sábado, junho 15, 2013

"Quatro mitos sobre os protestos"

O blog reproduz abaixo uma análise do Luiz Fernando Vitagliano, no bom portal "Outras Palavras" sobre as manifestações nas metrópoles brasileiras, dando prosseguimento à análise feita ontem, aqui, por este blog:

Quatro mitos sobre os protestos
Por Luis Fernando Vitagliano
liberte-se_do_transitoEstudantes e insatisfeitos têm parado as grandes capitais do país em protestos contra o aumento do preço dos bilhetes de transporte coletivo. O Movimento pelo Passe Livre colocou-se à frente dos protestos, que começaram com chamadas pelas redes sociais e internet e foram se avolumando até pelo boca a boca. Agora, Policia Militar e manifestantes opõem-se nas ruas. Governador de um lado, movimentos sociais e partidos de esquerda de outro. Grande imprensa contra as mídias sociais. Representantes das classes médias contra seus próprios filhos. A polarização é evidente: muitos deixam a razão de lado e encontram o momento apropriado para expressar despudoradamente sentimentos preconceituosos, que normalmente esconderiam.
Através de quatro assertivas muito discutidas recentemente este texto pretende mostrar como boa parte do que se diz por aí contra as manifestações são mitos que nada tem a ver com a realidade.
O primeiro e mais frequente mito: fechar ruas e avenidas impede a liberdade de ir e vir das pessoas.
Isso, quando não apelam para o sentimentalismo barato e dizem que os protestos impedem as ambulâncias de circular ou os bombeiros de trabalhar. Todo o argumento gira em torno do prejuízo que os condutores dos seus veículos particulares vão ter por chegar uma hora mais tarde em casa. Ninguém se importa com ambulância ou bombeiro quando está preso no trânsito. Mesmo com leis mais duras e severas os mesmo que se indignam pelo trânsito fechado por protestos continuam cometendo impropérios. Os congestionamentos causados pelos feriados impedem muito mais o trabalho dos socorristas que os protestos, e não há indícios de que isso incomoda o cidadão comum.
Alguns “indignados do bom senso” ainda têm a cara de pau de recorrer ao direito de ir e vir. Francamente, e o direito de ir e vir dos milhões trabalhadores que enfrentam horas de trânsito, por conta de milhares de outros cidadãos egoístas que dirigem seus carros sozinhos e engrossam o trafego? Os nobres confortáveis no estofamento de couro dos seus carros podem usar seu direito de ir e vir deixando o carro em casa, e usando o metrô ao preço de R$ 3,20. Direito de ir e vir para parte da classe média significa que ninguém deve protestar contra seu estilo de vida, ou pior ainda: fazer com que cheguem mais tarde em casa e se arrisquem a perder a novela.
Segundo mito: o conservador, que quer pautar o movimento e dizer contra o quê se deve protestar.
E quando a imprensa resolve discutir os motivos do protesto? Protestar por quê? Ninguém perguntou a pauta do movimento. Só pelo preço do transporte? Se tem mais assuntos não importa, porque vai começar aquele discursinho. Deveriam mesmo é protestar contra a corrupção dos políticos, contra o aumento dos impostos, contra o governo. O resto é alienação. Mas quem decide sobre o que protestar? A Folha de São Paulo? O Estadão? Os intelectuais de esquina, como eu ou o Arnaldo Jabor? Jabor disse em um comentário nas rádios que os estudantes deveriam protestar contra o mensalão e não contra o aumento no bilhete dos ônibus. Ué? Pois que ele organize o protesto contra o mensalão. Não é liberdade de expressão? Pois que cada um proteste contra aquilo que acha injusto. E absolutamente descabido e ilógico que quem não participa do protesto diga sobre o que se deve protestar. Nada mais manipulador que isso! Sem mais…
Terceiro mito: a violência do movimento e a reação da polícia que deve colocar ordem às ruas
Este é o mito evocado pelo governador, diretamente de Paris. E ganhou peso junto à corporação policial. Com a carta branca do governador a PM soltou os Pit-Bulls – não os cachorros, mas aqueles policiais que primeiro batem, depois se questionam porque estão batendo; se é que em algum momento se questionam.
O fato é que as declarações do governador, afirmando que a polícia iria reprimir o “vandalismo”, caíram como luva nas tropas de choque. O que você acha que pensa um policial sobre um cabeludo cheio de tatuagens, que carrega um skate nas mãos e fala “mano!”? Vândalo por antecipação.
Quando a PM reage indiscriminadamente, aumenta e não diminui a desordem. Se cinco mil pessoas estão protestando e meia dúzia resolve cometer um ato de vandalismo, qual a resultado de uma reação indiscriminada da polícia? Teremos, em instantes, um crescimento de seis vândalos para cinco mil e seis revoltosos. A PM não age para colocar ordem, age como líquido inflamável em fogo.
Já as preocupação em desviar o trânsito, dar alternativas ao motorista, manter os serviços de emergência, são menores para a polícia. O grosso do contingente está mesmo preparado para bater no primeiro manifestante que ganha as ruas.
Quarto mito: os vagabundos desocupados é que protestam.
Permita-me o leitor um comentário pessoal, acho esse o mito mais divertido. É meio não ter o que dizer. Um protesto de estudante não é um ato de desocupados. Estudantes estão em uma fase de preparação para ocupar postos de trabalho, mas ainda não têm formação ou experiência para isso – algo perfeitamente normal. Estão em cargos sempre subalternos, com salários baixos – quando encontram emprego. Claro que têm tempo. Muitas vezes, não por opção, mas por falta dela.
Observar os protestos por este prisma é ignorar outro. Os jovens, da mesma forma que têm tempo, não tem espaço. Estão buscando seu um lugar na sociedade. Herdaram dos seus país um mundo e obviamente discordam de vários aspectos, por isso querem fazer diferente. Essa é a base do Movimento pelo Passe Livre, um dos mais atuantes nos recentes protestos. É legitimo e não existe casuisticamente: promove debates sobre transporte público e organiza manifestações há alguns anos.
Os partidos políticos tradicionais também não conseguem mais dar conta desses novos movimentos. São bandeiras contemporâneas, que ainda não foram incorporadas às pautas formais das organizações políticas. Expressam novas preocupações. Estamos falando dos defensores do meio ambiente, dos contrários aos maus tratos com os animais, dos ciclistas, das e dos feministas, dos homoafetivos, dos a favor da legalização da maconha e do aborto, enfim de um leque de movimentos que se sentem oprimidos pela ditadura da suposta maioria. Entender isso significa compreender, no mínimo, por que tantos jovens saem à rua para tomar chuva e apanhar da polícia. Se quisermos chamá-los de vagabundos, pois bem: não importa o rótulo. Mas fique claro que esses “vagabundos” começaram a desenhar muito bem o que querem e passaram a defender bandeiras que sinalizam o futuro.
Um parêntese, ao terminar: aqueles que criticam os jovens com argumentos fúteis estão agindo politicamente da forma mais baixa: querem minar, com um tipo particular de violência, as manifestações. Não agridem com paus e pedras, cassetes ou gás pimenta; manejam preconceitos, vociferam ódio, difundem medo. Não sei que violência é pior.

5 comentários:

Anônimo disse...

Os jovens estão indo para as ruas, a letargia começa a desmoronar.
Nenhuma democracia se faz com cidadãos alienados e passivos com a supremacia de um partido só.Isso é ditadura, é alienação´,é bolor mental.
Ruas Brasil.Com ordem e respeito à LIBERDADE DE EXPRESSÃO!

douglas da mata disse...

Roberto, permita-me reproduzir aqui, o que escrevi lá pelo planície sobre o tema:

Afinal, quem são os indignados?

Já dizia o intelectual miolo mole, caetano meloso, em alguns dos seus raros momentos de lucidez: "alguma coisa está fora da ordem".

Há a algum tempo, li no blog do Roberto Moraes, algo que mencionava que os movimentos políticos de contestação deveriam começar nas cidades, nos temas urbanos, dada a quase impossibilidade de impor agendas universais, dada a crise de representatividade na qual o capitalismo mantém sob sequestro a democracia.

Creio que era em uma entrevista do ótimo geógrafo David Harvey, um dos melhores interlocutores do marxismo nos dias de hoje.

Bom, ao enxergar a pauta das manifestações de algumas capitais brasileiras, senão me engano, Rio, SP, Porto Alegre, Maceió, Brasília, Curitiba, Manaus, e BH, está claro que o estopim foi a mobilidade urbana, expressa na questão do preço e da qualidade do transporte público.

É um grande começo, e que possibilita um amplo questionamento dos usos dos orçamentos públicos municipais.

A truculência das forças estatais não deixa dúvidas que os grupos que estão no controle das administrações não hesitarão em sufocar qualquer chance de que a luta política lhes fuja ao controle, sob os métodos tradicionais da disputa.

E pelo que foi mostrado, nem interessa se há no meio gente pouco acostumada a violência policial, comumente destinada aos mais pobres e de cor.

Mas ainda que tenha esperança (afinal, ela é a primeira que adoece, embora seja a última a morrer), tenho certa prevenção a todo este oba-oba que alguns blogs têm saudado as manifestações juvenis, mormente as de SP, justamente as mais massacradas pela PM.

Não me refiro aos calhordas de sempre, que tentam embarcar no movimento, como forma de contrabandear uma insatisfação onde ela não poderia existir: afinal, há empregos, renda, vagas nas universidades, etc, como nunca houve neste país.

Eu falo dos setores sinceros (porém ingênuos) da esquerda e da blogosfera, que parecem observar os jovens em marcha como aqueles pais frustrados que nunca chegaram a protagonistas, ou falharam neste intento, berrando à beira do gramado, com técnicos, juízes e adversários.

É preciso cuidado, muito cuidado, porque amor demais sufoca, e expectativa demais atrofia.

Movimentos desta natureza são sobrevivem sem grande articulação com outras esferas orgânicas e POLÍTICAS da sociedade, embora todo espontaneísmo inicial, próprio dos hormônios imaturos sejam bem-vindos.

É preciso DIREÇÃO.

Que faltou aos cara-pintadas, que não foram a lugar algum, por exemplo!

Que faltou na Primavera Árabe, engolida e sufocada!

Que faltou ao Occupy Wall Street, transformado em um bando de andrajos em parques pelos EEUU.

Um olhar mais acurado sobre os manifestantes dirá que não se tratam de usuários de ônibus os que estão nas ruas de SP, por exemplo, ao menos, não em sua maioria, o que não os desqualifica, mas nos deixa na boca aquele velho gosto amargo de um vanguardismo classe média, que pretende "iluminar" os pobres e incultos que eles julgam manipulados e domesticados.

É esta gênese autoritária, porém compreensível, destes movimentos que os matam no nascedouro: falta-lhes legitimidade, embora a agenda seja real, ou seja, o transporte público, o uso de dinheiro público em eventos desnecessários, etc, merece atenção e revolta.

Mas não é este pessoal que está nas ruas que mais sofre.

É mais ou menos como uma passeata de meninos e meninas brancos pintados de preto a lutar contra discriminação racial.

Justo, porém inacreditável.

Anônimo disse...

Caro Roberto, e quando o "Governinho" mobiliza suas ovelhas para falar em manifestação, justiça social, constituição?! Aí sim pode fechar BR, "ocupar" espaços públicos, cometer injúria e etc... Governo da HIPROCRISIA chamada República das Bananas, ou melhor, do açúcar!

Anônimo disse...

O PT está provando do seu próprio veneno, pois quando não estão no governo, adoram as passeatas , as greves e os protestos. Até a cria deles, o MST, tá no meio.

Roberto Moraes disse...

Olá Douglas,

Estás com uma boa memória heim?

Harvey falou dos riscos dos movimentos chamados de horizontais, sem lideranças.

Porém, Harvey se referiu às metrópoles como "cidades rebeldes" e intuiu os estrangulamentos do grandes adensamentos urbanos.

Harvey falava desta efervescência, mas, concordo que mais que indignação os movimentos sociais precisam ter pauta, propor uma agenda para mudar a realidade de desigualdade.

Tirando, como você bem lembra, os oportunistas sempre interessados em aproveitar fraturas para impor suas agendas neoliberais, já enterradas, e outros radicais que na prática, caminham pelas mesmas vias, a participação e a apresentação das demandas ajuda um governo de coalizão a avançar nos projetos de inclusão social.

Para contribuir com o debate vale reler a entrevista do Harvey que você bem lembrou.

http://outraspalavras.net/2012/07/13/as-cidades-rebeldes-de-david-harvey/

Talvez faça uma postagem para aprofundar o debate.

Repito: "as metrópoles pedem socorro!"