sábado, junho 23, 2012

Rio + 20: “Formulação de protocolos abertos em cartas frágeis e de intenções elásticas”

Balanço feito pelo geógrafo Leandro Dias de Oliveira
  
Ao se encerrar os debates da Rio + 20, percebendo as mesmices que se tem ouvido e lido sobre a Rio + 20, tentando qualificar e aprofundar o debate sobre tudo que envolve a Rio+20, o blog foi ouvir o geógrafo, Leandro Dias de Oliveira. Ele é doutor em Geografia pela Unicamp e mestre em Geografia pela Uerj e atual professor do Departamento de Geociências da UFRRJ. 

A tese de doutoramento de Leandro Dias aprovada ano passado foi exatamente “A Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável: Um Estudo sobre a Conferência do Rio de Janeiro (Rio-92)”

Leandro Dias é autor de diversos artigos tratando do tema entre outros vale destacar: “A Geopolítica do Desenvolvimento Sustentável na CNUMAD 1992 (Eco-92): Entre o Global e o Local, A Tensão e a Celebração” In: Revista de Geopolítica, v. 2, p. 43-56, 2011, disponível em: http://www.revistageopolitica.com.br/ojs/ojs-2.2.3/index.php/rg/article/view/31

O blog elaborou nove perguntas que ao serem respondidas atendeu à pretensão de colaborar com um debate mais profundo sobre o tema. Oportuno ainda que ele seja aqui publicado depois dos vídeos com os professores Floriano Godinho de Oliveira e Ermínia Maricato:

Blog: Tendo estudado a fundo as articulações da Eco 92 que relação você faz desta Conferência para a Rio+20?
Leandro Dias: Caro Roberto, é um grande prazer dialogar contigo. São muitas as diferenças, que vão desde o contexto político nacional e internacional – do governo Collor, inserido no Consenso de Washington em um mundo que se despedia da Guerra Fria, para o governo Lula-Dilma, em meio à crise europeia e re-fortalecimento do Estado – até a própria organização do evento, em formato empresarial e completamente rendido ao consumismo e imediatismo. Todavia, vou focar na principal, a priori: a Eco 92 era propositiva, pois não havia o caminho do Desenvolvimento Sustentável; a Rio + 20 é um balanço de uma agenda criada vinte anos atrás. Não há proposições, mas cobranças e ajustes.

Blog: Há mesmo uma crise ambiental em nosso planeta?
Leandro Dias: Sim, há. A dúvida é se ela pode ser isolada do restante das crises do capitalismo contemporâneo: econômica, política, urbana, social, de valores, científica, paradigmática, entre tantas outras ensaiadas. Por isso prefiro, assim como a Arlete [Prof.ª Dr.ª Arlete Moysés Rodrigues, orientadora da tese], falar em “problemática ambiental contemporânea”, pois torna a questão múltipla e complexa, que pertence não somente a um momento atual, particularmente o pós-Segunda Guerra, mas também é uma tendência secular de destruição das reservas naturais empreendida pelo modo de produção industrial-capitalista.

“A questão ambiental entrou na agenda geopolítica como forma de acumulação!”

Blog: Depois da Conferência de Estocolmo em 1972, que foi primeiro grande evento sobre meio ambiente realizado no mundo, da Eco 92 e agora da Rio + 20, seria possível dizer que a questão ambiental entrou mesmo na agenda dos países ou seria apenas mais uma forma do capital financeiro encontrar novas formas de acumulação?
Leandro Dias: Não há este suposto paradoxo. A questão ambiental entrou na agenda geopolítica como forma de acumulação! Somente com o encontro do neoliberalismo com o meio ambiente, da economia com a ecologia, em outras palavras, do “desenvolvimento” com a “sustentabilidade”, nos idos da década de 1980 com o Relatório Brundtland [Nosso Futuro Comum, 1987 – documento que consolida o termo Desenvolvimento Sustentável] tornou-se viável pensar no modelo que está sendo gestado: um capitalismo ambiental, ou melhor, uma “economia verde”. O desenvolvimento sustentável é a forma encontrada de conciliação natureza-economia, e tem obtido sucesso nisso [transformar o meio ambiente em forma de obter lucro]. Desde Joanesburgo, com a Rio + 10, o empresariamento verde saiu das sombras dos debates para a ágora. É, na Rio + 20, o caminho sugerido, o mote da conferência!

