segunda-feira, junho 17, 2013

Governador do PT fala sobre as manifestações e o transporte público

O jornal Valor, na edição de hoje, traz uma matéria-entrevista de Sérgio Ruck Bueno com o governador gaúcho Tarso Genro. Nela é feita uma análise, a meu juízo, coerente, sobre a questão dos transportes públicos e sobre os motes das manifestações públicas.

Tarso Genro também fala da necessidade de mediações: "Se partidos de esquerda estiverem participando e tentando dar uma direção ao movimento é positivo, pois aí será mais fácil negociar para achar soluções".

Porém, o blog destaca este trecho de sua fala com a qual concorda integralmente:
"Os partidos podem e devem agir, não somente a partir do Estado e dos governos, mas também a partir da reorganização das suas formas de luta e da sua renovação programática. E, sobretudo, através da reestruturação – para quem é de esquerda – da sua utopia, que na minha opinião deve combinar os princípios socialistas que foram forjados por dentro das promessas do iluminismo com a democratização do Estado na produção de políticas públicas. Também devem combinar a democracia representativa com a participação direta da sociedade."

Abaixo a matéria:

"Governos devem baratear tarifas e melhorar a qualidade"
"Um dos principais dirigentes nacionais do PT, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, entende que a presidente Dilma Rousseff, também do PT, e os governos estaduais são responsáveis por “apontar soluções” para os protestos contra as tarifas de ônibus que vêm sacudindo as principais capitais do país nos últimos dias. A saída, afirma, é baratear e aumentar a qualidade dos serviços de transporte coletivo, o que “não poderá ser feito sem apoio direto do governo federal, com vultosos recursos para as prefeituras e também para os Estados”.

Em entrevista, Genro afirma que as manifestações têm grande apoio popular e não podem ser desautorizadas nem descredenciadas pelas “violências” cometidas por uma minoria. Em Porto Alegre, onde 23 pessoas foram detidas por vandalismo no protesto de quinta-feira, a orientação dada à Brigada Militar foi de não reprimir os manifestantes pacíficos, mas buscar a responsabilização dos depredadores. Para ele, a repressão é a pior maneira de enfrentar as manifestações.

Na opinião do governador, os partidos políticos não dirigem os movimentos contra as tarifas porque estão em “franca superação” no que diz respeito às questões relacionadas à juventude. Ele diz que as manifestações que ocorrem no Brasil e em países como a Turquia são essencialmente reformistas e buscam a inclusão das pessoas na sociedade consumista, que “ao mesmo tempo estimula e nega” o acesso para a maior parte da população.

Eis a entrevista.
Em sua opinião, quais as origens das recentes manifestações contra as tarifas de ônibus nas principais capitais do país?

As origens me parecem evidentes. São os novos protagonistas políticos da juventude, vinculados a redes, aos serviços, ao subemprego, estudantes libertários, trabalhadores do comércio, jovens autônomos e também “semimarginais”. Eles buscam melhor qualidade de vida material, de lazer e de fruição cultural, que a nova sociedade consumista ao mesmo tempo estimula e nega, permanecendo o contraste entre a opulência dos ricos e da classe média alta, de um lado, e o resto do povo, de outra. Creio que o preço e a situação do transporte coletivo nas regiões metropolitanas unifica tudo isso numa luta imediata, convincente e de grande apoio popular.

Como os governos estaduais e o governo federal devem agir para resolver o problema?
Os governos devem apontar soluções, barateando as tarifas e dando qualidade ao sistema [de transporte coletivo]. E isso não poderá ser feito sem apoio direto do governo federal, com vultosos recursos para as prefeituras e também para que os Estados participem das soluções. A qualidade de vida nas metrópoles já está na agenda do governo federal. Creio que ele deve, agora, tratar desta questão imediata das tarifas e da qualidade do sistema de ônibus.

Quem são os responsáveis pela violência registrada nas últimas manifestações? Os próprios manifestantes ou as polícias militares?

Nestes movimentos, em qualquer época, sempre entram pessoas que acham que estão fazendo uma revolução ou que são simplesmente violentas e dirigem sua revolta mais como vingança do que como estratégia política de vitória no contexto do que está realmente em jogo. Estes, na verdade, não se importam em melhorar a vida concreta do povo, pois acham que o capitalismo não tem condições de fazer isso. Mas estes são uma minoria e o movimento não pode ser desautorizado nem descredenciado por isso.

Mas os ditos “excessos” das polícias têm sido apontados como causas da violência. A repressão também estimula os protestos?

