfeiçoarão(eu acredito) é muito mais relevante e ameaçador que a China.

O caminho é longo...

Hamilton disse...

Muito rico o debate propiciado pela postagem do artigo do Beluzzo.
Entre as diversas coisas à discutir, me limitaria ao lugar do Brasil no arranjo dos "recursos globais".
Infelizmente, nossa redemocratização reduziu o tema da 'inclusão" ao consumo, a partir do Plano Cruzado (1986). De lá para cá, o controle da inflação ou o "frango a 1 real" dominou a dinâmica democrática, comparecendo o emprego, posteriormente, como um reforço à sustentabilidade do modelo.
Ocorre que, sem uma política industrial e com o câmbio valorizado como âncora inflacionária, nem o pleno emprego, nem a política de imposto negativo e tampouco um elevado gasto público, garante a sustentabilidade do modelo, visto que aquilo que queremos consumir, crescentemente necessitamos importar – o que significa um retorno ao modelo da dependência, com todos os gargalos por nós experimentados no século passado.
Dito isto, e à luz da nossa história moderna, arrisco dizer que somente um abalo nos alicerces do atual modelo de consumo – vale dizer, do modelo primário-exportador – pode desestabilizar o bloco histórico que, malgrado a rotação e a diversificação das elites políticas, vem dominando o cenário democrático e ditando nossa estratégia econômica. Sem isso, são pequenas as chances de uma mudança de modelo e, consequentemente, de nosso lugar no arranjo global.

douglas da mata disse...

Hamilton,

O processo de estabilização monetária que alguns confundem com controle de inflação, na era FHC, é o resultado da assunção de nossas elites deste papel que você bem anotou.

Na verdade, a inflação acabou como na metáfora: se você passar fome, é claro que emagrece.

Foi isto que aconteceu conosco. Não tínhamos inflação porque quase não tínhamos atividade econômica digna deste nome, éramos apenas motel do capital, que de quebra, compraram na bacia das almas os últimos ativos estatais.

Passamos a absorver os excedentes de capital em em 94, com juros estratosféricos e depressão da atividade econômica pela apreciação cambial, destroçando o que restava da indústria pós-Collor, que começou em 90 a abertura dos portos nos moldes de 1808, com D.João VI.

Lula pouco ou quase nada pode fazer em seu primeiro quarto de governo, 2003 até 2005, onde a banca sacudiu forte o país em 2002, e FHC lhe entregou um país com todos os sintomas de estagflação: recessão com inflação em alta, dólar nas alturas e fuga de capital, com reservas em US$ 14 bi.

Só no segundo mandato é que a primeira frente foi atacada: a miséria absoluta e a necessidade de inverter a curva da concentração de renda, ativar o mercado interno, ampliar acesso a escola, vagas na universidade, etc, em suma, recuperar o Estado e sua capacidade de investimento social.

O governo Dilma começa a lançar as bases de mudanças estruturais, desonerando custos de energia, buscando a correção logística, alterando os regimes produtivos dentro de uma lógica mais estratégica e menos imediatista, como fez no setor automotivo recentemente.

Mas de tudo, o principal foco é a queda de juro, que interrompe a ciranda financeira e depura os fluxos de capitais.

Junte-se a isto o aumento real de salário mínimo amplia a base interna de atividade econômica.

O câmbio a 2 ou 2.50 reais por dólar mantém as importações sob controle, e permitem que nossos setores exportadores recuperem fôlego.

Eu não creio em uma política industrial acabada, mas em princípios ou valores estratégicos que orientem a busca pelo fortalecimento da indústria nacional, adaptando os diversos setores a cada demanda, oportunidade e, ou ameaça que surgirem.

Anônimo disse...

As coisas não são tão teórica assim como vocês tecem . Sabichões acabe com a pobreza, transforme ônibus de 1,R$ em táxi, de acessória aos empresários endividados. Lembre vocês nunca conseguiram passarem em um concurso público. Falam muito e não dizem nada.