“Quando um delegado-diplomata lê qualquer documento presente na conferência, ele olha primeiramente os interesses de seu país. A equação é justamente a formulação de protocolos abertos em cartas frágeis e de intenções elásticas.”

Blog: As conclusões da Eco 92 foram sendo forjadas numa discussão sobre o ecodesenvolvimento e agora, em meio à crise dos países centrais, o que restou? E em relação aos BRICS e outros países da África que vivem da exportação de commodities minerais não aceitam ter que pagar a conta ambiental criada pelos países centrais que agora falam em conter o crescimento. Existe equação para um acordo?
Leandro Dias: O ecodesenvolvimento, assim como o “crescimento zero”, não logrou sucesso por indicar o confronto da economia com o meio ambiente. Vejo nas ideias de Ignacy Sachs e Maurice Strong [“pais” do ecodesenvolvimento] uma ancestralidade do desenvolvimento sustentável, não uma matriz conceitual central. O problema era o “eco” na frente do “desenvolvimento”; o que logrou sucesso – o desenvolvimento sustentável – é justamente o oposto.

Entre BRICS e países centrais, entre países da África e do mundo desenvolvimento, a equação é alinhavada como em um tabuleiro geoeconômico. Quando um delegado-diplomata lê qualquer documento presente na conferência, ele olha primeiramente os interesses de seu país. A equação é justamente a formulação de protocolos abertos em cartas frágeis e de intenções elásticas. Entendo que uma conferência desta natureza é o corolário de um processo, e assim, a Rio + 20 reflete os últimos vinte anos! Ou seja, duas décadas onde a geopolítica do desenvolvimento sustentável protocolou formas de controle sobre territórios em rodadas e acordos múltiplos de matriz substancialmente econômica – Rodada Uruguai, Acordo TRIPS, e, por que não, Protocolo de Quioto. Se na esfera ambiental há enfrentamentos, nestas rodadas econômicas vencem os interesses dos países centrais...

Blog: Há quem em meio ao discurso da crise ambiental identifique uma incapacidade do Estado Nacional enfrentar os problemas que seriam globais e como tal, identificam e defendem que só as empresas internacionalizadas teriam condições de buscar o que chamam de uma nova governança do território. Qual sua posição sobre esta hipótese?
Leandro Dias de Oliveira: Em recente resenha a partir da leitura de um texto de Harvey (OLIVEIRA, Leandro Dias de. Neoliberalismo: Notas sobre Geopolítica e Ideologia – Uma breve análise sobre a obra O Neoliberalismo: História e Implicações , de David Harvey. In: Revista Tamoios , Ano 5, p. 83-87, 2009. Disponível em   http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/tamoios/issue/view/108.), expus a ideia de que o neoliberalismo é a desculpa encontrada para colocar o mercado em primeiro lugar nos investimentos. Não há mão-invisível: o Estado injeta dinheiro nas empresas e bancos!!! O Estado permanece fundamental, e às vezes forja incapacidade para poder deslocar as prioridades de seus investimentos [por exemplo, do social para os bancos!]. Esta governança compartilhada, as PPPs ou a criação de capitanias privadas extemporâneas [algo como o que está acontecendo no território fluminense, com os maciços investimentos do ramo siderúrgico-portuário] são de interesse dos grupos que estão no poder. Tenho certeza que somente uma ação mais criteriosa do Estado poderá aplacar os desastres ambientais!

Blog: Em suas publicações você fala transmutação da “Ideologia do Desenvolvimento” para a“Ideologia do Desenvolvimento Sustentável”. Explique estas conceituações que parecem apontar para uma mudança sem alterar o rumo das coisas.
Leandro Dias de Oliveira: Você tem razão: muda tudo para não mudar nada. A crença no desenvolvimento, no progresso a qualquer custo, recebeu um reparo. A transmutação da “Ideologia do Desenvolvimento” para a “Ideologia do Desenvolvimento Sustentável” mantém a natureza enquanto reserva de valor exclusivo. As chaminés não significam mais a vitória do progresso per se. É necessário que possuam sistemas de filtragem...

Blog: Em meio a toda a discussão sobre sustentabilidade e sobre o tal consumo responsável é possível identificar que os trabalhadores passaram a ser consumidores?
Leandro Dias de Oliveira: Este também é, a meu ver, um artifício ideológico. Continuo acreditando que vivemos uma sociedade urbano-industrial inserida em um capitalismo financeiro-industrial, ajustado, desde a emersão do fordismo, para um consumo em larga escala. Entretanto, há um deslocamento da problemática ambiental da produção para o consumo, quase que como uma forma de individualizar a culpa pelas mazelas ambientais. Mas o mais grave é que houve um movimento quase imperceptível que agravou ainda mais este problema: a centralidade das ações do desenvolvimento sustentável migrou das necessidades humanas para a questão dos direitos, onde o cidadão enquanto consumidor está inserido em um mercado das necessidades humanas básicas.

“Vejo sinceramente com bons olhos esta reconfiguração do poder mundial, com o fortalecimento da outrora semi-periferia no xadrez das relações internacionais. Entretanto, julgo que a participação do Brasil na problemática ambiental deva ser mais incisiva.”

Blog: Que referência a finalização destas discussões no Brasil traz para o país que seguramente se transformou num “espaço” de articulação de projetos globais?
Leandro Dias de Oliveira: O Brasil está no centro do debate ambiental. Seja porque possui a Amazônia em seu território, seja porque é um país emergente e um dos focos de investimento a partir da reestruturação produtiva contemporânea. Vejo sinceramente com bons olhos esta reconfiguração do poder mundial, com o fortalecimento da outrora semi-periferia no xadrez das relações internacionais. Entretanto, julgo que a participação do Brasil na problemática ambiental deva ser mais incisiva, mas há uma tradição de que o país anfitrião deva ter uma postura mais conciliadora. É necessário que questões como patentes e uso de espécies, por exemplo, tenham uma ação mais incisiva da diplomacia nacional. É ponto nevrálgico.

Blog: Use o espaço final para fazer as considerações que desejar e para expor o cenário que imagina como referência para o debate da Rio + 40. 
Leandro Dias de Oliveira: O exercício é interessante. Como disse, a conferência é o corolário do processo. Entre 2012 e 2032 o que mudará na relação entre a sociedade e natureza? Como será o jogo geopolítico internacional? Qual será o problema ambiental mais significante? Como estará a economia mundial?

Imagino que o desenvolvimento sustentável logrará sucesso no meio empresarial. As empresas cada vez mais adotarão o meio ambiente como forma de obter lucros. Experiências de despoluição, de filtragem e de replantio se consolidarão, e isto será uma marca de sucesso a ser exposta por cada grande empresa em seu setor de marketing. Cidades ambientalmente corretas serão uma tônica desta urbanização supostamente pós-moderna.

Entretanto, este modelo de desenvolvimento não trará mudanças significativas no espólio da natureza. Espécies reproduzidas em cativeiros, APAs, florestas artificiais, tudo isto não irá compor uma revolução na relação sociedade – meio ambiente. O sucesso das experiências empresariais não será sentido pela população em geral em sua plenitude, até porque grande parte será seletivamente implantada. A diferença de classe não esmorecerá, e as “cidades sustentáveis”, “cidades qualidade de vida”, “cidades pós-modernas”, entre outras, não mudarão o quadro de segregação. As lutas sociais serão cada vez mais diversificadas e urgentes.

Espero apenas que não demore vinte anos para que se perceba que o grande debate que se mostra urgente é sobre o conceito de desenvolvimento, esta fortaleza teórica que todos desejam, poucos questionam, e que é processo e fim em si mesmo. 

A grande vitória da Rio + 20 foi mostrar isso. No Riocentro, no Pavilhão dos Atletas, no Aterro do Flamengo, na COPPE, no Forte de Copacabana, nos manifestos pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, havia uma certeza, por vezes mal-disfarçada: o sustentável não é o problema e nem precisa de mais debate; assim, o que é fundamental é se pensar uma reformulação – a partir das esferas política, econômica, social, cultural, urbana, agrária e ambiental – do conceito de desenvolvimento. Este sim é o grande desafio dos próximos vinte anos!

Grande abraço a todos, direto da Rio + 20,
Leandro Dias de Oliveira

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