Pode tanto estimular como acabar com eles, se a população achar que a repressão foi justa. Esta é a pior maneira de terminar com as manifestações. Aqui no Rio Grande do Sul a ordem que eu dei para a Brigada Militar foi a seguinte: só ataquem para se defender, não reprimam nenhuma mobilização social, mesmo que sejam provocados por estes indivíduos, que na verdade querem fazer uma vítima, de preferência que não seja do seu grupo.

Entre terminar com uma depredação de algum bem e bater em algum inocente, que simplesmente está protestando pelos seus direitos, não batam em ninguém e fixem as responsabilidades pela depredação através de filmagens, para que depois eles respondam a inquérito. Aqui, o próprio movimento social ficou indignado com as depredações e violências cometidas por uma minoria.

E como o senhor avalia a atuação da polícia de São Paulo na quinta-feira?

Não quero avaliar o que foi feito e o que fará o governador [Geraldo] Alckmin [PSDB], até porque ele não é do meu partido e qualquer contribuição minha certamente seria vista por ele e sua equipe como uma intromissão. Apenas digo o que penso para o meu Estado: o fato de provocadores e violentos interferirem não torna o movimento ilegítimo. Se os próprios jovens não tomarem providências paras excluí-los, pagarão politicamente por isso e, ao longo do processo, o movimento será esvaziado e derrotado. E assim a nossa democracia perderá mais uma oportunidade para evoluir, porque as ruas não foram ouvidas e também não souberam se fazer ouvir.

Qual o papel dos partidos de esquerda, incluindo o PT, na organização desses protestos?

Não há nenhum partido dirigindo estes movimentos, que são organizados e estruturados nas redes sociais. Se partidos de esquerda estiverem participando e tentando dar uma direção ao movimento é positivo, pois aí será mais fácil negociar para achar soluções. Mas creio que nenhum partido dirige este processo. Até porque os partidos, com suas formas de organização fundadas em programas exclusivamente de classes, não compreendem, na sua maior parte, que a própria luta de classes, hoje, se realiza de maneiras completamente diversas da época moderna. Os partidos, em geral, estão em franca superação, tanto nos moldes organizativos tradicionais, como nas questões programáticas que dizem respeito à juventude, não somente da nova classe média, quanto das demais camadas jovens das novas classes trabalhadoras, dos setores mais modernos e qualificados tecnologicamente.

Mas os partidos podem agir para reverter essa superação?

Os partidos podem e devem agir, não somente a partir do Estado e dos governos, mas também a partir da reorganização das suas formas de luta e da sua renovação programática. E, sobretudo, através da reestruturação – para quem é de esquerda – da sua utopia, que na minha opinião deve combinar os princípios socialistas que foram forjados por dentro das promessas do iluminismo com a democratização do Estado na produção de políticas públicas. Também devem combinar a democracia representativa com a participação direta da sociedade.

O que há de semelhante entre os protestos contra as tarifas de ônibus no Brasil e movimentos como o “Occupy Wall Street” e as manifestações na Turquia?

Estes movimentos são movimentos de inclusão das pessoas na sociedade de classes. Embora alguns usem uma linguagem revolucionária contra o capitalismo, as suas propostas são essencialmente reformistas: taxa Tobin [uma taxa sobre as movimentações financeiras globais proposta pelo economista americano James Tobin], fim da especulação, transporte de qualidade, sustentabilidade ambiental, organização urbana, defesa da paz, manutenção dos direitos sociais-democratas, culturais e raciais.

O que efetivamente preocupa é que a integração econômica do mundo, monitorada e induzida pelo capital financeiro especulativo, pode não ter flexibilidade para responder a estas reformas. Aí teremos um longo processo de lutas e anomias na Europa e na América Latina. Uma espécie de 1968 pós-moderno, capaz de proporcionar um conjunto de lutas anticapitalistas anárquicas que desembocarão numa saída autoritária ou ditatorial, de esquerda ou de direita, pois o mundo terá que ser rearrumado pela força, embora a maioria – e eu me incluo nela – não aceite nem queira isso.

É preciso que as forças democráticas e de esquerda, em geral, pensem que, com estes movimentos, estamos perante uma oportunidade de revigoramento do projeto democrático moderno. É um problema e uma oportunidade, que só será benéfica para a democracia se a vida nas grandes concentrações metropolitanas – geradas pelo desenvolvimento capitalista anárquico e predatório – melhorar muito para todos e não somente para 10% da população. Uma retórica revolucionária não induz à revolução, mas pode ajudar a reformar radicalmente a democracia."

Nenhum comentário: