sábado, janeiro 23, 2010

Carisma e eleição

Do excelente suplemento "Fim de Semana EU&" do jornal Valor Econômico encontrei uma bela matéria da jornalista Carla Rodrigues. Em época que se fala do carisma de Lula e da ausência dele, nos principais candidatos à Presidência, Serra e Dilma, a matéria esclarece alguns pontos e trazem outras reflexões. Começa com a definição do sociólogo alemão Max Weber: "O carisma é a qualidade pela qual alguém é colocado à parte das pessoas comuns e é tratado como se dotado de poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanas, ou, pelo menos, excepcionais. Não são traços encontrados entre pessoas quaisquer. São consideradas de origem divina, ou qualificados, mais terrenamente, como exemplares. Os ungidos são tratatados como líderes". Mais adiante ouve o cientista político e ex-ministro de FHC Francisco Weffort que diz que carisma e liderança política não se equivalem, nem deveriam ser tratados como sinônimos: "carisma é um conceito derivado da história religiosa, são os católicos que obedecem a quem tem carisma, como se essa pessoa representasse a palavra de Deus. Carisma não tem nada a ver com política." A matéria é encerrada com a citação de um estudo de quatro pesquisadores que trabalharam numa análise histórica e geográfica dos dados eleitorais para mostrar que, desde a vitória de Collor, em 1989, vence a eleição presidencial o candidato que consegue reunir três requisitos: 1 - Fechar alianças partidárias nos grotões, municípios de até 100 mil habitantes nos quais estão concentrados 40% do eleitorado; 2 - Conquistar o voto dos eleitores evangélicos, majoritários nas periferias metropolitanas onde a Igreja Católica tem perdido fiéis desde a década de 1980; 3 - Atrair por estratégias de marketing bem-sucedidas, os votos da classe média urbana, escolarizada, residente nos grandes centros, onde a tendência é a do voto de opinião. O ponto final vem com uma provocação depois da apresentação destes três requisitos: "se houver carisma, claro, provavelmente tudo ficará mais fácil."

2 comentários:

Gustavo Carvalho disse...

Caro Roberto, me permita ampliar o comentário usando o próprio Weber. Uma das teses centrais do sociólogo alemão se refere ao processo progressivo de racionalização da sociedade moderna. Assim, o elemento "irracional" do poder carismático também é continuamente moldado pelo exercício da escolha racional por parte dos indivíduos/consumidores/cidadãos. No caso da popularidade do Presidente Lula parece claro: o carisma de sua figura pública seria suficiente de por si só sustentar os níveis de aprovação pessoal e do seu governo? Sem o excelente desempenho social e econômico de sua gestão o mito de Lula teria tamanha projeção e exerceria tal fascínio? Abç

Roberto Torres disse...

Muito importante é se perguntar o que é realmente essa coisa chamada carisma, uma idéia que usamos da religiao para entender a política. Acho que o que apontamos como carisma sempre se refere a algo que nao é abarcado pelo olhar acostumado com a repeticao do processo. Por isso o carisma, além de ser visto como irracional (o que é puramento arbitrário), é sempre visto como extra-cotidiano, fora do previsto.

O que é fora do previsto é que Lula incorpora com seu carisma, mas que na verdade é o carisma dessa coisa que fica fora do previsto? Os dados eleitorais mostram que em 2006 houve um fenomeno inteiramente novo na democracia recente do Brasil: os pobres afirmaram seu voto em Lula contra a opiniao formada na grande mídia. Lula criou com o povo pobre um canal pratico de comunicacao e identificao que foi capaz de ganhar um eleicao e sustentar a popularidade de um governo. E isso nao tem a ver somente com os resultados praticos em favor dos pobres que o governo trouxe, mas com o proprio fato de Lula ser o primeiro exemplo de como os pobres podem agir na politica sem depender da mediacao de outrem.

Para entendermos se o carisma de Lula é ou nao transferivel temos que compreender antes que o carisma nao é de Lula. O carisma é a forca reprimida que se mostra quando o povo aceita a si mesmo ao se ver representado por um igual.