quinta-feira, junho 20, 2013

Uma análise da Política na Era Informacional

Vale a pena ler, analisar e debater o texto do Rovai publicado aqui em seu blog que republicamos abaixo junto com um dos comentários. Rovai é editor da Revista Forum, uma publicação mensal, que sai na forma impressa e também digital e que foi inspirada no movimento do Fórum Social Mundial.

Eu confesso que entendi parcialmente os gráficos abaixo, embora, por alto, imagino que o autor tenha mostrado como o movimento nas ruas passou a ser apropriado nas redes sociais por movimentos conservadores e de direita.

De toda a sorte, julguei muito interessante a análise da política como mediação em nossa sociedade, neste novos tempos de uso intensivo dos instrumentos informacionais. Confira:

"O Movimento Passe Livre e a política na Era Informacional"
19/06/2013 | Publicado por Renato Rovai em Geral

Há alguns anos venho conversando sobre redes com diferentes grupos. E, entre outras coisas, tenho afirmado que estamos vivendo numa mudança de era. Estamos passando da Era Industrial para a Era Informacional. Isso tem levado a grandes transformações na economia, na cultura e também na política.

Quando migramos da sociedade agrícola para a industrial, isso já ocorreu. Foram grandes as transformações e enormes as resistências. Houve quem preferisse destruir as máquinas do que tentar entender suas possibilidades e potencialidades. Hoje a mesma coisa está ocorrendo. A sociedade em redes não permite respostas analógicas. E os partidos e movimentos tradicionais de esquerda ainda resistem em entender esse novo processo. Não entenderam que na sociedade em redes uma das grandes crises se dá em relação às organizações intermediárias. A indústria cultural foi uma das primeiras a ser afetadas por esse fenômeno. As gravadoras de música, por exemplo, tentaram resistir a ele com a criminalização do que chamavam de pirataria. Tiveram que mudar a estratégia e perderam muito espaço. Na indústria da informação está ocorrendo o mesmo. Boa parte dos grandes grupos desse setor está ruindo porque decidiu enfrentar as mudanças e não buscar se adaptar a elas. Na política, os partidos são as organizações intermediárias. São as gravadoras da indústria da música. E as pessoas que estão nas ruas não querem ser representadas por eles. Querem se representar. É uma crise da democracia representativa, para a qual ainda não se tem respostas nem soluções. E para ser franco, poucas pistas.

De qualquer forma, a resposta tradicional a isso é a de que esses movimentos negam a política. Essa é uma daquelas respostas simples que não dialogam com o problema. Entre outras coisas porque nunca se discutiu tanto questões da política como nesses anos de redes em redes.

E essas redes nascem nas ruas e se articulam na internet. Nascem na internet e se manifestam nas ruas. Elas não são produzidas em escala industrial e nem em linhas de produção. E nelas há forças centrais, mas não há um centro. E as forças centrais podem inclusive ser contraditórias.

É preciso pensar em movimentos e não num único movimento. Movimentos que em alguns momentos podem se juntar a partir de uma sensação de que algo precisa mudar. E de alguma forma é isso que parece estar acontecendo no Brasil dos últimos dias.

Geração Facebook e Passe Livre – Há um bom tempo que representantes de movimentos tradicionais de esquerda dizem frases como: “essa galera do Facebook não sai do sofá”. E além de não participar dos debates que acontecem na internet, deslegitimam aqueles que o fazem. A geração Facebook já havia saído do sofá em alguns países. E agora resolveu sair do sofá no Brasil questionando, entre outras coisas, a política tradicional.

Antes de entrar no debate propriamente dito do que é participação política na dinâmica de redes, um parênteses. O Facebook é uma plataforma, como foi o Oktuk, que hoje é um cemitério de perfis. O Facebook em breve será substituído por outra plataforma, mas as redes que nele se articulam não mais se dissiparão. Essas redes são anteriores a internet. Elas são espaços de esfera pública. Na França da revolução burguesa, os cafés de Paris faziam esse papel. Nas greves dos ABC do fim da década de 70, as comissões de base organizavam o chão da fábrica e o Sindicato dos Metalúrgicos era o principal aglutinador daquele movimento que vinha debaixo. E ao mesmo tempo o Sindicato se articulava com outros sindicatos do Brasil e do mundo construindo uma rede de lutas que foi fundamental para, no Brasil, derrotar a ditadura.

Nas novas dinâmicas de rede o que está ocorrendo é que essas organizações tradicionais preferiram o velho ao novo. Negar a rede parece ser uma forma de se defender do novo. É um equívoco brutal.

Isso não tem a ver diretamente com o Movimento Passe Livre, mas tem. O Passe Livre já há algum tempo se articula e debate a questão do transporte público no Brasil. Seus líderes, basta assistir às entrevistas que têm concedido, sabem do que falam e têm bem clara sua pauta. Nos últimos anos esse movimento já vinha crescendo, tanto que nas últimas manifestações contra o governo Kassab, houve forte repressão e, inclusive, vereadores petistas que atuavam com o momento foram agredidos.

A primeira ação do MPL no governo Haddad também foi grande, mas dessa vez havia uma insatisfação generalizada e difusa contra uma outra série de coisas. Há gente contra a realização da Copa no Brasil, movimentos sociais indignados com o governo Dilma pela ausência de interlocução, grupos de direita doidos para acabar com o PT, gente da periferia de São Paulo que não suporta mais a ação policial repressiva, outros contra a PEC 37 etc. Quando o MPL resolveu continuar na rua, as redes sociais que estão na internet, em especial no Facebook, começaram a aderir a essa luta. E buscaram reconstruir sua narrativa. E isso, neste exato momento, está em disputa.

O MPL diz que a pauta é a tarifa. E faz muito bem em fazer isso. Mas também é fato que nas conversas de rede esse, neste momento, não é o ponto de pauta mais prevalente. Muita gente tem dito que a luta é por direitos e não por vinte centavos. E outros já querem o impeachment de Dilma.

Não foi diferente no Egito, na Tunísia, na Espanha e nem no Ocuppy Wall Strett. De novo, não existe movimento, mas movimentos. E neste novo contexto as pautas estarão sempre em disputa quando o povo for às ruas. Às organizações intermediárias, enquanto a democracia representativa resistir, restará a possibilidade de tentar dialogar com a parte das ruas que tiver apreço pela democracia. E lutar para que o processo democrático não seja dinamitado. E nem em relação a isso há garantias quando existe disputa. Movimentos podem começar de um jeito e terminar de outro.

A disputa é política – Há risco de que esse movimento iniciado pelo Passe Livre seja capturado pela direita? Claro que sim. Não os líderes do Passe Livre, que parecem bem mais preparados do que a média dos políticos tradicionais. Mas as ruas podem fugir do controle.

Há risco que vem venha a ocorrer um processo de Ciberturbas, como caracteriza David Ugarte? Algo como ocorreu em Paris na revolta das periferias? Claro que sim. E em alguns cantos isso já começa a dar sinais concretos.

Mas há também a possibilidade enorme de se avançar e de o Brasil dar um passo mais largo no sentido de ampliar seus canais democráticos. Mas para isso será necessário passar a entender a política de forma dialógica e não analógica. E passar a fazer a política com seus instrumentos e não na base da planilha. A tecnocracia substituiu o deus mercado no Brasil. Antes tudo se resolvia na lógica do mercado. Hoje na base das planilhas. Os movimentos sociais estão enfraquecidos e muitos deles por compromissos com o atual governo têm abdicado das lutas. Enquanto isso novos movimentos têm surgido a partir de outras dinâmicas e criado novos paradigmas de participação. Os caminhões de som se tornaram coisas do passado. E a parte mais raivosa da direita já percebeu isso.

Segue, na sequência, um estudo produzido pela Interangentes, dirigida pelos sociólogos Sérgio Amadeu e Tiago Pimentel. A partir dele é possível verificar como as conversas de rede foram mudando de lugar nos últimos dias. Nos primeiros dias havia uma grande dispersão, mas o MPL era um dos nós principais das conversas. Depois o Anonymous ganhou protagonismo. E nos últimos monitoramentos alguns grupos de direita ampliaram muito sua participação. Se não houver disputa nas ruas e nas redes, esses grupos podem capturar boa parte dessa luta.

Na Era Informacional a fragmentação não está em disputa, ela é um dado de realidade. O que está em disputa é a política, que não está sendo praticada na sua essência nem pelos governos que se dizem com viés de esquerda e nem pelos movimentos tradicionais de esquerda. A política como um espaço de construção de um mundo melhor e de diálogo. A política como espaço de transformação da realidade.

E quando falta política, a violência prevalece. E os riscos passam a ser grandes.

Estudo da Interagentes
Para proceder a análise das redes durante os principais momentos das manifestações contra a redução da tarifa dos transportes públicos, a Interagentes coletou dados do Facebook e plotou em grafos. Para isso, aplicou filtros que permitem, a partir da relação de cada ator com os demais, calcular os “nós” mais centrais no debate.

Os grafos abaixo representam dados das redes entre as 16h e 0h de três diferentes dias. Os dias são a quinta-feira (13), marcada pelos confrontos entre manifestantes e policiais, a segunda-feira (17), dia da grande manifestação dos 100 mil, e a terça-feira (18), em que diversas outras manifestações tiveram lugar, inclusive a que culminou em depredação da Prefeitura de São Paulo.

A análise dos grafos sugere que ao longo desses dias houve um expressivo aumento da quantidade de emissores envolvidos, bem como do número total de pessoas.

Em uma análise prévia do dia 13 a Interagentes detectou um padrão de liderança distribuída, que pode ser verificado nesta análise que apontou grande aprovação ao movimento. Ainda que não fosse o maior nó de rede, a página Passe Livre São Paulo ocupava um papel de destaque naquele momento. No decorrer das manifestações seguintes a página Passe Livre São Paulo vai perdendo cada vez mais a sua centralidade no debate até quase dissolver-se no curso do(s) movimento(s).

A tendência parece indicar que o MPL configura-se hoje como propositor orignal, mas já sem o caráter de principal articulador. Ao mesmo tempo em que aumenta a quantidade de pessoas envolvidas outros grupos tendem a se apropriar das conversas sobre as manifestações. E a influenciar na sua agenda. É o caso de diversas páginas que levantam a pauta da ‘corrupção’ e o anti-petismo, entre outras coisas.

Alguns grupos ligados aos Anonymous, no entanto, parecem conservar sua relevância no debate público das 
redes.

Grafo dia 13
Grafo dia 13 – Principais “nós” de rede:
1. AnonymousBR
2. Anonymous Rio
3. Passe Livre São Paulo
4. Quero o Fim da Corrupção
5. AnonymousBrasil

Grafo dia 17
Grafo dia 17 – Principais “nós” de rede:
1. AnonymousBrasil
2. AnonymousBR
3. A Verdade Nua & Crua
4. Movimento Contra Corrupção
5. Quero o Fim da Corrupção
Grafo dia 18
Grafo dia 18 – Principais “nós” de rede:
1. AnonymousBR
2. AnonymousBrasil
3. Movimento Contra a Corrupção
4. Anonymous Brasil
5. Anonymous Rio

Um comentário:

douglas da mata disse...

Puro fetiche. Tolice e nada mais

É, dentro de uma perspectiva histórica, como defender que o advento do telégrafo, e do telefone, que vieram para substituir as comunicações postais, poderia mudar as formas de organização política, a ponto de trazer a desnecessidade de organizações em instâncias já conhecidas, tudo pelo advento da instantaneidade ou capilaridade.

Como diria o bom e velho David Harvey (culpa sua me apresentar o livro), estes fetiches capitalistas só servem para diluir o que realmente interessa: a luta de classe dentro das exigências de acumulação do capital e seus fluxos!

Alçar os meios a posição de protagonismo na luta anti-capitalista é de uma burrice de dar pena.

Embora os capitais girem muito mais rápido, e a informação seja fundamental (como foi há duzentos anos), as decisões fundamentais sobre vida e riqueza ainda se dão sob as mesmas bases!

Rovai como analista político e palpiteiro sobre ciências sociais é um ótimo jornalista.

Deveria se contentar a relatar os fatos como são, porque suas interpretações sobre a realidade são sofríveis!