domingo, julho 27, 2014

A percepção da população sobre a importância das três escalas de poder

O artigo da Marta Arrethe da USP traz de volta um debate que o blog já tratou neste espaço, sobre a percepção que a população tem sobre os três níveis de governo no Brasil. Como disse antes é impressionante como se atribui ao governo central um poder demasiado que não tem, num país continental como o nosso.

A maioria dos entrevistados 54% diz que é o governo federal que toma as decisões mais importantes. Só 16% atribui isto ao governo estadual. Além disso, 61% considera a eleição de presidente de República como a mais importante, enquanto a municipal 18% e a estadual 11%.

Os governos estaduais como já diagnosticamentos, está espremido entre os dois outros poderes com atribuições não muito claras para a população, como exceção da segurança pública, onde reside muitos e sérios problemas.

Eu acredito que o fato da eleição estadual ser casada com a federal e anda junto do legislativo aumenta o problema, embora não seja a sua maior causa. Na verdade, no debate do dia-a-dia é comum ver as pessoas atribuindo à União problemas que só terá solução mais próximo do cidadão.

É fato que o debate nacional é importante e é aquele em que se pode mais debater ideias e ideologias, mas, é impossível que esta instância tenha condições, mesmo sendo gestora, hoje, da maioria dos programas sociais que atendem à população que se avance sem uma repactuação e uma melhor compreensão da população sobre esta realidade.

Está aí um bom debate. É com este propósito que o blog traz o artigo "Os Estados e a Federação" publicado nesta sexta no Valor: O texto traz bons elementos para um aprofundamento do tema que dialoga com a questão eleitoral, mas, também com a gestão governamental. Confiram:

Os Estados e a Federação

Por Marta Arretche
Os Estados brasileiros perderam espaço na Federação! O diagnóstico não diz respeito apenas à questão fiscal. Nem mesmo ao poder dos governadores na política nacional. Diz respeito ao papel dos Estados nas funções de governo.
O modelo de Federação que adotamos desde 1988 consolidou uma divisão vertical de funções na qual a União executa as políticas de renda - previdência, seguro-desemprego, programa Bolsa Família, valores do salário mínimo - ao passo que os municípios prestam os principais serviços essenciais: saúde básica, educação fundamental, coleta de lixo, infraestrutura urbana, transporte, habitação social. Aos Estados, cabe apoiá-los no exercício destas funções. Mas também são responsáveis pelas políticas que têm apresentado pior desempenho: segurança pública e gestão metropolitana. A União também regula e supervisiona a execução das políticas compartilhadas, além de reduzir desigualdades de gasto pela via dos fundos de participação e das transferências condicionadas.

O eleitor percebe e aprova este arranjo! Financiados pela Fapesp e pelo CNPq, juntamente com Rogério Schlegel e Diogo Ferrari, realizamos no Centro de Estudos da Metrópole um "survey" sobre as percepções de uma amostra nacional representativa, com 2.285 eleitores, sobre a Federação brasileira (em março de 2013, para evitar que a proximidade das campanhas eleitorais afetasse a avaliação dos entrevistados). Pequena amostra dos resultados está nos gráficos abaixo.
Para a esmagadora maioria, o coração da política brasileira é a União: as eleições federais são as mais importantes e é nesta esfera que as decisões mais importantes são tomadas. A política municipal é vista como mais importante que a política estadual: um quinto da amostra considera que as eleições e decisões mais importantes ocorrem no município.
Não há sinais de descontentamento com este arranjo! Um quarto dos entrevistados manteria este arranjo (grupo pró-status quo). Se fosse para mudar algo, cerca de um quinto fortaleceria o governo central ou os municípios. Se examinamos o que o grupo pro-status quo quer manter (quarto disco abaixo), aumenta para 30,6% a parcela dos defensores da União e para 23,8% a preferência pelo municipalismo.
Apenas uma pequena minoria vê os Estados como mais importantes e defende que estes tenham sua autoridade ampliada.
Não é o Nordeste - usual suspeito de apoiar o governo federal - que explica esta ordenação de preferências. Em todas as regiões, a preferência pela "federalização" supera a preferência pelo municipalismo e é pelo menos duas vezes superior àquela favorável ao fortalecimento dos Estados. A única exceção é a região Sul, em que a preferência pelo municipalismo supera o apoio ao fortalecimento da União. Ainda assim, mesmo na região Sul, 24% consideram que a União deve ter seu poder ampliado.
Esta distribuição de preferências está fortemente associada à renda. O apoio à "federalização" é majoritário entre os mais pobres. À medida que aumenta a renda, diminui a preferência pelo fortalecimento da União e aumenta o apoio ao municipalismo.
Estas evidências confirmam parte do que já sabíamos. Das eleições que ocorrerão em poucos meses, as eleições para presidente são as mais importantes. Mas esclarecem algo que não sabíamos. A preferência do eleitor está em desacordo com o prognóstico que considera urgente e necessária uma reforma profunda de nossa Federação. Se nossa pesquisa está certa, reformas nesta direção não contarão com forte apoio no eleitorado, em particular dos mais pobres. Na melhor das hipóteses, estão em linha com as preferências dos eleitores mais ricos.
Quais são as origens desta perda de importância dos Estados? Argumento influente sustenta que tudo começou no Plano Real e nas medidas de estabilização do governo FHC, que privaram os Estados de fontes mais fáceis de receita, como o imposto inflacionário, os bancos estaduais e o endividamento. Mas, se os Estados eram tão poderosos até ali, como foi possível a aprovação destas medidas? Seria o eleitor tão volátil a ponto de abandonar seu apoio a um nível de governo em tão pouco tempo?
Na verdade, os Estados já perderam na Constituição Federal de 1988. Perderam receita para os municípios e autoridade sobre políticas para a União. As políticas da União e dos municípios são muito mais visíveis para o eleitor do que as políticas estaduais. Na história brasileira, desde Getúlio Vargas, é o governo federal que está associado às políticas que melhoraram a vida dos mais pobres. Esta trajetória vem de longe.
Marta Arretche é professora titular do Departamento de Ciência Política na USP, diretora do Centro de Estudos da Metrópole e colunista convidada do "Valor". E-mail: arretche@usp.br.

Um comentário:

Anônimo disse...

É óbvio que com pouco dinheiro se pode fazer muito pouco, ou quase nada.Isso se aplica na prática, a um cidadão(pessoa física ou jurídica), como também aos entes federativos.

O governo federal, fica com mais 70% de todo imposto arrecadado no país.

Logo, os outros dois entes federativos(estadual e municipal), com raríssimas exceções, em razão do pouco orçamento disponível e com um leque de atribuições gigantescas, tem dificuldades em resolver problemas básicos na área de saúde e educação. Raríssimas exceções para Campos, Macaé, etc.

Penso que para se exigir eficiência, deveria-se antes distribuir melhor os impostos arrecados.